segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

Casamento por conveniência - Carlos Pereira

O Estado de S. Paulo

A baixa coesão partidária no Brasil é fruto da busca pela sobrevivência eleitoral

É muito comum entre eleitores brasileiros uma boa dose de frustração em relação aos partidos políticos. Muitos argumentam que os partidos não têm uma ideologia clara, não partilham de crenças comuns, nem de objetivos compartilhados. Isto é, têm baixa coesão.

No artigo “Frustrated marriage? The ideological distance of members of congress from their parties in Latin America”, os cientistas políticos João Guedes e Scott Morgenstern mostram que essa frustração não ocorre apenas entre os eleitores brasileiros, mas também é observada entre os próprios parlamentares latino-americanos.

A pesquisa deles é baseada em questionários aplicados com 1753 legisladores de 51 partidos políticos de 18 países latino-americanos entre 2010 e 2017 pelo “Observatório de Elites Parlamssentares na América Latina” (PELA).

Metade dos parlamentares latino-americanos se percebe substancialmente distante ou dissonante da preferência ideológica média dos partidos a que pertencem e 40% deles expressam grande frustração com a distância ideológica entre seus colegas de partido e a sua própria ideologia.

Os autores mostram que o nível de dissonância e de frustração do parlamentar com seu partido varia de acordo com a ideologia. Enquanto os parlamentares de direita são mais dissonantes da preferência média de seus partidos, especialmente em questões morais, os de esquerda apresentam maior frustração, especialmente em questões econômicas.

Se uma quantidade considerável de legisladores da América Latina é dissonante (especialmente os de direita) dos membros seus respectivos partidos e, além disso, também se sente frustrada (especialmente os de esquerda) com essa falta de coesão, por que se filiam a partidos que discrepam da sua ideologia?

A resposta está na busca pela sobrevivência eleitoral. Como a América Latina e o Brasil em particular são reino da representação proporcional para o Legislativo, a conexão eleitoral tende a não se desenvolver em torno dos partidos, mas sim por meio de conexões individuais entre os eleitores e redes locais de interesse. A coesão partidária, portanto, tende a ser baixa, dado que o parlamentar procura o partido que traz mais retornos eleitorais e não necessariamente o que tem mais identidade.

Mas, paradoxalmente, os partidos são fortes dentro do Legislativo. Embora não sejam coesos, são muito disciplinados. É a partir da disciplina que os legisladores têm mais acesso aos recursos partidários que proporcionam sobrevivência eleitoral. Quando as partes envolvidas entendem o que está em jogo, a frustração cede lugar para a conveniência.

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