O Globo
Alguns fatores da luta contra o aquecimento
global convergem diretamente para uma pauta de resistência democrática
Para evitar compras supérfluas, resolvi
consertar algumas roupas velhas. Por meio das redes sociais, consegui uma
costureira que veio da Baixada Fluminense com sua máquina, trabalhou algumas
horas e resolveu tudo.
Fiquei maravilhado com o fato de as redes
sociais, além de terem importância comercial, abrirem fontes de renda para
milhares de trabalhadores autônomos. Andei pesquisando, e alguns números
indicam que cerca de 10 milhões de pessoas geram parte ou toda a sua renda nas
redes. Numa pesquisa de 2023, mais de 60% das pequenas empresas brasileiras
retiravam parte ou toda a sua renda de plataformas como Instagram e Facebook.
No momento, temos discutido muito o alinhamento da Meta ao governo Trump e a desmontagem de sua estrutura de checagem do material que veicula. Sem dúvida, um tema importante porque trata de questões políticas, democracia, liberdade de expressão, fake news e respeito à legislação nacional.
Vejo essa posição da Meta como uma ponta do
iceberg. O fato principal é a existência de uma coalizão de bilionários donos
das big techs com o governo dos Estados Unidos. Elon Musk,
X, Mark
Zuckerberg estão ao lado de Trump numa aventura inédita na História
mundial.
De um ponto de vista econômico, que tipo de
resistência é possível oferecer a essa nova coalizão?
Países como a China criaram
suas redes sociais próprias: WeChat (semelhante ao WhatsApp, com
funções adicionais de pagamento e comércio digital), Weibo (similar ao X) e
Douyin (TikTok).
A China tem uma perspectiva de controle
político, uma visão mais severa de segurança nacional e muita tecnologia. Não é
o modelo.
Mesmo com o risco de parecer ingênuo, estou
tentando formular algumas ideias que possam nos tornar menos vulneráveis a esse
tremendo poder simbolizado pelo novo governo americano e as big techs.
Confesso que estou tateando. No entanto me
arrisco a dizer que alguns fatores da luta contra o aquecimento global
convergem diretamente para uma pauta de resistência democrática a essa
formidável aliança de extrema direita.
O primeiro ponto que poderá nos fortalecer é
uma transição rápida no campo da energia. Energia renovável e abundante é
necessária não apenas para o crescimento sustentável, mas para amparar um
avanço tecnológico. Centros de dados e a inteligência artificial são vorazes
consumidores de energia.
O país precisaria de mais satélites. Servem
para monitorar o clima, mas também para basear uma estrutura própria de
comunicação.
Aliás, nesse contexto tão delicado, redes de
comunicação local, intranets, tecnologias off-line, tudo isso poderia ajudar.
Assim como poderia ajudar o investimento em infraestrutura descentralizada,
diversificação econômica e inovação tecnológica. O Brasil ficaria mais forte
formando mais gente em cibersegurança, engenharia de rede e gestão de crises.
Outro aspecto que reduziria a vulnerabilidade
é incentivar a produção local para reduzir a dependência das cadeias globais.
Sentimos como na pandemia Índia e China tinham mais produtos médicos; na guerra
na Ucrânia,
corremos atrás de fertilizantes.
Não sei ainda se isso é um programa sensato
para tornar o país menos vulnerável. No momento, o único fator que detém os
bilionários das big techs é o lucro. O Brasil é um grande mercado. No entanto,
em certos momentos, pode ser que, por motivos políticos, queiram dar um
xeque-mate. Aí então, o conceito de soberania nacional transcende ao campo
simbólico, não depende tanto de juízes do STF,
mas sim da base material para começar uma conversa.
Não é preciso criar uma rede social nacional,
mas estar próximo disso é um grande argumento: data centers, internet de alta
velocidade, tecnologia de inteligência artificial e algoritmos, muita gente
especializada e, sobretudo, recursos — tudo isso se acumulando no tempo acaba
sendo um fator de dissuasão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário