Valor Econômico
Com Elon Musk e outros empresários na sua gestão, Trump espera transformar economia americana
Logo no início de seu mandato, Jair Bolsonaro
nomeou José Salim Mattar para o recém-criado cargo de secretário Especial de
Desestatização. Fundador da maior locadora de automóveis da América Latina, o
empresário se dizia um defensor das ideias liberais e com o tempo se converteu
num dos principais doadores de campanha do Brasil - em 2022 ele aportou R$ 2,9
milhões do próprio bolso na eleição, a maioria para candidatos de direita.
A ideia do superministro da Economia, Paulo Guedes, de trazer um empresário de sucesso para comandar a secretaria responsável pelas privatizações era superar as resistências da burocracia, imprimindo ao processo o ritmo e a eficiência próprios do setor privado. Com a venda de estatais e de imóveis da União, Guedes esperava gerar R$ 2 trilhões de caixa até o final do mandato.
Vinte meses depois de tomar posse, contudo,
Salim Mattar apresentou sua carta de demissão. Num dos últimos atos de sua
fugaz passagem pelo setor público, o dono da Localiza apresentou num powerpoint
o fluxograma do processo para a venda de estatais - um emaranhado de caixinhas,
cada uma representando um órgão diferente, dentro das quais emergia uma gincana
de pareceres jurídicos, avaliações econômico-contábeis e variadas exigências
regulatórias e autorizações legislativas.
Acostumado a mandar e desmandar em sua
companhia, o empresário sucumbiu diante dos ritos do serviço público, regidos
pelos princípios da legalidade, da impessoalidade e da transparência.
Ao tomar posse como o 47º presidente
americano, Donald Trump retorna à Casa Branca trazendo como uma das principais
novidades a criação do Departamento de Eficiência Governamental, uma espécie de
ministério (embora deva funcionar mais como um conselho) destinado a eliminar
despesas e regulamentações entendidas como desnecessárias. Para conduzir o
órgão, Trump anunciou o empresário e político Vivek Ganapathy e ninguém mais,
ninguém menos, que Elon Musk, o homem mais rico do mundo.
Nos últimos anos, Musk se aproximou de Trump
e apoiou o Partido Republicano com doações eleitorais que, segundo apuração do
jornal Washington Post, passaram de US$ 277 milhões. Com negócios
multibilionários nas áreas de inteligência artificial (OpenAI), veículos
elétricos (Tesla), exploração espacial (SpaceX) e redes sociais (X), são claros
os interesses do empresário sul-africano em estreitar laços com o mandachuva do
Salão Oval da Casa Branca.
Por seu turno, ao trazê-lo para sua equipe de
governo, Trump acredita na mística de Midas de Elon Musk. Embora herdeiro de
uma das famílias mais ricas da África do Sul, Musk multiplicou sua fortuna com
inovações disruptivas que, na visão do velho-novo presidente americano, serão
fundamentais para reduzir de forma drástica o crônico déficit fiscal do governo
e extinguir normas e exigências burocráticas que, na sua visão, são obstáculos
à prosperidade do país. Nos “cálculos” de Musk, o novo órgão seria capaz de
gerar uma economia de US$ 2 trilhões com o corte de desperdícios, o fechamento
de agências governamentais e a demissão de servidores públicos ociosos.
O resultado das eleições americanas veio
acompanhado de grandes expectativas, para seus apoiadores e fãs, e muitos
temores da parte de todos que não compactuam com suas ideias. Afinal, Trump não
apenas volta ao comando da maior potência econômica, bélica e tecnológica do
globo, como vem acompanhado de maiorias do Partido Republicano na Câmara e no
Senado, além do domínio conservador na Suprema Corte.
Tamanho poder, aparentemente desprovido de
contrapesos institucionais, é o que alimenta o ânimo dos trumpistas quanto a
uma guinada radical à direita não apenas nos Estados Unidos, mas no mundo todo.
No lado oposto, seus críticos questionam quem ou o que poderá deter Donald
Trump em seu segundo mandato, contendo os potenciais estragos sobre as
instituições multilaterais, os esforços contra o aquecimento global, a
desigualdade econômica e a própria democracia.
Do ponto de vista político, há quem deposite
suas esperanças na reação da sociedade americana caso Trump extrapole os
limites do seu cargo, ou até mesmo numa perda da maioria republicana nas
eleições de meio de mandato. Na economia, existem aqueles que acreditam que
parte do empresariado americano irá se opor a medidas radicais que elevem os
custos de seus negócios ou que gerem reações de outros países, como uma
elevação drástica de sobretaxas contra importados (sobretudo chineses) ou uma
política de deportação em massa que agrave desequilíbrios no mercado de
trabalho.
E aqui voltamos a Elon Musk e aos vários
outros empresários e executivos que Trump recrutou para postos-chave de sua
gestão. Os paralelos com a experiência brasileira não se limitam às doações
milionárias e aos trilhões prometidos de cortes nas despesas públicas. A
presunção desses homens de negócios, combinada com o desconhecimento da máquina
pública, pode emperrar muitas das ações pretendidas por Trump.
A ver se, também no setor público, Musk e
seus colegas conseguirão transformar tudo em ouro - ou, como eles preferem, em
criptomoedas.
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