segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

Quem poderá deter Donald Trump? - Bruno Carazza

Valor Econômico

Com Elon Musk e outros empresários na sua gestão, Trump espera transformar economia americana

Logo no início de seu mandato, Jair Bolsonaro nomeou José Salim Mattar para o recém-criado cargo de secretário Especial de Desestatização. Fundador da maior locadora de automóveis da América Latina, o empresário se dizia um defensor das ideias liberais e com o tempo se converteu num dos principais doadores de campanha do Brasil - em 2022 ele aportou R$ 2,9 milhões do próprio bolso na eleição, a maioria para candidatos de direita.

A ideia do superministro da Economia, Paulo Guedes, de trazer um empresário de sucesso para comandar a secretaria responsável pelas privatizações era superar as resistências da burocracia, imprimindo ao processo o ritmo e a eficiência próprios do setor privado. Com a venda de estatais e de imóveis da União, Guedes esperava gerar R$ 2 trilhões de caixa até o final do mandato.

Vinte meses depois de tomar posse, contudo, Salim Mattar apresentou sua carta de demissão. Num dos últimos atos de sua fugaz passagem pelo setor público, o dono da Localiza apresentou num powerpoint o fluxograma do processo para a venda de estatais - um emaranhado de caixinhas, cada uma representando um órgão diferente, dentro das quais emergia uma gincana de pareceres jurídicos, avaliações econômico-contábeis e variadas exigências regulatórias e autorizações legislativas.

Acostumado a mandar e desmandar em sua companhia, o empresário sucumbiu diante dos ritos do serviço público, regidos pelos princípios da legalidade, da impessoalidade e da transparência.

Ao tomar posse como o 47º presidente americano, Donald Trump retorna à Casa Branca trazendo como uma das principais novidades a criação do Departamento de Eficiência Governamental, uma espécie de ministério (embora deva funcionar mais como um conselho) destinado a eliminar despesas e regulamentações entendidas como desnecessárias. Para conduzir o órgão, Trump anunciou o empresário e político Vivek Ganapathy e ninguém mais, ninguém menos, que Elon Musk, o homem mais rico do mundo.

Nos últimos anos, Musk se aproximou de Trump e apoiou o Partido Republicano com doações eleitorais que, segundo apuração do jornal Washington Post, passaram de US$ 277 milhões. Com negócios multibilionários nas áreas de inteligência artificial (OpenAI), veículos elétricos (Tesla), exploração espacial (SpaceX) e redes sociais (X), são claros os interesses do empresário sul-africano em estreitar laços com o mandachuva do Salão Oval da Casa Branca.

Por seu turno, ao trazê-lo para sua equipe de governo, Trump acredita na mística de Midas de Elon Musk. Embora herdeiro de uma das famílias mais ricas da África do Sul, Musk multiplicou sua fortuna com inovações disruptivas que, na visão do velho-novo presidente americano, serão fundamentais para reduzir de forma drástica o crônico déficit fiscal do governo e extinguir normas e exigências burocráticas que, na sua visão, são obstáculos à prosperidade do país. Nos “cálculos” de Musk, o novo órgão seria capaz de gerar uma economia de US$ 2 trilhões com o corte de desperdícios, o fechamento de agências governamentais e a demissão de servidores públicos ociosos.

O resultado das eleições americanas veio acompanhado de grandes expectativas, para seus apoiadores e fãs, e muitos temores da parte de todos que não compactuam com suas ideias. Afinal, Trump não apenas volta ao comando da maior potência econômica, bélica e tecnológica do globo, como vem acompanhado de maiorias do Partido Republicano na Câmara e no Senado, além do domínio conservador na Suprema Corte.

Tamanho poder, aparentemente desprovido de contrapesos institucionais, é o que alimenta o ânimo dos trumpistas quanto a uma guinada radical à direita não apenas nos Estados Unidos, mas no mundo todo. No lado oposto, seus críticos questionam quem ou o que poderá deter Donald Trump em seu segundo mandato, contendo os potenciais estragos sobre as instituições multilaterais, os esforços contra o aquecimento global, a desigualdade econômica e a própria democracia.

Do ponto de vista político, há quem deposite suas esperanças na reação da sociedade americana caso Trump extrapole os limites do seu cargo, ou até mesmo numa perda da maioria republicana nas eleições de meio de mandato. Na economia, existem aqueles que acreditam que parte do empresariado americano irá se opor a medidas radicais que elevem os custos de seus negócios ou que gerem reações de outros países, como uma elevação drástica de sobretaxas contra importados (sobretudo chineses) ou uma política de deportação em massa que agrave desequilíbrios no mercado de trabalho.

E aqui voltamos a Elon Musk e aos vários outros empresários e executivos que Trump recrutou para postos-chave de sua gestão. Os paralelos com a experiência brasileira não se limitam às doações milionárias e aos trilhões prometidos de cortes nas despesas públicas. A presunção desses homens de negócios, combinada com o desconhecimento da máquina pública, pode emperrar muitas das ações pretendidas por Trump.

A ver se, também no setor público, Musk e seus colegas conseguirão transformar tudo em ouro - ou, como eles preferem, em criptomoedas.

 

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