Folha de S. Paulo
O Executivo também atua partidariamente nas
transferências discricionárias federais aos municípios
É trivial reconhecer que as transferências do
governo central para entes subnacionais são marcadas por uma lógica
político-partidária. Há um conjunto de evidências empíricas considerável a
respeito. Importa considerar o que há de novo em relação a estas transferências.
No passado, as transferências discricionárias federais e emendas orçamentárias beneficiaram o partido do ocupante do Poder Executivo. As transferências, inclusive, são superiores em valores às emendas. Mais importante: estão sob comando do Executivo.
Fernanda Brollo e
Tommaso Nannicini em artigo na American Political Science Review
analisaram o efeito do alinhamento político nas transferências federais para os
governos municipais no Brasil e descobrimos que, em anos pré-eleitorais, os
municípios cujos prefeitos estão afiliados à coalizão (e, especialmente, ao
partido do Executivo) recebem transferências discricionárias para
infraestrutura aproximadamente 33% maiores do que os não alinhados. Esse efeito
deve-se sobretudo ao fato de o governo federal penalizar os municípios
administrados por prefeitos da coalizão de oposição que venceram por uma margem
apertada (e que fornecem um contrafactual para a estimação). Estes dados
referem-se a um período de 12 anos (1999 a 2010), cobrindo dois anos do governo
do PSDB e o Lula
1 e Lula 2).
Natália Bueno em estudo publicado em 2017 mostrou que
prefeitos do PT receberam 58% mais recursos do que os da oposição. A eleição de
um prefeito alinhado que perdeu a eleição anterior implica em aumento per
capita de R$ 185 no orçamento municipal. O efeito do alinhamento político com o
governo federal entre 2003 e 2015 é considerável: equivalia ao valor per capita
médio das transferências do Bolsa Família. As transferências eram diminutas
globalmente mas expressivas localmente. Os municípios ficavam com 50% do total,
os estados com 30%; ONGs, com 20%. A eleição de um prefeito alinhado com o
presidente aumentava as transferências para os prefeitos mas reduzia as
realizadas para as ONGs. E vice versa: o objetivo é impedir que a oposição
"sequestre" o crédito político gerado.
Fernando
Meireles desagregou as emendas por ministérios e mostrou que funcionam
como superagregadores de demandas locais, em uma via de mão dupla,
identificando também a lógica partidário-ministerial subjacente. Prefeitos
alinhados partidariamente com o ministro —e não apenas com o Executivo— são
beneficiados. Cidades, Integração Nacional e Saúde são os campeões em
transferência —daí serem disputados entre parceiros da coalizão. O valor per
capita transferido tem um pico em anos de eleição nacional, quando dobra de
valor.
Há três fatores novos sob Bolsonaro e Lula 3 que subverteram a lógica acima. A primeira é o enfraquecimento político do Executivo. A segunda é que a coalizão de governo é frouxa, permitindo que haja duas agendas: a do Executivo e a do Legislativo, e não algum grau de articulação entre as duas como no passado. A lógica coalizão-portfólio ministerial subjacente deu lugar a uma balcanização do governo. A terceira consequência é a escalada brutal de valores das emendas, diminuindo o espaço orçamentário das transferências.
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