segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

Canções para um novo desafio mundial - Vagner Gomes de Souza

Dedico à gente miúda que sobrevive sem água e em busca do sorriso na comunidade de Nova Jersei, em Paciência (RJ), o nosso grito nesse artigo.

Depois do álbum “Bloco na Rua”, Ney Matogrosso, agora numa perfeita aliança vocal com Hecto, nos ensina que é necessária uma autocrítica daqueles que se consideram representantes do pensamento progressista. Só os ingênuos não compreenderiam nas 9 letras de “Canções para um Novo Mundo” um necessário manifesto contra as mazelas de um mundo em que os níveis de desigualdade social em forma espiral.

A chegada de Donald Trump no jogo mundial indica que a nova “Pax Americana” tem como propósito o aumento dos ganhos gananciosos do mundo dos negócios. A plutocracia está organizada politicamente internacionalmente enquanto as forças democráticas se deixaram envolver em pautas cada vez mais fraturadas como se fossem “ambulantes de temas sociais”.

A capacidade de selecionar e interpretar composições que nos incomodam e nos faz refletir confere ao trabalho musical de Ney Matogrosso e Hecto um peso também de reflexão intelectual que, me permitam meu saudosismo, tem maior impacto que alguns “memes”. Ouçam e se emocionem com cada música desse álbum que tem as participações de Frejat, na faixa ´Solaris´, Ana Cañas em ´O Amor Vem Antes De Tudo´ e Will Calhoun, baterista do Living Colour, na música ´Pátria Gentil´.

Se não houver um impacto desse álbum nos corações dos formadores de opinião em nosso país, isso se atribui a crise do sistema partidário que se contaminou a fazer uma “pequena política” de debates sobre narrativas e/ou como fazer a militância nas redes sociais uma vez que muitas dessas capacitações geram ganhos para seus supostos instrutores.

A melhor escola para pensar o que nos rodeia é olhar a realidade sem criar fantasias ou ilusões de falsos inimigos. Os iludidos polarizadores que empobreceram o diálogo da política ou pelo perigo do “professor dotrinador vermelho” ou pelo perigo do “pobre de direita”. As duas propostas simplistas não dariam conta que os pobres estão cada vez mais pobres e os ricos cada vez mais ricos ostentando suas riquezas.

Voltemos a Ney Matogrosso, que em 2019 nos instigou a trazer um Bloco de forças democráticas para superar aquela cizânia que estávamos vivendo, pois em seu álbum intencionalmente ou não há uma volta ao rock nacional como nos anos 80 de um Rock in Rio que testemunhou um Cazuza com a bandeira brasileira no dia 15 de janeiro de 1985 no marco do fim da ditadura militar.

Aliás, a bandeira nacional é o símbolo da nacionalidade contra o autoritarismo. O álbum se abre com ‘Pátria Gentil” (composição de Guilherme Gê) em que o tema da fome que o sociólogo Betinho nos fez mobilizar nos anos 90 em pleno Governo Itamar Franco (PMDB e aliados). Os versos brincam com as gravações de telemarketing em cada aperto de número uma situação… A cada aperto de se chega a fome que Ney Matogrosso já teve a oportunidade de musicar os versos de Solano Trindade no ano da anistia (1979) de “Tem gente com fome”. “Pátria Gentil, prato vazio, cuida dos teus filhos…”

Em seguida, ‘Monólogo’ poderia ser a melhor faixa do álbum para nos fazer pensar nas tarefas ao futuro. A necessidade de se ouvir as críticas e agir. “Corpo cansado, A alma desperta, Mundo errado, Que o sono acerta, Dorme animal, Com teu ronco de bicho, Que pensar é teu mal, Que recolham o teu lixo…” (Grifos). Após, o aprendizado do negacionismo científico que expôs uma crise do pensamento iluminista “Medo do sono, Ensaio da morte”… “Falta de luz, Falta de ar…O Corpo Seduz, Promete voltar…” Em tempos de ventos do OUTONO, ou seja, das forças do retrocesso.

Os ventos de Ney Matogrosso interpretando “Inclassificáveis” antes da tragédia de 2018 reacende na faixa “Teu Sangue”. Pois, “E os negros e pardos cavando buracos nas ruas, os trabalhadores com seus uniformes sorrisos falhados, teu sangue…” e o belo final “Caminhemos juntos”. No segundo terço do álbum (“Solaris”, “O Amor Vem Antes de Tudo”, “Troço”) temos um “manifesto-musical” uma vez que temos “Amanheceu a ilusão de acordar e ver um novo mundo…” (O Amor Vem Antes de Tudo”) e seria uma estrada do Sol para superar qualquer troço. “Por onde eu for, minha razão é o cobertor…” (Troço).

Por fim, em “Canção para um Novo Mundo” ouvimos “Diziam pra você não ir adiante, do simples sonho de viver…” e “O Sol se escondeu na baia” que na Guanabara lida com o desafio de saber lidar em saber fazer uma grande política, pois se o Sol se esconder no estado da Bahia teremos uma Tocaia Grande. Aprendam ouvindo “Nosso Grito” a fazer um novo mundo pois “Tem uma carta na manga, na Sexta-Feira Santa eu trago uma espada…”. A invenção na política se faz presente em seus versos, mas parece que os nossos militantes sociais estão prisioneiros do “chumbo” em tempos que temos que flutuar como penas… “Eu delirando nos viadutos, roubaram o meu coração…” e “Tiraram minha razão, na vida meu viiolão…”. E podemos concluir “Saudade de existir…Saudade” nos versos que destaco de “Anonimato”.

*Vagner Gomes de Souza é doutorando do PPGCP/UNIRIO.

 

Nenhum comentário: