O Estado de S. Paulo
O Brasil combina, hoje, o que tem de pior em matéria de justiça tributária com o que existe de mais retrógrado na condução do gasto público
No ano corrente, o governo precisa cumprir
uma meta fiscal (receitas menos despesas) igual a zero; os instrumentos de que
dispõe devem ser suficientes. Desafio muito menos trivial apresenta-se para
2026. No ano que vem, o déficit é estimado em R$ 108,9 bilhões e a meta
proposta, um superávit de R$ 34,5 bilhões. Nem mesmo os descontos contábeis e
as bandas legais darão conta de tapar um buraco tão grande.
Em 2025, a saída dos efeitos do decreto do IOF precisará ser coberta. A Medida Provisória (MPV) n.º 1.303, que tributa os títulos isentos (a exemplo das LCI e LCA) e providencia certo aperto de cintos em benefícios sociais e auxílios, é fundamental. A já aprovada MPV n.º 1.291, que permitirá ao governo rifar receitas futuras de petróleo, também ajuda.
O governo deve conseguir um déficit primário
de R$ 76,3 bilhões, suficiente para garantir o cumprimento da meta legal em
2025. Lembro que a meta é zero, mas a banda inferior é R$ 31 bilhões. Além
disso, parte dos precatórios pode ser desconsiderada para fins de checagem da
meta fiscal, no valor de R$ 45,3 bilhões.
Também está na mesa um possível
contingenciamento adicional de despesas discricionárias, que já estão em nível
bastante baixo, vale dizer. Cada vez mais, essa parcela do Orçamento vai sendo
espremida pelas gigantescas emendas parlamentares. Contra isso, nada. A farinha
é pouca? Então, todos os pirões do Congresso por primeiro.
A questão de 2026 é muito grave. O déficit de
R$ 108,9 bilhões, que considera razoável crescimento para a receita, em linha
com as estimativas de PIB, não poderá ser resolvido por meio do tradicional
mecanismo de contingenciamento. Nas nossas contas, na Warren Investimentos,
calculamos que o corte necessário é de R$ 58,8 bilhões. O problema é que as
despesas discricionárias já circundam o patamar de 1,5% do PIB, extremamente
reduzido. Metade desse montante compõe-se de gastos incomprimíveis, a exemplo das
parcelas a cumprir os mínimos constitucionais da Saúde e da Educação e a
financiar as emendas. Seria possível cortar, sem levar a máquina pública a
bater pinos em pleno ano eleitoral, apenas R$ 5 bilhões.
A meta fiscal do ano que vem é um superávit
de 0,25% do PIB ou, R$ 34,5 bilhões. O limite inferior, espécie de lambuja
prevista em lei, é zero. O desconto dos precatórios excedentes está em R$ 55,1
bilhões para 2026. Tudo isso já está na conta. Ainda assim, a necessidade de
corte é de mais de cinco dezenas de bilhões.
A saída é obter receitas adicionais derivadas
das duas MPV mencionadas e promover mudanças nas despesas públicas
obrigatórias. Contudo, é preciso ser realista: não há mais qualquer espaço
político para providenciar tais ações de ajuste fiscal. O governo perdeu o
bonde, em que pese ter sido boicotado pelo Congresso, em diversas ocasiões,
como na tentativa de conter os supersalários do serviço público, reformar a
previdência dos militares e promover ajustes de maior envergadura.
Outra carta na manga diz respeito ao corte de
benefícios tributários. O bom projeto do deputado Mauro Benevides ganhou força.
Seus efeitos fiscais anuais poderiam superar a marca de R$ 40 bilhões. Uma bela
ajuda, ao menos no papel. Tirá-lo do mundo das planilhas dos economistas e
levá-lo ao debate, no Congresso, já é outra história.
Cada benefício tributário tem um dono (ou
mais de um). As forças presentes no Parlamento se levantam contra iniciativas
dessa natureza ao menor sinal de tesouradas sobre seus quinhões.
A vantagem do projeto é a abrangência. Os
cortes são calculados em cima de todo o montante de subsídios tributários,
financeiros e creditícios. Fato é que isso pode salvar a lavoura no ano que
vem.
De todo modo, a proximidade das eleições
gerais e o quadro externo conturbado, pautado pelo tarifaço político anunciado
pelos Estados Unidos sobre o Brasil, tornam a vida da equipe econômica ainda
mais difícil.
Não vejo outra saída, neste momento, a não
ser uma revisão coordenada da meta fiscal de 2026. Melhor que seja feita por
profissionais, e não por amadores, como acaba ocorrendo em situações de
estresse e desespero, para evitar o descumprimento da lei. A Fazenda e o
Planejamento precisarão comandar esse processo, no âmbito do envio do Projeto
de Lei Orçamentária Anual (Ploa) para 2026, cujo prazo constitucional é 31 de
agosto.
Em paralelo, a agenda da reforma tributária
da renda, a partir do novo relatório do deputado Arthur Lira, ex-presidente da
Câmara, é positiva e está caminhando. As resistências são múltiplas, já que as
mexidas são significativas sobre o queijo dos andares de cima. Mas isso é
pouco. Fato é que o Brasil combina, hoje, o que tem de pior em matéria de
justiça tributária com o que existe de mais retrógrado na condução do gasto
público.
Essa discussão de maior fôlego, a mais
importante de todas para a agenda econômica do País, ficará para depois.
Refirome à necessidade de uma reforma orçamentária e fiscal digna desse nome. A
retomada de superávits primários é urgente e só ocorrerá por meio da contenção
do crescimento do gasto obrigatório e da redução sistemática de isenções,
benefícios e benesses em geral.
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