quinta-feira, 17 de julho de 2025

A conta não fecha - Felipe Salto

O Estado de S. Paulo

O Brasil combina, hoje, o que tem de pior em matéria de justiça tributária com o que existe de mais retrógrado na condução do gasto público

No ano corrente, o governo precisa cumprir uma meta fiscal (receitas menos despesas) igual a zero; os instrumentos de que dispõe devem ser suficientes. Desafio muito menos trivial apresenta-se para 2026. No ano que vem, o déficit é estimado em R$ 108,9 bilhões e a meta proposta, um superávit de R$ 34,5 bilhões. Nem mesmo os descontos contábeis e as bandas legais darão conta de tapar um buraco tão grande.

Em 2025, a saída dos efeitos do decreto do IOF precisará ser coberta. A Medida Provisória (MPV) n.º 1.303, que tributa os títulos isentos (a exemplo das LCI e LCA) e providencia certo aperto de cintos em benefícios sociais e auxílios, é fundamental. A já aprovada MPV n.º 1.291, que permitirá ao governo rifar receitas futuras de petróleo, também ajuda.

O governo deve conseguir um déficit primário de R$ 76,3 bilhões, suficiente para garantir o cumprimento da meta legal em 2025. Lembro que a meta é zero, mas a banda inferior é R$ 31 bilhões. Além disso, parte dos precatórios pode ser desconsiderada para fins de checagem da meta fiscal, no valor de R$ 45,3 bilhões.

Também está na mesa um possível contingenciamento adicional de despesas discricionárias, que já estão em nível bastante baixo, vale dizer. Cada vez mais, essa parcela do Orçamento vai sendo espremida pelas gigantescas emendas parlamentares. Contra isso, nada. A farinha é pouca? Então, todos os pirões do Congresso por primeiro.

A questão de 2026 é muito grave. O déficit de R$ 108,9 bilhões, que considera razoável crescimento para a receita, em linha com as estimativas de PIB, não poderá ser resolvido por meio do tradicional mecanismo de contingenciamento. Nas nossas contas, na Warren Investimentos, calculamos que o corte necessário é de R$ 58,8 bilhões. O problema é que as despesas discricionárias já circundam o patamar de 1,5% do PIB, extremamente reduzido. Metade desse montante compõe-se de gastos incomprimíveis, a exemplo das parcelas a cumprir os mínimos constitucionais da Saúde e da Educação e a financiar as emendas. Seria possível cortar, sem levar a máquina pública a bater pinos em pleno ano eleitoral, apenas R$ 5 bilhões.

A meta fiscal do ano que vem é um superávit de 0,25% do PIB ou, R$ 34,5 bilhões. O limite inferior, espécie de lambuja prevista em lei, é zero. O desconto dos precatórios excedentes está em R$ 55,1 bilhões para 2026. Tudo isso já está na conta. Ainda assim, a necessidade de corte é de mais de cinco dezenas de bilhões.

A saída é obter receitas adicionais derivadas das duas MPV mencionadas e promover mudanças nas despesas públicas obrigatórias. Contudo, é preciso ser realista: não há mais qualquer espaço político para providenciar tais ações de ajuste fiscal. O governo perdeu o bonde, em que pese ter sido boicotado pelo Congresso, em diversas ocasiões, como na tentativa de conter os supersalários do serviço público, reformar a previdência dos militares e promover ajustes de maior envergadura.

Outra carta na manga diz respeito ao corte de benefícios tributários. O bom projeto do deputado Mauro Benevides ganhou força. Seus efeitos fiscais anuais poderiam superar a marca de R$ 40 bilhões. Uma bela ajuda, ao menos no papel. Tirá-lo do mundo das planilhas dos economistas e levá-lo ao debate, no Congresso, já é outra história.

Cada benefício tributário tem um dono (ou mais de um). As forças presentes no Parlamento se levantam contra iniciativas dessa natureza ao menor sinal de tesouradas sobre seus quinhões.

A vantagem do projeto é a abrangência. Os cortes são calculados em cima de todo o montante de subsídios tributários, financeiros e creditícios. Fato é que isso pode salvar a lavoura no ano que vem.

De todo modo, a proximidade das eleições gerais e o quadro externo conturbado, pautado pelo tarifaço político anunciado pelos Estados Unidos sobre o Brasil, tornam a vida da equipe econômica ainda mais difícil.

Não vejo outra saída, neste momento, a não ser uma revisão coordenada da meta fiscal de 2026. Melhor que seja feita por profissionais, e não por amadores, como acaba ocorrendo em situações de estresse e desespero, para evitar o descumprimento da lei. A Fazenda e o Planejamento precisarão comandar esse processo, no âmbito do envio do Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) para 2026, cujo prazo constitucional é 31 de agosto.

Em paralelo, a agenda da reforma tributária da renda, a partir do novo relatório do deputado Arthur Lira, ex-presidente da Câmara, é positiva e está caminhando. As resistências são múltiplas, já que as mexidas são significativas sobre o queijo dos andares de cima. Mas isso é pouco. Fato é que o Brasil combina, hoje, o que tem de pior em matéria de justiça tributária com o que existe de mais retrógrado na condução do gasto público.

Essa discussão de maior fôlego, a mais importante de todas para a agenda econômica do País, ficará para depois. Refirome à necessidade de uma reforma orçamentária e fiscal digna desse nome. A retomada de superávits primários é urgente e só ocorrerá por meio da contenção do crescimento do gasto obrigatório e da redução sistemática de isenções, benefícios e benesses em geral.

 

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