Folha de S. Paulo
Americano recorre à intimidação tarifária,
países afetados não reagem com firmeza e EUA colhem resultados em dólares
A exploração econômica das colônias com a
imposição de monopólios e impostos abusivos marcou as relações entre países
europeus e suas possessões pelo mundo. São famosos os casos do quinto do ouro e
das derramas, no Brasil, e da Lei do Chá, nos Estados
Unidos —por iniciativa de Portugal e Reino Unido.
Os dois episódios provocaram revoltas contra
as metrópoles. No Brasil, a Inconfidência Mineira; nos EUA, a Festa do Chá e,
poucos anos depois, a Independência.
Donald Trump, séculos depois, está empenhado em restaurar uma perspectiva imperial pela coação alfandegária. O que poderíamos chamar de Imperador das Tarifas está a distribuir taxas como Zeus distribuía raios para demonstrar seu poder. Ah, o Judiciário brasileiro está julgando um golpista amigo meu? Raio neles. E tome 50% de tarifa. Ah, o México não está ajudando o suficiente com o tráfico de drogas para uso de americanos? Raio neles também.
E assim vamos vivendo o pesadelo de um mundo
sob permanente ameaça. O pior é que esse método de dominação, por meio de
sobressaltos, ameaças, recuos e novas ofensivas, tudo sobre bases arbitrárias,
não tem provocado reações mais enfáticas e eficazes dos países atingidos.
Reportagem do britânico Financial Times,
publicada também por esta Folha, mostra que "a maioria dos parceiros
comerciais dos EUA falhou em retaliar as tarifas,
permitindo que um presidente tachado
por "sempre recuar" arrecadasse quase US$ 50 bilhões (R$
278,61 bilhões) em receitas alfandegárias extras a um "custo baixo".
Quatro meses após os primeiros raios
tarifários lançados pelo Zeus loiro da América, apenas China e Canadá revidaram
de modo mais firme —com retorno, contudo, menor. Ou seja, por mais que tudo
isso possa dar muito errado, o fato é que, por ora, está "dando
certo" para Trump.
Segundo o Financial Times, "as receitas
dos EUA com direitos aduaneiros atingiram um recorde de US$ 64 bilhões (R$
356,63 bilhões) no segundo trimestre —US$ 47 bilhões (R$ 261,89 bilhões) a mais
do que no mesmo período do ano passado, de acordo com dados publicados pelo
Tesouro dos EUA na sexta-feira (11)".
O quadro vai se tornando exasperante e
sombrio. Diante das intimidações aleatórias e absurdas, a maior parte do mundo
mostra-se acoelhada, procura negociar individualmente nos bastidores, abre mão
de princípios e teme unir-se para enfrentar o que pode ser o início de um
desastre global.
Situações que se revelam insustentáveis em
sua evidente falta de legitimidade são levadas a sério, debatidas e analisadas.
Para ficar num exemplo que nos diz respeito, a tal investigação
comercial aberta sobre o Brasil é uma iniciativa bizarra. Os EUA
recorrem a uma série de expedientes escusos em suas estratégias de comércio,
além das estapafúrdias tarifas, e sabotam abertamente a OMC (Organização
Mundial de Comércio), que se encontra paralisada.
Como levar a sério uma investigação que
coloca o Pix e o comércio da rua 25 de Março, em São Paulo, como alvos? Trump
falando em desmatamento? Soa a distração para incautos. Aventa-se que poderia
estar buscando argumentos para um recuo. Será? O fato é que o Imperador das
Tarifas não precisa de investigação ou base objetiva, falseada ou verdadeira,
para fazer o que bem entende.
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