Folha de S. Paulo
O jogo de Jair, Eduardo e Flávio pode
configurar coação e obstrução da Justiça
Instituições brasileiras sempre
trataram Jair
Bolsonaro como filho pródigo. Por mais de 30 anos, o Superior Tribunal
Militar, a Câmara
dos Deputados, o Supremo Tribunal Federal e a Procuradoria-Geral da
República funcionaram como casas de tolerância à delinquência política. A
leniência se estendeu à sua família.
Durante sua Presidência, pedidos para investigar violações de direitos, crimes de incitação, crimes sanitários e contra a administração, crimes eleitorais e de responsabilidade ocorreram sem consequências jurídicas ou políticas. Mortes evitáveis da pandemia ficaram impunes. Em 2023, Jair foi condenado à inelegibilidade pela Justiça Eleitoral, que continua sem julgar outras ações contra ele.
Restou o maior dos crimes, cuja execução
culminou e se tornou indisfarçável nos ataques de 8 de Janeiro. Após denúncia
do procurador-geral da República, o STF deve
julgar as acusações de liderança de organização criminosa armada, tentativa de
abolição violenta da democracia, golpe de Estado, dano qualificado contra o
patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.
Há rumores de que Jair será condenado a
prisão domiciliar, pena aplicada, com frequência, a pessoas poderosas
como Fernando
Collor. Pobres pretos, em circunstâncias pessoais equivalentes, costumam
ficar na prisão estatal.
Mesmo inelegível, Jair segue ator político
vivo em muitas frentes, articula manifestações, negocia apoios, planeja
eleições de 2026, faz
pressão por anistia. O direito eleitoral brasileiro não tem sanções
para lidar com esse tipo de conduta, lacuna preocupante que libera ações
coordenadas de erosão democrática.
A frente mais ousada tem sido a
internacional. Eduardo Bolsonaro se mudou para os Estados
Unidos para conspirar contra o Estado brasileiro. E, na mais modesta
das hipóteses, pressionar
e sancionar Alexandre de Moraes. Não é mera suspeita, mas o que
fala em entrevistas. É também a justificativa usada por Donald Trump para
aplicar tarifas sancionatórias ao Brasil. E Flávio
Bolsonaro tem sugerido que o preço do resgate para esse sequestro é a
anistia. Ou anistia ao pai, ou ataque à economia nacional.
Conspirações contra a soberania nacional
desprovidas de componente militarista e de violação territorial não são punidas
por nosso direito penal. Outra lacuna legal diante dos novos tempos, como
apontou o criminalista Yuri Luz. Não há o que se fazer, juridicamente,
contra brasileiros que negociem ciberataques ou sanções econômicas ao Brasil,
por exemplo.
Contudo, essas articulações podem também
configurar pelo menos dois outros crimes contra a administração da Justiça:
obstrução da Justiça e coação no processo criminal em curso no STF.
Jair financia a vida de Eduardo nos
EUA e é último beneficiário de sua atuação. O irmão Flávio vem deixando claro
os termos da barganha. Fatos exigem, no mínimo, nova investigação criminal
do PGR,
para eventual nova denúncia. Também demandam do STF medidas cautelares contra
Jair. Uma prisão preventiva, tanto por seu comportamento quanto pelo risco de
fuga. No mínimo uma tornozeleira.
O risco da inércia do STF e do PGR já supera
o risco de eventual gritaria que medidas relativas aos Bolsonaros podem gerar.
Mas ficar parado seria bela homenagem, claro, à nossa tradição de tolerância à
delinquência política.
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