Correio Braziliense
Qual a verdadeira razão de Trump mandar
investigar o Pix? Por trás da sua decisão, estão interesses da Meta e das
bandeiras de cartão de crédito Mastercard e Visa
Depois do tarifaço de 50% sobre as
exportações brasileiras, o presidente Donald Trump resolveu abrir investigações
sobre supostas violações das relações comerciais entre os dois países, cujos
alvos vão do comércio da Rua 25 de Março, em São Paulo, o maior mercado
fornecedor de pequenos empreendedores do país, à utilização do Pix como meio de
pagamento. Isso deu de bandeja para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva uma
bandeira popular até então improvável: “O Pix é do Brasil e dos brasileiros”.
Em janeiro passado, a fake news de que as operações com o Pix seriam taxadas pelo governo federal foi o principal gatilho para a queda abrupta de popularidade de Lula, num momento em que a economia registrava crescimento, pleno emprego e elevação da renda média. Agora, o que foi uma de suas maiores dores de cabeça, o Pix virou bálsamo para o governo, em meio à maior crise diplomática e comercial com os Estados Unidos.
O sistema de pagamentos instantâneos lançado
pelo Banco Central (BC) em 2020, ou seja, em pleno governo Bolsonaro, tornou-se
símbolo de modernização, inclusão financeira e, agora, de soberania nacional.
Com mais de 175 milhões de usuários e aceitação quase universal — 93% da
população adulta utiliza o serviço —, é o meio de pagamento mais popular do
país. Supera dinheiro físico, TEDs, DOCs e cartões de débito, e ameaça o
mercado de crédito com ferramentas como o Pix Parcelado e o Pix Automático.
Qual a verdadeira razão de Trump mandar
investigar o Pix? Por trás da sua decisão, estão a Meta e as bandeiras de
cartão de crédito norte-americanas Mastercard e Visa. O sucesso doméstico do
Pix contraria essas empresas de tecnologia dos Estados Unidos. Um comunicado
recente do USTR (United States Trade Representative), embora não cite
explicitamente o Pix, afirma que o Brasil “pode prejudicar a competitividade de
empresas americanas” nos setores de comércio digital e pagamentos eletrônicos.
O órgão cita supostas restrições à operação
de big techs e retaliações por “não censurarem discursos políticos”, uma alusão
à regulamentação das redes sociais pelo Supremo Tribunal Federal (STF), mas a
verdadeira causa é o fato de a Meta, dona do WhatsApp, não ter conseguido
transformar o Brasil em vitrine de um sistema de pagamentos via esse
aplicativo. Em 2020, o BC e o Cade retardaram o lançamento do serviço, alegando
riscos ao Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB). Quando o WhatsApp Pay chegou
ao mercado, em maio de 2021, o Pix já dominava as transferências entre pessoas
físicas. As bandeiras Visa e Mastercard, que concentram o mercado de cartões no
Brasil, também perderam terreno: o Pix eliminou tarifas e universalizou
transferências, por fora do controle privado.
Moderno e eficiente
O Pix é um “case” de moderno e universal
sistema de pagamentos, que pode ser adotado por qualquer outro BC. Nos EUA, o
FedNow, sistema de pagamentos instantâneos do Federal Reserve (o BC
norte-americano), tem adesão voluntária e disputa espaço com serviços privados
como RTP e Zelle. No Brasil, a participação compulsória de bancos e
instituições de pagamento garantiu essa universalidade e a inclusão de
microempreendedores e trabalhadores informais no sistema financeiro. O Pix e as
fintechs “bancarizaram” cerca de 60 milhões de brasileiros em 10 anos.
A decisão de Trump contra o Pix escala a
crise comercial e diplomática, com o agravante de que agride a
institucionalidade de nossa economia naquilo que ela tem de mais moderno e
eficiente: sua superestrutura financeira. Entretanto, do ponto de vista político,
favorece em muito Lula, que agora tem uma bandeira de campanha muito popular. A
campanha “O petróleo é nosso”, na década de 1950, que contrariou os EUA, por
exemplo, levou à criação da Petrobrás, que é um símbolo da soberania nacional
até hoje.
Lula adotou um tom firme e nacionalista. “O
Pix é do Brasil e dos brasileiros! Parece que nosso Pix vem causando um ciúme
danado lá fora, viu? Tem até carta reclamando da existência do nosso sistema
seguro, sigiloso e sem taxas. Só que o Brasil é o quê? Soberano. E tem muito
orgulho dos mais de 175 milhões de usuários do Pix, que já é o meio de
pagamento mais utilizado pelos brasileiros. Nada de mexer com o que tá
funcionando”, publicou o perfil oficial do governo nas redes sociais.
As tensões em torno do Pix, porém, somam-se a
um cenário ainda muito complicado, por causa das tarifas impostas pelo governo
norte-americano a produtos brasileiros. Segundo levantamento da Confederação
Nacional da Indústria (CNI), o chamado tarifaço pode reduzir em R$ 19,2 bilhões
o PIB brasileiro (-0,16%), derrubar exportações em R$ 52 bilhões e extinguir
110 mil empregos. Os estados mais prejudicados serão São Paulo (-R$ 4,4 bi),
Rio Grande do Sul (-R$ 1,9 bi), Paraná (-R$ 1,9 bi), Santa Catarina (-R$ 1,7
bi) e Minas Gerais (-R$ 1,66 bi).
Setores como aeronaves e embarcações (-22,3%
nas exportações), tratores e máquinas agrícolas (-11,3%) e carnes de aves
(-11,3%) serão os mais atingidos. Os EUA absorveram 78,2% das exportações da
indústria brasileira em 2024. A CNI calcula que o tarifaço pode derrubar o PIB
americano em 0,37% e provocar uma retração de 2,1% no comércio mundial (US$ 483
bilhões). Para o presidente da CNI, Ricardo Alban, trata-se de uma política
“perde-perde”.
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