Folha de S. Paulo
Nas ações de Trump há ideologia, defesa de
interesses seus e de financiadores, ignorância, egolatria e pura insânia
Há muitas formas de levar um país à breca —e
todas sempre incluem a política exterior. A mais notável delas é iniciar uma
guerra e perdê-la. Na versão eletrônica da revista americana "Foreign
Policy", Stephen M. Walt, professor da Universidade Harvard, acaba de publicar o artigo "How
to ruin a country" (Como arruinar um país), no qual descreve passo a passo
a destruição da política externa dos Estados
Unidos empreendida por Donald Trump.
Segundo o autor, são cinco atos letais, todos já cometidos pelo titular da Casa Branca. O primeiro é demitir funcionários capazes —com autonomia de pensamento— e substituí-los por sicofantas incompetentes, leais até a medula e totalmente dependentes da vontade do chefe. O segundo ato consiste em brigar com o maior número possível de países, a começar dos aliados.
O terceiro é ignorar a força do nacionalismo alheio, agindo de forma a despertá-lo nos
países que agride e ofende. O quarto é violar normas, abandonar acordos e ser
imprevisível, deixando claro que as regras internacionais, aquelas mesmas que
os Estados Unidos ajudaram a criar, não passam de estorvo para o exercício do
poder americano no mundo. A utilização das tarifas externas como instrumento de
chantagem e intimidação, agora também incluindo o Brasil, é disso exemplo
óbvio.
Finalmente, o quinto passo consiste em minar
os fundamentos daquele poder, investindo feito tanque de guerra para destruir
a vantagem científica e tecnológica resultante do
conhecimento produzido por suas grandes universidades, atualmente sob cerco do
Executivo.
O resultado, prevê o professor Walt, tornará
os Estados Unidos mais pobres, mais débeis, menos respeitados e influentes
mundo afora. Estudiosos da política externa de Washington concordam que a ação do
governo Trump diverge dos diferentes modelos vigentes no passado: mais isolacionistas ou mais abertos ao mundo; mais
realistas ou mais empenhados na promoção da democracia representativa e seus
valores.
São poucos, porém, os que se arriscam a
explicar essa ruptura tão dramática com o passado. O economista Dani Rodrik,
também de Harvard, sugeriu em artigo transcrito no jornal Valor, de 12/7, que
a ciência econômica não consegue tratar de um governo
que não se mova pelo cálculo do custo/benefício de sua ação, mas por ideologia.
Sim, ideologia pesa, mas tampouco dá conta de explicar o desastre da política exterior trumpista —bem como da doméstica.
Sem dúvida, nas ações de Trump há sempre
ideologia reacionária que fantasia a volta a um passado idealizado —um Estados
Unidos branco e protegido do exterior pelas barreiras alfandegárias e a polícia
das fronteiras. Soma-se a isso desabrida defesa dos grandes financiadores de
campanha —as big techs— e dos interesses empresariais do clã trumpista. Além de egolatria, patente ignorância sobre
o mundo e, sim, pura insânia.
A mesma mistura que encontramos aqui,
encarnada em Jair Bolsonaro e no bolsonarismo, em sua versão familiar ou no
séquito de políticos, incapazes de entender o jogo internacional e sempre
dispostos a colocar os mesquinhos interesses do chefe acima até dos de suas
bases eleitorais, que dirá daquilo que é importante para o país.
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