quinta-feira, 17 de julho de 2025

Rendição ou negociação - Míriam Leitão

O Globo

Carta enviada pelo governo brasileiro lembra que sempre houve disposição de negociar e propostas. Mas o que Trump quer é a rendição

O Brasil teve onze conversas — quatro ministeriais, e sete de nível técnico — com a área de comércio dos Estados Unidos, desde março. O governo tenta conversar a sério. Mas o que o presidente Donald Trump quer é a rendição institucional do país. A estratégia é isolar a parte “ultrajante” e criar musculatura para negociar comércio, ouvindo empresários, e buscando aliados na economia americana. Nas reuniões com os empresários há segmentos que mostram situação dramática. Trinta por cento de toda produção de laranja vão para os Estados Unidos. No caso da Embraer é um enorme tiro no pé: perto de metade de cada avião da empresa é de peças e componentes americanos.

A carta que foi enviada ontem ao governo americano lembrou que desde o início o Brasil mostrou disposição negociadora, apresentou propostas de áreas específicas e pôs temas na mesa. Como acelerar emissão de patentes, combater a pirataria. Aliás, o próprio USTR, na avaliação que divulgou em maio, de acompanhamento que faz do Brasil, pela Seção 301, reconheceu que o Brasil tem tido avanços nessas duas áreas.

Mas o que Trump quer é a humilhação final. Ele faz sempre dessa forma. Primeiro deixa o país acuado, com anúncios de altíssimas tarifas e fortes ameaças. Depois aceita conversar porque qualquer melhora em relação àquele cenário parecerá vitória para o país alvo. Só que ao espalhar tarifas contra tantos países ao mesmo tempo, Trump acabará colhendo preços mais altos no mercado americano. Além de desorganizar a economia global.

O presidente do BNDESAloizio Mercadante, que entrevistei ontem na Globonews, quando acabava de voltar de reuniões em Brasília, chamou de “totalmente descabido” o que foi dito na parte política da carta de Trump.

—As pressões internacionais não vão fazer o Judiciário se curvar, eu tenho muita admiração pelo ministro Alexandre de Moraes. Duvido que ele se curve a qualquer pressão. Ele vai julgar pelos autos, e os outros ministros votarão. Houve uma tentativa de golpe de Estado no Brasil. E nada disso tem algo a ver com regra de comércio.

As reuniões com os empresários têm transcorrido num clima “amistoso”, segundo um dos participantes. A tônica tem sido a de apoiar o governo nessa busca de negociação. Como são empresários atingidos, eles querem evitar qualquer ato de retaliação, porque recairia sobre eles.

Na entrevista, Mercadante contou que a ideia é mobilizar outras forças da sociedade americana que têm muito a perder porque são empresários com “longevas” relações com o Brasil. As reuniões servem também, segundo o presidente do BNDES, para o governo tomar pé da situação.

— Os exportadores de mel do Piauí e do Ceará teriam prejuízo, porque a produção já está no porto. Cinquenta e dois contêineres de pescado podem apodrecer. É um risco irreparável porque são pequenas empresas e barcos pesqueiros. O governo está nesse momento tentando reverter as urgências. Algumas talvez seja possível ajustar.

No caso da inclusão do sistema de pagamento eletrônico, o Pix, na investigação das práticas desleais de comércio, Mercadante faz uma comparação curiosa.

—Você não pode punir um país porque ele fez a ferrovia e prejudicou a diligência de um outro país. É a natureza da história econômica. São as inovações, aumento de eficiência, de produtividade, transparência, agilidade, e isso faz parte também dos mecanismos financeiros. Então, os argumentos são muito, muito precários, fica difícil discutir numa mesa técnica.

Mesmo assim, o Brasil vai insistir nas negociações com a ajuda do canal do setor privado. Os especialistas dizem, entretanto, que há pouco espaço para a negociação comercial. A economista Lia Valls, do FGV Ibre e da Uerj, acha que não há muitos produtos nos quais o Brasil tenha margem para negociar. Além do etanol, ela acha que seria possível ceder nas tarifas de máquinas, equipamentos, já que as taxas praticadas pelos Brasil são de fato mais altas. Mas nesse caso, explica, seria uma espécie de "acordo preferencial" com os Estados Unidos. Se cedesse para os Estados Unidos, teria um problema com a União Europeia. Leonardo Paz Neves, professor de Relações Internacionais do Ibmec-RJ, concorda. Para ele, fora etanol, aço e suco de laranja, que poderiam ser negociados, não há nada de comercial nesse embate com os Estados Unidos.

O Brasil tenta ser o adulto na sala. Do outro lado, ensandecido, Trump renova ameaças a cada dia.


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