O Globo
Carta enviada pelo governo brasileiro lembra
que sempre houve disposição de negociar e propostas. Mas o que Trump quer é a
rendição
O Brasil teve onze conversas — quatro
ministeriais, e sete de nível técnico — com a área de comércio dos Estados
Unidos, desde março. O governo tenta conversar a sério. Mas o que o
presidente Donald
Trump quer é a rendição institucional do país. A estratégia é isolar a
parte “ultrajante” e criar musculatura para negociar comércio, ouvindo
empresários, e buscando aliados na economia americana. Nas reuniões com os
empresários há segmentos que mostram situação dramática. Trinta por cento de
toda produção de laranja vão para os Estados Unidos. No caso da Embraer é um
enorme tiro no pé: perto de metade de cada avião da empresa é de peças e
componentes americanos.
A carta que foi enviada ontem ao governo americano lembrou que desde o início o Brasil mostrou disposição negociadora, apresentou propostas de áreas específicas e pôs temas na mesa. Como acelerar emissão de patentes, combater a pirataria. Aliás, o próprio USTR, na avaliação que divulgou em maio, de acompanhamento que faz do Brasil, pela Seção 301, reconheceu que o Brasil tem tido avanços nessas duas áreas.
Mas o que Trump quer é a humilhação final.
Ele faz sempre dessa forma. Primeiro deixa o país acuado, com anúncios de
altíssimas tarifas e fortes ameaças. Depois aceita conversar porque qualquer
melhora em relação àquele cenário parecerá vitória para o país alvo. Só que ao
espalhar tarifas contra tantos países ao mesmo tempo, Trump acabará colhendo
preços mais altos no mercado americano. Além de desorganizar a economia global.
O presidente do BNDES, Aloizio
Mercadante, que entrevistei ontem na Globonews, quando acabava de voltar de
reuniões em Brasília,
chamou de “totalmente descabido” o que foi dito na parte política da carta de
Trump.
—As pressões internacionais não vão fazer o
Judiciário se curvar, eu tenho muita admiração pelo ministro Alexandre
de Moraes. Duvido que ele se curve a qualquer pressão. Ele vai julgar pelos
autos, e os outros ministros votarão. Houve uma tentativa de golpe de Estado no
Brasil. E nada disso tem algo a ver com regra de comércio.
As reuniões com os empresários têm
transcorrido num clima “amistoso”, segundo um dos participantes. A tônica tem
sido a de apoiar o governo nessa busca de negociação. Como são empresários
atingidos, eles querem evitar qualquer ato de retaliação, porque recairia sobre
eles.
Na entrevista, Mercadante contou que a ideia
é mobilizar outras forças da sociedade americana que têm muito a perder porque
são empresários com “longevas” relações com o Brasil. As reuniões servem
também, segundo o presidente do BNDES, para o governo tomar pé da situação.
— Os exportadores de mel do Piauí e do Ceará
teriam prejuízo, porque a produção já está no porto. Cinquenta e dois
contêineres de pescado podem apodrecer. É um risco irreparável porque são
pequenas empresas e barcos pesqueiros. O governo está nesse momento tentando
reverter as urgências. Algumas talvez seja possível ajustar.
No caso da inclusão do sistema de pagamento
eletrônico, o Pix, na investigação das práticas desleais de comércio,
Mercadante faz uma comparação curiosa.
—Você não pode punir um país porque ele fez a
ferrovia e prejudicou a diligência de um outro país. É a natureza da história
econômica. São as inovações, aumento de eficiência, de produtividade,
transparência, agilidade, e isso faz parte também dos mecanismos financeiros.
Então, os argumentos são muito, muito precários, fica difícil discutir numa
mesa técnica.
Mesmo assim, o Brasil vai insistir nas
negociações com a ajuda do canal do setor privado. Os especialistas dizem,
entretanto, que há pouco espaço para a negociação comercial. A economista Lia
Valls, do FGV Ibre e da Uerj, acha que não há muitos produtos nos quais o
Brasil tenha margem para negociar. Além do etanol, ela acha que seria possível
ceder nas tarifas de máquinas, equipamentos, já que as taxas praticadas pelos
Brasil são de fato mais altas. Mas nesse caso, explica, seria uma espécie de
"acordo preferencial" com os Estados Unidos. Se cedesse para os
Estados Unidos, teria um problema com a União Europeia. Leonardo Paz Neves,
professor de Relações Internacionais do Ibmec-RJ, concorda. Para ele, fora
etanol, aço e suco de laranja, que poderiam ser negociados, não há nada de
comercial nesse embate com os Estados Unidos.
O Brasil tenta ser o adulto na sala. Do outro
lado, ensandecido, Trump renova ameaças a cada dia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário