O Globo
Não houve histrionismo, não abusaram do
patriotismo como bandeira de campanha política, não ameaçaram romper relações
O dado mais interessante da nova pesquisa Quaest/Genial divulgada ontem é a confirmação de que a recuperação de parte da popularidade do presidente Lula se deve à adesão de um número expressivo de eleitores de centro-direita à maneira como o governo reagiu às sanções impostas pelo governo de Donald Trump a nosso comércio internacional. Não houve histrionismo, não abusaram do patriotismo como bandeira de campanha política, não ameaçaram romper relações. Uma reação dura, mas necessária, que teve boa receptividade da maioria da população. É uma linha tênue que o governo deve respeitar, sob o risco de reverter o apoio.
Ao contrário dos bolsonaristas, que no
primeiro momento vibraram com os prejuízos ao governo petista, esquecendo que
as sanções atingiriam empresas brasileiras, empregos brasileiros, o país enfim.
O deputado licenciado Eduardo Bolsonaro mais uma vez demonstrou viver num mundo
paralelo, fingindo-se de exilado político. Por ter se vangloriado de que a
decisão de Trump fora causada por sua influência no centro de poder trumpista
em Washington, o filho Zero Três afundou-se politicamente, a ponto de o próprio
pai ter interferido, desautorizando suas críticas ao governador de São Paulo,
Tarcísio de Freitas — ao contrário de ter sido desrespeitoso com ele, segundo
Bolsonaro, Tarcísio agiu corretamente ao iniciar negociação com os americanos.
No breve intervalo entre a pretensa glória e
queda em desgraça, Eduardo Bolsonaro mostrou-se inepto para se candidatar à
Presidência da República. Parece fadado a permanecer em férias no exterior, sem
cargo e sem influência. O poder de pressão que Bolsonaro tinha sobre os
candidatos da direita, especialmente Tarcísio, reduziu-se grandemente com esse
episódio. Como a solução para seu caso particular já não está no Congresso, mas
no futuro presidente da República, Bolsonaro terá de escolher um candidato que
tenha competitividade para tentar vencer a eleição, excluindo uma condição que
o ex-presidente colocava como prioritária: a lealdade.
No primeiro lugar, agora, está o potencial de
votos do candidato, para agregar ao escolhido parcela do eleitorado de centro,
que os Bolsonaros não representam. Como a política brasileira é líquida,
volúvel, aquilo que ontem era um obstáculo só superável pela decisão de
Bolsonaro hoje já não é. É o ex-presidente quem terá daqui para a frente de se
adaptar às qualidades do candidato que apoiará, não o contrário. O Congresso já
deixou claro não estar disposto a embarcar na aventura bolsonarista, aprovando uma
anistia a toque de caixa para agradar ao presidente Trump.
Também fica evidente que a propalada amizade
do presidente americano por Bolsonaro não é tão sólida. Trump esclareceu que
não é amigo dele, embora o considere boa pessoa e insista que é perseguido pelo
Judiciário. Tudo indica que a motivação maior do ataque de Trump ao Brasil são
mais os Bs de Brics ou big techs que de Bolsonaro. Como a regulação brasileira
sobre as plataformas digitais tem muito a ver com a da União Europeia, teremos
de ver como o governo americano agirá diante dos mesmos problemas de regulação.
Como o diretor-geral da Otan fez um apelo a
Brasil, Índia e China para que pressionem a Rússia a acabar com a guerra contra
a Ucrânia, fica a impressão de que a ação do Brics é uma questão política mais
importante no rol de motivações do governo americano. Ao contrário do que disse
Eduardo Bolsonaro em sua megalomania injustificável, o Itamaraty mais uma vez
demonstra sua competência técnica na negociação diplomática. Será por aí, não
na pressão contra o Supremo, que se poderá encontrar uma saída para a crise
bilateral que não tem razão de ser, embora seja possível imaginar que alguma
coisa maior está em jogo.
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