quinta-feira, 17 de julho de 2025

Trump e sua guerra comercial contra o Brasil - Roberto Macedo

O Estado de S. Paulo

Na sua argumentação, Trump misturou um assunto político ligado a Bolsonaro e errou ao dizer que seu país tem um déficit comercial com o Brasil

O tarifaço de 50% é o aspecto mais importante dessa guerra, mas a carta em que Donald Trump informou ao presidente Lula sobre essa taxação contém mais aspectos dignos de nota. Para tratar deles, vou começar com um resumo da missiva.

“Conheci e tratei com o expresidente Jair Bolsonaro e o respeitei profundamente, (...) a maneira como o Brasil o tem tratado (...) é uma vergonha internacional. Este julgamento não deveria estar acontecendo. Trata-se de uma caça às bruxas que deve acabar IMEDIATAMENTE!

Em parte devido aos ataques insidiosos do Brasil às eleições livres e aos direitos fundamentais de liberdade de expressão dos americanos (como recentemente ilustrado pelo Supremo Tribunal Federal do Brasil), (...) a partir de 1.º de agosto de 2025, cobraremos uma tarifa de 50% sobre qualquer produto brasileiro enviado aos Estados Unidos, separadamente de todas as tarifas setoriais. Produtos transbordados para burlar essa tarifa de 50% estarão sujeitos a tarifa mais alta. Além disso, tivemos anos para discutir nosso relacionamento comercial com o Brasil e concluímos que precisamos nos afastar da longa e muito injusta relação comercial gerada pelas tarifas e barreiras tarifárias do Brasil. Nosso relacionamento tem sido, infelizmente, muito distante da reciprocidade.

Por favor, entenda que os 50% são muito menos do que seria necessário para estabelecer condições justas de concorrência com seu país. É necessário ter isso para corrigir as graves injustiças do sistema atual.

Se por qualquer motivo o senhor decidir aumentar suas tarifas, (...) qualquer porcentual que escolher será somado aos 50% que cobramos. (...) Entenda que essas tarifas são necessárias para corrigir os muitos anos de tarifas e barreiras tarifárias e não tarifárias do Brasil que causaram esses déficits (...), uma grande ameaça à nossa economia e, de fato, à nossa segurança nacional.”

Como visto, a carta começa citando e defendendo o ex-presidente Bolsonaro da encrenca jurídica em que se meteu no Brasil. Pede que ela acabe “IMEDIATAMENTE!”. Parece que esteve aí o dedo de Bolsonaro e/ou de seu filho Eduardo. Não é assunto para ser tratado numa carta como essa.

Em seguida, ele entra num lenga-lenga para falar do déficit dos Estados Unidos no comércio com o Brasil, mas aí erra, pois é um caso de superávit americano.

Coloca também outra ameaça: se o senhor decidir aumentar suas tarifas, o valor escolhido será adicionado aos 50% que os Estados Unidos cobrarão.

Em síntese, em sua argumentação, Trump trata de um caso estranho – o de Bolsonaro – numa carta que deveria se restringir a questões comerciais. E ao abordar as contas externas de seu país, acha um déficit, quando seu país tem é um superávit com o Brasil.

O que fazer? Vou apresentar algumas sugestões. Chamei a coisa de guerra no título deste artigo. Não se trata de guerra militar, mas poderá trazer efeitos setoriais, como o fechamento ou diminuição de tamanho de fábricas, desemprego e outros aspectos típicos de guerras.

Cabe manter as negociações, mandando diplomatas a Washington, e também o ministro Fernando Haddad para explicar os danos econômicos que empresários, inclusive americanos, sofrerão com interrupções de suas atividades com o tarifaço, o que levaria também a um maior desemprego nos dois países.

Há também o caminho judicial, segundo matéria da jornalista Letícia Lopes, no site de O Globo, em 14/7/25. O título de sua matéria é “Tarifaço de Donald Trump contra o Brasil pode parar nos tribunais americanos”.

A jornalista fala de uma lei conhecida nos Estados Unidos como Ieepa – International Emergency Economic Powers Act –, que surgiu em 1977 e “(...) autoriza presidentes americanos a regularem o comércio exterior numa situação de emergência nacional (...) com qualquer ameaça incomum e extraordinária – cuja origem esteja no todo ou em parte fora dos Estados Unidos – à segurança nacional, à política externa ou à economia” do país.

E mais: “Estados governados por democratas (nos Estados Unidos) contestaram judicialmente o uso da Ieepa, com o argumento de que Trump contornou ilegalmente o Congresso sem aprovação parlamentar. No fim de maio, o Tribunal de Comércio Internacional considerou que Trump excedeu sua autoridade ao impor as chamadas tarifas recíprocas a centenas de países, em 2 de abril. A Corte, composta por três juízes, entendeu que os decretos com base na lei de emergência excedem os poderes conferidos ao presidente para regular importações por meio do uso de tarifas aduaneiras. O governo Trump recorreu e o Tribunal de Apelações Federal suspendeu sua decisão até o próximo dia 31 de julho para ouvir os argumentos de ambos os lados.”

Para buscar a via judicial, o Brasil, junto com seus empresários, teria de mobilizar companhias americanas que terão prejuízos com o tarifaço imposto ao Brasil, se ele de fato entrar em vigor a partir de 1.º de agosto próximo. Creio que o recurso judicial deveria ser tentado, pois contribuiria para o desgaste político de Trump.

Ou seja, tempos difíceis à frente, mas não se pode desistir de enfrentá-los. •

 

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