O Estado de S. Paulo
Na sua argumentação, Trump misturou um assunto político ligado a Bolsonaro e errou ao dizer que seu país tem um déficit comercial com o Brasil
O tarifaço de 50% é o aspecto mais importante
dessa guerra, mas a carta em que Donald Trump informou ao presidente Lula sobre
essa taxação contém mais aspectos dignos de nota. Para tratar deles, vou
começar com um resumo da missiva.
“Conheci e tratei com o expresidente Jair Bolsonaro e o respeitei profundamente, (...) a maneira como o Brasil o tem tratado (...) é uma vergonha internacional. Este julgamento não deveria estar acontecendo. Trata-se de uma caça às bruxas que deve acabar IMEDIATAMENTE!
Em parte devido aos ataques insidiosos do
Brasil às eleições livres e aos direitos fundamentais de liberdade de expressão
dos americanos (como recentemente ilustrado pelo Supremo Tribunal Federal do
Brasil), (...) a partir de 1.º de agosto de 2025, cobraremos uma tarifa de 50%
sobre qualquer produto brasileiro enviado aos Estados Unidos, separadamente de
todas as tarifas setoriais. Produtos transbordados para burlar essa tarifa de
50% estarão sujeitos a tarifa mais alta. Além disso, tivemos anos para discutir
nosso relacionamento comercial com o Brasil e concluímos que precisamos nos
afastar da longa e muito injusta relação comercial gerada pelas tarifas e
barreiras tarifárias do Brasil. Nosso relacionamento tem sido, infelizmente,
muito distante da reciprocidade.
Por favor, entenda que os 50% são muito menos
do que seria necessário para estabelecer condições justas de concorrência com
seu país. É necessário ter isso para corrigir as graves injustiças do sistema
atual.
Se por qualquer motivo o senhor decidir
aumentar suas tarifas, (...) qualquer porcentual que escolher será somado aos
50% que cobramos. (...) Entenda que essas tarifas são necessárias para corrigir
os muitos anos de tarifas e barreiras tarifárias e não tarifárias do Brasil que
causaram esses déficits (...), uma grande ameaça à nossa economia e, de fato, à
nossa segurança nacional.”
Como visto, a carta começa citando e
defendendo o ex-presidente Bolsonaro da encrenca jurídica em que se meteu no
Brasil. Pede que ela acabe “IMEDIATAMENTE!”. Parece que esteve aí o dedo de
Bolsonaro e/ou de seu filho Eduardo. Não é assunto para ser tratado numa carta
como essa.
Em seguida, ele entra num lenga-lenga para
falar do déficit dos Estados Unidos no comércio com o Brasil, mas aí erra, pois
é um caso de superávit americano.
Coloca também outra ameaça: se o senhor
decidir aumentar suas tarifas, o valor escolhido será adicionado aos 50% que os
Estados Unidos cobrarão.
Em síntese, em sua argumentação, Trump trata
de um caso estranho – o de Bolsonaro – numa carta que deveria se restringir a
questões comerciais. E ao abordar as contas externas de seu país, acha um
déficit, quando seu país tem é um superávit com o Brasil.
O que fazer? Vou apresentar algumas
sugestões. Chamei a coisa de guerra no título deste artigo. Não se trata de
guerra militar, mas poderá trazer efeitos setoriais, como o fechamento ou
diminuição de tamanho de fábricas, desemprego e outros aspectos típicos de
guerras.
Cabe manter as negociações, mandando
diplomatas a Washington, e também o ministro Fernando Haddad para explicar os
danos econômicos que empresários, inclusive americanos, sofrerão com
interrupções de suas atividades com o tarifaço, o que levaria também a um maior
desemprego nos dois países.
Há também o caminho judicial, segundo matéria
da jornalista Letícia Lopes, no site de O Globo, em 14/7/25. O título de sua
matéria é “Tarifaço de Donald Trump contra o Brasil pode parar nos tribunais
americanos”.
A jornalista fala de uma lei conhecida nos
Estados Unidos como Ieepa – International Emergency Economic Powers Act –, que
surgiu em 1977 e “(...) autoriza presidentes americanos a regularem o comércio
exterior numa situação de emergência nacional (...) com qualquer ameaça incomum
e extraordinária – cuja origem esteja no todo ou em parte fora dos Estados
Unidos – à segurança nacional, à política externa ou à economia” do país.
E mais: “Estados governados por democratas
(nos Estados Unidos) contestaram judicialmente o uso da Ieepa, com o argumento
de que Trump contornou ilegalmente o Congresso sem aprovação parlamentar. No
fim de maio, o Tribunal de Comércio Internacional considerou que Trump excedeu
sua autoridade ao impor as chamadas tarifas recíprocas a centenas de países, em
2 de abril. A Corte, composta por três juízes, entendeu que os decretos com
base na lei de emergência excedem os poderes conferidos ao presidente para regular
importações por meio do uso de tarifas aduaneiras. O governo Trump recorreu e o
Tribunal de Apelações Federal suspendeu sua decisão até o próximo dia 31 de
julho para ouvir os argumentos de ambos os lados.”
Para buscar a via judicial, o Brasil, junto
com seus empresários, teria de mobilizar companhias americanas que terão
prejuízos com o tarifaço imposto ao Brasil, se ele de fato entrar em vigor a
partir de 1.º de agosto próximo. Creio que o recurso judicial deveria ser
tentado, pois contribuiria para o desgaste político de Trump.
Ou seja, tempos difíceis à frente, mas não se
pode desistir de enfrentá-los. •
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