Correio Braziliense
Os Estados Unidos querem retomar seu
protagonismo, decidiram se fechar para demonstrar sua capacidade de influir nos
destinos da humanidade
A minha geração entendia que a época de um governante invadir outro país já tinha passado. Hitler justificava a necessidade de expandir a área do território alemão como "espaço vital". Esse argumento permitiu que ele anexasse a Áustria, parte da Tchecoslováquia e depois invadisse a Polônia e a União Soviética. Mas o que Putin faz hoje é algo semelhante: ele precisa anexar a Ucrânia — que, segundo a versão oficial russa, sequer existe — para criar um cordão sanitário ao redor de seu território. Ele pretende recriar o território da extinta União Soviética.
Trump quer anexar a Groenlândia, o Canadá e o
Canal do Panamá com o mesmo argumento. É necessário ampliar o espaço vital dos
Estados Unidos para garantir a paz entre os países. Ou seja, de repente, o
mundo regrediu décadas e voltou a frequentar os anos 30 do século passado,
quando as potências da época entraram em guerra. A guerra da Ucrânia lembra o
conflito na Espanha, em 1936, quando comunistas e fascistas experimentaram suas
armas em confronto direto. Foi a preliminar do que viria a seguir. Mas hoje a guerra
é mais devastadora. A bomba atômica tem o poder de exterminar a vida no planeta
Terra. Todos perdem. Então, mesmo com os mais tresloucados ditadores tendem a
ter cautela, porque, em caso de guerra, eles vão perder. E provavelmente
morrer.
A eterna questão que opõe palestinos a judeus
há muito tempo deixou de ser religiosa. O estado de Israel tem expandido suas
fronteiras ao longo dos últimos anos. Ao mesmo tempo em que restringe o espaço
de seus vizinhos constrangidos a viver numa área cercada por arame farpado,
controlada por soldados e armas de guerra. Em nenhuma dessas questões existe a
perspectiva de paz duradoura. O forte quer se impor pelas armas. Grandes
impérios, a começar pelo romano, cresceram, se desenvolveram e terminaram. A vida
é finita em todas suas dimensões. A dos países, também.
No forte discurso de Trump, no dia da
libertação dos Estados Unidos, 2 de abril, ele insistiu que o país perdeu
milhares de indústrias, milhões de empregos e bilhões de dólares por auxiliar
países em todo o mundo. Ato contínuo decretou taxação recíproca em todos os
países que fazem comércio com o maior mercado do mundo. O Brasil ganhou uma
taxa de 10%. Os chineses vão pagar 34% para exportar para os Estados Unidos.
Cada país tem uma taxa específica. O objetivo é que a grande indústria passe a
produzir dentro dos Estados Unidos e ofereça, novamente, milhares de empregos,
roubados, na expressão dele, pelos países chamados amigos. É a nova face da
guerra moderna. Tarifas.
O grande pretende esmagar o pequeno e não se
conforma com a marcha do tempo. O que os especialistas anunciavam com alguma
cautela está diante de todos: o colosso norte-americano balançou, acusou o
golpe das empresas e empregos que abandonaram a meca do capitalismo para se
aninhar em outras e melhores circunstâncias. É difícil para o empresário
retornar ao mercado norte-americano onde a mão de obra é muito mais cara, os
insumos não são baratos e agora há a imprevisibilidade do governante. É uma
jogada arriscadíssima, que vai provocar elevação de preços internos e
desorganização das cadeias de produção. O solavanco vai demorar e custar caro.
É o confronto moderno, limpo, sem sangue, mas
capaz de produzir vítimas em vários cantos do mundo. Os norte-americanos, na
palavra de seu presidente, perderam a vanguarda em diversos setores da
indústria, como a produção de navios ou de produtos de grande tecnologia
utilizados na indústria de informática. Muitas atividades se transferiram para
China, Taiwan, Vietnã e outros países que constituíram o alvo prioritário do
golpe de Trump. É um ataque feroz à industrialização dos países do antigo
terceiro mundo e também dos antes chamados tigres asiáticos.
A questão econômica é óbvia. Haverá
consequências na medida em que os afetados deverão retaliar. É razoável prever
uma inflação global de bom tamanho. O que ainda não se pode prever, nem medir,
são as consequências políticas, porque a tendência é que os nacionalismos
passem a ser valorizados e estimulados. Os países vão se fechar para se
defender do ataque norte-americano. O ouro já se valorizou muito e deve se
valorizar ainda mais. A moeda digital, ao contrário, caiu. Acabou a era de
prosperidade do mundo ocidental. Os Estados Unidos querem retomar seu
protagonismo, decidiram se fechar para demonstrar sua capacidade de influir nos
destinos da humanidade. Para chegar a esse resultado, além das sobretaxas, eles
precisam dominar o Canadá, o Panamá e a Groenlândia. É, de novo, a busca do
espaço vital, cujas consequências todos conhecemos.
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