O perdão judicial é incerto, mas o perdão político está em curso com a normalização da extrema-direita e do golpismo
A medida que avança no STF o julgamento
dos golpistas do bolsonarismo, cresce no Congresso e nas ruas a
mobilização em torno de uma possível anistia. Buscando legitimar o perdão aos
golpistas, a ultradireita
foca seus esforços nos condenados pela intentona do 8 de Janeiro,
estejam presos ou foragidos da justiça. É mais fácil tentar justificar o perdão
a um bando de palermas manipulados pelos artífices do golpe do que isentá-los
de responsabilidade.
Os palermas, contudo, não são meros inocentes úteis. São gente que, antes de invadir e destruir as sedes dos Três Poderes, acampou por semanas diante de instalações militares, clamando pelo cometimento do maior dos crimes, o golpe de Estado. Este é o maior dos crimes porque não se limita à transgressão pontual de alguma lei. Em vez disso, busca derrubar o próprio Estado de Direito, sem o qual nenhuma lei legítima vigora. Se tanto, após um golpe passa a viger uma pretensa legalidade, imposta por usurpadores que alegam legitimar a si mesmos graças a terem sido vitoriosos no emprego da violência para derrocar a ordem legal sob o pretexto de uma ilusória “causa justa”.
Ora, a palermada golpista não ocorreu diante
das casernas à toa. Os ali reunidos pediam que militares saíssem de seus
quartéis para efetuar uma violenta virada de mesa. Não fosse esse o objetivo,
teriam se reunido noutro lugar – em frente a tribunais ou igrejas, por exemplo,
apelando à justiça dos homens ou de Deus. Por isso mesmo, quando saíram da
frente de um quartel em Brasília para assaltar os Três Poderes, pretenderam
produzir o que não haviam conseguido após meses de acampamento golpista, uma
ação militar. Caísse o governo recém-empossado nessa esparrela, teria decretado
uma operação de garantia da lei e da ordem (GLO), convocando os militares a
debelar o caos produzido justamente por aqueles que, por meses (e incitados a
isso pelo bolsonarismo), imploraram pela intervenção castrense.
Aprovar a anistia para essa arraia-miúda do
golpismo significa normalizar o golpe de Estado, pois implica afirmar, por meio
de um diploma legal, que o maior dos crimes não é coisa grave. Uma das várias
falácias brandidas por Bolsonaro et caterva é que isso seria necessário para
“pacificar o País”. Ora, mas quem é que perturbou e segue perturbando a paz
neste País? Não é quem insistiu (e segue insistindo) em questionar sem qualquer
fundamento factual a licitude das eleições? Havia um meio simples de manter o
Brasil pacificado: o respeito à ordem legal, às instituições democráticas e ao
resultado das urnas. Quem se negou a isso, perturbando a paz, foram Bolsonaro e
sua gangue. Para eles, a pacificação vem do perdão a seus crimes, de modo que
possam continuar a cometê-los. Que paz seria essa?
Contudo, se a anistia jurídica ainda é algo
incerto (não me arrisco a dizer improvável), a anistia política já é um fato.
Ela se dá pela normalização da ultradireita por políticos, partidos, órgãos de
imprensa e analistas convencionais. Ora, quem numa eleição busca o apoio de
Bolsonaro, coliga-se com ele e aparece a seu lado em atos de campanha, está o
normalizando e, portanto, anistiando seu golpismo.
E como classificar quem, como Tarcísio de
Freitas, sobe ao lado de Bolsonaro num palanque, clamando pela anistia aos
golpistas do 8 de Janeiro e afirmando que o ex-presidente e seus colegas de
banco dos réus são perseguidos políticos? Ora, trata-se de alguém em
negacionismo democrático, seja por supor que todas as evidências colhidas pela
investigação da Polícia Federal são invenções (ou, quem sabe, miragens), seja
por acreditar que não há mal algum em tentar golpes de Estado. Da mesma forma,
está em negacionismo quem, diante disso, afirma ser Tarcísio um político
moderado ou de centro. Igualmente, normaliza-se a ultradireita, neste caso não
em sua forma tosca e explícita, mas na pretensiosa e dissimulada.
Eis a gravidade não só de aprovar uma anistia
legal para o golpismo bolsonarista (da arraia-miúda, das lideranças ou do médio
escalão), mas de seguir aprovando a anistia política ao tratar como normal o
extremismo direitista com modos. Acreditar em bolsonarismo moderado (isto é, em
extremismo moderado, evidente oxímoro) equivale a anistiar politicamente o
golpismo que ameaçou a democracia no passado recente e seguirá ameaçando-a no
futuro próximo, se lhe for permitido. Ou alguém crê que, mesmo que o atual projeto
de anistia aos golpistas naufrague no Congresso, outro não surgirá com a
eleição de um aliado seu para a Presidência?
Publicado na edição n° 1356 de CartaCapital,
em 09 de abril de 2025.
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