sábado, 5 de abril de 2025

Trump contra a globalização – Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

Com o preço mais alto, certamente haverá menos consumidores em condição de pagar. Isso é desaceleração, desemprego

Jerome Powell, presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), definiu assim a situação econômica após o tarifaço de Trump: "Altamente incerta".

As possíveis consequências da guerra tarifária confirmam. A coisa toda pode resultar em inflação nos Estados Unidos (e nos países que também elevarem suas tarifas) e desaceleração da economia americana e mundial, dada a queda inevitável no comércio global. Alguns analistas já falam em possível recessão. Daí a incerteza nas expectativas: inflação subindo exige que os bancos centrais aumentem ou mantenham taxas de juros elevadas. Se o problema principal for a recessão, a receita é invertida: juros para baixo. Que fazer se as duas coisas acontecerem juntas?

O nome é estagflação — e não há remédio fácil à disposição. Por enquanto, esse cenário não é o mais provável. Mas Powell disse que o tarifaço pode gerar ao mesmo tempo inflação e desemprego.

O risco não é apenas americano. Trump está dinamitando as estruturas econômicas e políticas que garantiram décadas de prosperidade global, com expressiva e inédita redução da pobreza. Claro que o mundo globalizado passou por crises, claro que alguns países tiveram desempenho melhor, claro que alguns ficaram para trás, mas o livre-comércio, com tarifas de importação negociadas e reduzidas, trouxe contínua prosperidade geral. É isso que Trump põe abaixo.

Só podia partir de um líder que tem visão incrivelmente equivocada de seu país. Para Trump, os Estados Unidos passam por um desastre total, têm sido roubados por todos os outros e estão mais pobres. Os fatos mostram exatamente o contrário. Nas últimas décadas, os Estados Unidos foram, entre os mais ricos, o país que mais cresceu. Subiu o PIB, e subiu a renda per capita. Nasceram lá e lá continuam as empresas do século XXI, aquelas baseadas na tecnologia de alta performance: AppleMeta, Amazon, MicrosoftGoogle e, mais recentemente, Nvidia, que produz chips para inteligência artificial

As ações de todas essas empresas despencaram depois do tarifaço anunciado por Trump. Justamente porque elas desenvolveram a integração do processo produtivo, dividindo as fases de produção por dezenas, centenas de países, ganhando eficiência nunca vista. O iPhone foi inventado nos Estados Unidos, continua sendo projetado por lá, mas é montado mundo afora, especialmente na China. Com Trump cobrando tarifa de importação de 65% de todo produto originário da China, ficará muito mais caro. Isso é inflação. Com o preço mais alto, certamente haverá menos consumidores em condição de pagar. Isso é desaceleração, desemprego.

Mesmo a indústria automotiva, de séculos anteriores, está em perigo. Trump levou trabalhadores de Detroit ao anúncio do tarifaço. Garantiu que mais carros seriam fabricados nos Estados Unidos. Um dia depois, as ações da Ford despencaram. A Stellantis (Chrysler, Jeep e Ram) colocou trabalhadores americanos em licença. E parou a produção no Canadá e no México. Eis a confusão: a empresa produz peças nos Estados Unidos, enviadas ao Canadá e México, onde são montados os carros depois exportados para os Estados Unidos. Com tarifas na ida e na volta, como calcular os preços?

Isso é prejuízo para as empresas.

A bronca de Trump é com o enorme déficit comercial dos Estados Unidos. A lógica é rasteira: se os americanos compram mais produtos dos estrangeiros que os estrangeiros compram dos americanos, então os Estados Unidos são sendo roubados. Ora, se os americanos gastam mais, é porque poupam menos do que investem. Já são ricos para isso. Os produtos importados facilitam a manufatura local e melhoram a vida dos americanos.

Sim, a globalização deixou muitos para trás, também nos Estados Unidos. A questão econômica e política destes tempos é como incluir essas pessoas e países. Trump quer quebrar o sistema achando que melhorará a vida dos americanos, danem-se os outros. Mas, por serem os maiores, os Estados Unidos são os que têm mais a perder.

Por aqui, um ponto interessante. Todo mundo passou a se dizer contra o protecionismo, até Lula, agora o ex-campeão da proteção. Será?

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