O Globo
Com o preço mais alto, certamente haverá
menos consumidores em condição de pagar. Isso é desaceleração, desemprego
Jerome Powell, presidente do Federal Reserve
(Fed, o banco central dos Estados Unidos),
definiu assim a situação econômica após o tarifaço de Trump: "Altamente
incerta".
As possíveis consequências da guerra tarifária confirmam. A coisa toda pode resultar em inflação nos Estados Unidos (e nos países que também elevarem suas tarifas) e desaceleração da economia americana e mundial, dada a queda inevitável no comércio global. Alguns analistas já falam em possível recessão. Daí a incerteza nas expectativas: inflação subindo exige que os bancos centrais aumentem ou mantenham taxas de juros elevadas. Se o problema principal for a recessão, a receita é invertida: juros para baixo. Que fazer se as duas coisas acontecerem juntas?
O nome é estagflação — e não há remédio fácil
à disposição. Por enquanto, esse cenário não é o mais provável. Mas Powell
disse que o tarifaço pode gerar ao mesmo tempo inflação e desemprego.
O risco não é apenas americano. Trump está
dinamitando as estruturas econômicas e políticas que garantiram décadas de
prosperidade global, com expressiva e inédita redução da pobreza. Claro que o
mundo globalizado passou por crises, claro que alguns países tiveram desempenho
melhor, claro que alguns ficaram para trás, mas o livre-comércio, com tarifas
de importação negociadas e reduzidas, trouxe contínua prosperidade geral. É
isso que Trump põe abaixo.
Só podia partir de um líder que tem visão
incrivelmente equivocada de seu país. Para Trump, os Estados Unidos passam por
um desastre total, têm sido roubados por todos os outros e estão mais pobres.
Os fatos mostram exatamente o contrário. Nas últimas décadas, os Estados Unidos
foram, entre os mais ricos, o país que mais cresceu. Subiu o PIB, e subiu a
renda per capita. Nasceram lá e lá continuam as empresas do século XXI, aquelas
baseadas na tecnologia de alta performance: Apple, Meta, Amazon, Microsoft, Google e,
mais recentemente, Nvidia, que
produz chips para inteligência
artificial.
As ações de todas essas empresas despencaram
depois do tarifaço anunciado por Trump. Justamente porque elas desenvolveram a
integração do processo produtivo, dividindo as fases de produção por dezenas,
centenas de países, ganhando eficiência nunca vista. O iPhone foi inventado nos
Estados Unidos, continua sendo projetado por lá, mas é montado mundo afora,
especialmente na China. Com Trump cobrando tarifa de importação de 65% de todo
produto originário da China, ficará muito mais caro. Isso é inflação. Com o
preço mais alto, certamente haverá menos consumidores em condição de pagar.
Isso é desaceleração, desemprego.
Mesmo a indústria automotiva, de séculos
anteriores, está em perigo. Trump levou trabalhadores de Detroit ao anúncio do
tarifaço. Garantiu que mais carros seriam fabricados nos Estados Unidos. Um dia
depois, as ações da Ford despencaram. A Stellantis (Chrysler, Jeep e Ram)
colocou trabalhadores americanos em licença. E parou a produção no Canadá e no
México. Eis a confusão: a empresa produz peças nos Estados Unidos, enviadas ao
Canadá e México, onde são montados os carros depois exportados para os Estados
Unidos. Com tarifas na ida e na volta, como calcular os preços?
Isso é prejuízo para as empresas.
A bronca de Trump é com o enorme déficit
comercial dos Estados Unidos. A lógica é rasteira: se os americanos compram
mais produtos dos estrangeiros que os estrangeiros compram dos americanos,
então os Estados Unidos são sendo roubados. Ora, se os americanos gastam mais,
é porque poupam menos do que investem. Já são ricos para isso. Os produtos
importados facilitam a manufatura local e melhoram a vida dos americanos.
Sim, a globalização deixou muitos para trás,
também nos Estados Unidos. A questão econômica e política destes tempos é como
incluir essas pessoas e países. Trump quer quebrar o sistema achando que
melhorará a vida dos americanos, danem-se os outros. Mas, por serem os maiores,
os Estados Unidos são os que têm mais a perder.
Por aqui, um ponto interessante. Todo mundo
passou a se dizer contra o protecionismo, até Lula,
agora o ex-campeão da proteção. Será?
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