O Estado de S. Paulo
O custo dessa política de confrontação com o governo dos EUA recairá sobre o setor privado
A crise comercial entre Brasil e EUA escalou
perigosamente, podendo contaminar a relação política e diplomática entre os
dois países.
Os entendimentos comerciais mantidos pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços e o Itamaraty, para negociar o tarifaço de abril, de 10%, para todos os países, foram confirmados em carta de 16 de maio e prosseguiram até 4 de julho, sem qualquer reação americana.
A carta de Donald Trump anunciando tarifas de
50% sobre todos os produtos brasileiros exportados para os EUA a partir de
agosto de 2025 foi o primeiro passo da escalada. O jogo político interno se
agitou. O encarregado de negócios da embaixada dos EUA ouviu o protesto do
governo brasileiro sobre a ingerência de Washington nos assuntos internos, o
rechaço à quebra da soberania nacional e acolheu o gesto grave da devolução da
carta pelos seus termos inaceitáveis. Na realidade, a questão é que a
negociação do tarifaço (10%) ficou superada pela carta circular de Trump do dia
9 de julho, que pedia negociação sobre tarifa de 50%. O tema mais importante da
carta faz referência a “centenas de ordens de censura SECRETAS e ILE
GAIS às plataformas de mídia social dos EUA”,
relacionadas às decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF). Esse
questionamento, incluídas as alegações de restrição à liberdade de expressão,
reflete os argumentos de empresas como Google, Meta, Amazon e X (ex-Twitter),
que têm se oposto a qualquer tentativa de regulação no Brasil.
A escalada continuou com farpas trocadas
entre os presidentes via mídia social e o anúncio de abertura de investigação
sobre ilícitos comerciais cometidos pelo Brasil no âmbito da Seção 301 da Lei
do Comércio de 1974. Não sem surpresa, quem está por trás dessa iniciativa e
pela inclusão da agenda das big techs na carta é a Associação da Indústria dos
Computadores e Comunicações (CCIA), grupo de lobby financiado pelas big techs
dos EUA. O CCIA pediu que o governo dos EUA monitore, questione e atue contra
as medidas tomadas pelo Brasil, desde a suspensão da rede X de Elon Musk,
passando pela Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, pelas taxas das
blusinhas e outras, além do projeto que regula a inteligência artificial e o
que autoriza a Anatel a regular as plataformas digitais.
Na semana passada, a crise se agravou com o
pronunciamento do presidente Lula, para fins de política interna, mas
inadequado ao afirmar que iria taxar as big techs e retaliar se depois do dia
1.º de agosto o Brasil fosse penalizado. A resposta à carta – devolvida porque
não foi transmitida oficialmente, mas divulgada pela mídia social – foi também
dada pela mesma mídia, no pronunciamento presidencial. Quanto à possibilidade
de retaliação, na carta está expresso que, se o Brasil decidir aumentar as
tarifas contra produtos norte-americanos, “o número que for escolhido será
adicionado aos 50%”. Por outro lado, a suspensão de patentes ou de propriedade
intelectual, sobretudo no caso de produtos farmacêuticos, poderá ensejar novas
medidas restritivas, amparadas pela legislação interna norteamericana.
A crise aumentou com a carta de Trump a
Bolsonaro, as críticas ao “regime brasileiro” pela porta-voz da Casa Branca e
as medidas restritivas do STF contra Bolsonaro, interpretadas em Washington
como uma resposta ao presidente norteamericano.
Apesar dos contatos com empresários nacionais
e norte-americanos para respaldar as negociações entre os dois governos, o
Planalto decidiu dar prioridade a sua agenda interna, pensando nas eleições de
2026, em detrimento das negociações.
Para complicar ainda mais o quadro geral, por
diferenças ideológicas, o governo Lula não abriu canais de comunicação, desde a
campanha eleitoral e depois da eleição presidencial com a Casa Branca e com o
Departamento de Estado, o que significou a ausência de iniciativas para se
contrapor à narrativa bolsonarista e explicar o devido processo legal do
julgamento do expresidente e a independência do Judiciário brasileiro.
O custo dessa política de confrontação com o
governo dos EUA recairá sobre o setor privado, que terá grandes prejuízos com a
impossibilidade de acesso ao mercado norte-americano com tarifa de 50%. O
efeito político positivo para o presidente Lula nas pesquisas, em grande parte,
resultado da postura nacionalista e de defesa da soberania nacional, poderá
desaparecer pela reação do setor privado que certamente criticará a postura
governamental de priorizar a política interna à negociação com os EUA.
A escalada da crise continuou com a decisão
de Marco Rubio de cancelar os vistos de Alexandre de Morais e “seus aliados” no
STF e na Procuradoria-Geral da República (PGR). Sem perspectivas de negociação
com Trump, paira a ameaça de novas sanções, como o aumento da tarifa de 50%, a
aplicação de Lei Magnitsky, que impede oito ministros e a PGR de qualquer
movimentação financeira em bancos que operam nos EUA, entre outras.
Sem nenhum gesto do governo e do presidente Lula para tentar reduzir as tensões com a Casa Branca na linha do sugerido pela US Chamber of Commerce, será muito difícil retomar o diálogo comercial com vistas a negociar uma redução da tarifa de 50%. Na prática, as negociações ficaram inviabilizadas por questões políticas. No dia 1.º de agosto, está contratada a imposição da tarifa, talvez com exceções.
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