Promoção da democracia perde espaço sob Trump
O Globo
Diplomacia americana sofre restrições para
criticar eleições fraudulentas no exterior
Em comunicado a embaixadas americanas, o
secretário de Estado, Marco Rubio, determinou na semana passada que comentários
sobre eleições devem evitar opiniões sobre legitimidade e imparcialidade do
processo eleitoral ou os “valores democráticos do país em questão”. Se um posto
diplomático quiser criticar uma eleição por violência ou fraude, deverá buscar
orientação em Washington. As permissões, avisa o texto enviado na quinta-feira,
serão raras. Com Donald Trump no
poder, nada disso é surpreendente. O comunicado é mais um indício do abandono
pelos Estados
Unidos da política de promoção da democracia.
Na sexta-feira à noite, Rubio anunciou a revogação dos vistos americanos de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e familiares próximos. Estão na lista oito dos 11 integrantes da Corte: Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Cristiano Zanin, Flávio Dino, Cármen Lúcia, Edson Fachin e Gilmar Mendes. Esse foi o último exemplo de pressão sobre o Judiciário da segunda maior democracia das Américas. Poderá não ser o último. O Departamento de Estado ainda cogita usar a severa Lei Magnitsky. Bens sob jurisdição dos Estados Unidos que pertençam aos alvos serão congelados, e operações envolvendo o sistema financeiro americano excluídas. A legislação foi concebida para punir abusos dos direitos humanos. Portanto sua aplicação contra ministros do STF seria uma aberração, mais uma no rol encabeçado pela carta com a ameaça do tarifaço em agosto.
A política de promoção da democracia da
diplomacia americana tem tradição centenária. Ao longo do tempo, teve períodos
mais e menos intensos. Na América Latina, foi por vezes vacilante,
contraditória ou incoerente, principalmente quando, na época da Guerra Fria,
apoiou a deposição de governos eleitos, sob o argumento da segurança nacional
ou da estabilidade regional. Desde a redemocratização iniciada na década de
1980, porém, os Estados Unidos têm demonstrado apoio ininterrupto às forças
democráticas na região. Essa era a regra até a volta de Trump.
“O cancelamento dos vistos e as ameaças de
sanções econômicas são as ingerências mais graves e grotescas dos Estados
Unidos no Brasil desde o processo que levou ao golpe de 1964”, diz Matias
Spektor, professor de relações internacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Quando o governo de Jimmy Carter pressionou o de Ernesto Geisel na década de
1970 por violações de direitos humanos, o Brasil vivia um regime de exceção.
Agora Trump inova. Mira no STF, o guardião de Constituição redigida por
representantes eleitos pelo voto direto. Para completar, condiciona o fim das
medidas ao cancelamento de um processo sobre golpe de Estado.
Mesmo antes do tarifaço, as intervenções do
presidente americano começaram a minar a percepção positiva dos brasileiros
sobre os Estados Unidos, como
mostrou reportagem do GLOBO. De janeiro para cá, a visão negativa a
respeito de Trump aumentou de 52% para 63%. A opinião desfavorável sobre os
Estados Unidos cresceu de forma consistente desde junho de 2024 em 15 dos 24
países pesquisados pelo instituto americano Pew Research.
Choque de gestão é essencial para acabar com
perda bilionária no INSS
O Globo
Pouca capacidade de análise de benefícios
suspeitos gera prejuízo estimado em cerca de R$ 15 bilhões
Em meio à grave crise fiscal, causa
estranheza que o INSS pague 1 milhão de benefícios com suspeitas de
irregularidade por mês, ocasionando uma perda estimada de quase R$ 15 bilhões
por ano, ou 1,5% dos R$ 972 bilhões orçados para os gastos da Previdência em
2025, como revelou reportagem do GLOBO.
Isso acontece porque o instituto não consegue
analisar a tempo os processos incluídos na fila do Monitoramento Operacional de
Benefícios (MOB), formada a partir de suspeitas de irregularidades apontadas
por órgãos como Tribunal de Contas da União (TCU), Controladoria-Geral da União
(CGU) ou pelo setor de inteligência da Previdência, com base em cruzamento de
dados, denúncias e sinais de falta de movimentação do benefício.
Em média, quase 60% desses benefícios são
cancelados após análise, devido a problemas como acúmulo indevido, perda de
requisito legal e outras irregularidades. Isso significa que, do total de 1
milhão de benefícios que integram essa fila, 578 mil podem ser indevidos,
segundo estimativa do consultor Leonardo Rolim, que presidiu o INSS durante o
governo Bolsonaro. Um pente-fino feito entre 2020 e 2021 proporcionou uma
economia de R$ 9,5 bilhões. Se a fila dos casos suspeitos fosse eliminada,
estima Rolim, seria possível poupar R$ 1,2 bilhão por mês.
O pagamento de benefícios com suspeita de
ilegalidade não é o único ralo por onde escorrem os recursos do setor. Em
fevereiro deste ano, o TCU deu 180 dias para que o INSS adotasse providências
para estancar as irregularidades constatadas no Benefício de Prestação
Continuada (BPC), destinado a idosos de baixa renda e pessoas com deficiência.
A área técnica do órgão identificou que 6,3% dos beneficiários tinham renda per
capita maior do que o limite, que é de um quarto do salário mínimo. O impacto
dos pagamentos indevidos foi estimado em R$ 5 bilhões. Foram detectados ainda
6.701 casos de acúmulo com outro benefício, o que não é permitido.
A lentidão do INSS não afeta apenas a fila
para análise dos processos com suspeita de irregularidade. A de pedidos de
aposentadoria somava cerca de 2,7 milhões de requerimentos em abril, última
atualização. Essa situação não pune apenas quem busca legitimamente seus
direitos, mas também os cofres públicos. Quanto mais tempo o INSS leva para
responder aos pedidos, maiores podem ser os gastos, uma vez que os valores
retroativos são pagos com juros.
Se não consegue zerar as filas do INSS, como prometeu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o governo deveria pelo menos se esforçar para reduzi-las. É hora de um grande choque de gestão. Pagar benefícios indevidos representa desperdício de dinheiro público que poderia ser canalizado para outras áreas prioritárias. Morosidade e inépcia custam caro ao país.
Ritmo de investimento põe em risco metas de
saneamento
Valor Econômico
Um dos obstáculos para a expansão do saneamento é a alta dos juros que encarece o custo do dinheiro para os investimentos
Os investimentos em saneamento básico vêm
crescendo depois que o marco legal editado em 2020 abriu espaço para a atuação
do capital privado na área. Mas o ritmo ainda deixa a desejar e coloca em risco
a esperada universalização dos serviços em 2033.
Em pleno início da pandemia, em julho de
2020, o governo Bolsonaro aprovou o Marco Legal do Saneamento com o objetivo
de, em 2033, conseguir que 99% da população tenha acesso a água potável, e 90%
à coleta e tratamento de esgoto. Diante da falta de recursos públicos para
isso, foi estimulada a atuação do capital privado na área por meio de
concessões e parcerias. Por outro lado, foram abolidos os contratos firmados
anteriormente sem licitação entre municípios e empresas estaduais de
saneamento.
Algumas regras foram flexibilizadas no
terceiro mandato de Lula, beneficiando as empresas públicas, mas a estratégia
vem surtindo efeito. Se o setor privado administrava o saneamento em 7% dos
municípios brasileiros em 2020, neste ano o percentual deve atingir 39,4% se
todos os leilões previstos forem bem-sucedidos, por meio de concessões e
parcerias público-privadas (PPPs).
Dois grandes leilões já foram realizados: o
de três blocos no Pará e o de duas parcerias no Espírito Santo. Mais três
licitações relevantes devem ocorrer até o fim de dezembro, segundo dados da
Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Água e Esgoto (Abcon).
Uma delas, marcada para o próximo mês, é a do Bloco C do Pará, em sua segunda
tentativa de atrair interessado, que prevê
R$ 3,6 bilhões em obras. Serão leiloados em
Pernambuco outros dois lotes, que somam R$ 18,9 bilhões de investimentos.
Há projetos relevantes agendados também para
o próximo ano, que podem movimentar quase R$ 45 bilhões. A maior fatia é a do
governo paulista que, em quatro PPPs previstas, pode mobilizar R$ 30 bilhões
para obras. Há ainda uma concessão em Rondônia, de R$ 4,4 bilhões, a de Goiás,
com R$ 5,5 bilhões; e a do Rio Grande do Norte, com mais R$ 4,6 bilhões.
Se essa programação para 2026 se concretizar,
a participação privada no saneamento poderá chegar a 49,7% dos municípios
brasileiros, ou seja, quase a metade, o equivalente a 2.766 cidades. A entrada
do capital privado no saneamento começou a acelerar em 2023, quando passou de
9,2% para 15,7% dos municípios, saltando para 29,6% em 2024, com previsão de
aumento de mais 10 pontos percentuais neste ano e no próximo, ao ritmo de quase
600 municípios por ano.
Apesar disso, o ritmo de investimento é
insuficiente para atingir a universalização no prazo estabelecido como meta. A
17 edição do Ranking do Saneamento, elaborado pelo Instituto Trata Brasil (ITB)
em parceria com a consultoria GO Associados, constatou que apenas 12 municípios
dentre os mais populosos investem acima da média considerada necessária para
cumprir o prazo. Essa média foi fixada em R$ 223,82 por habitante pelo Plano
Nacional de Saneamento Básico (Plansab).
De acordo com o ranking, os 20 municípios com melhores indicadores registraram investimento médio anual de R$ 176,39 por habitante entre 2019 e 2023, cerca de 20% abaixo do necessário para a universalização apontado pelo Plansab. Mas os 20 municípios com piores indicadores registraram investimento anual médio de R$ 78,40 por habitante, 65% abaixo do nível médio necessário para a universalização.
Na média nacional, 83,1% da população tem
acesso a água e 55,2% a coleta de esgoto. Diante desses dados e do atual ritmo
de investimentos, há especialistas céticos sobre o cumprimento da meta. Uma das
piores estimativas é a do Centro de Liderança Pública (CLP), que calcula que o
Brasil deve atingir a universalização somente em 2070.
Vários fatores indicam que a previsão
pessimista pode ter algum fundamento. Um dos obstáculos para a expansão do
saneamento é a alta dos juros que encarece o custo do dinheiro para os
investimentos. Com a taxa Selic a 15% ao ano a situação já não estava favorável
e pode piorar se for confirmada a tributação das debêntures incentivadas, que
têm sido importante instrumento de financiamento da infraestrutura.
Outras mudanças legislativas preocupam o
setor e podem causar uma onda de revisão de contratos com pedidos de
reequilíbrio. Uma delas é a lei de tarifa social que ampliou o direito às
isenções. A outra é a reforma tributária, que elevou a tributação sobre os
serviços de abastecimento de água e esgoto. Por outro lado, os empreendimentos
de saneamento foram incluídos no Marco do Licenciamento Ambiental e serão
dispensados de licenciamento até o atingimento das metas de universalização. A
partir de então, poderão obter a Licença por Adesão e Compromisso (LAC),
mecanismo que simplifica e agiliza a emissão de licenças.
Como o prazo de cumprimento da meta de
universalização dos serviços de saneamento é uma incógnita, a vantagem na
legislação ambiental pode ser duradoura. Mas a perda para a população é certa
se a meta não for atingida.
Pagamento milionário a advogados públicos
deve acabar
Folha de S. Paulo
Prática gera distorções, como priorizar
causas com maior chance de sucesso para obter valores pagos pela parte
perdedora
Em mais um exemplo absurdo de má
administração do dinheiro público, advogados do Estado no Brasil têm recebido
centenas de milhares de reais que antes ficavam nos cofres da União e
contribuíam para o equilíbrio das contas públicas.
A prática, regulamentada pela lei nº 13.327
de 2016, ocorre com os chamados honorários de sucumbência, pagos pela parte
perdedora em processos judiciais aos advogados públicos.
Além dos valores exorbitantes, há vícios como
a falta de transparência e a criação de incentivos perversos. Longe de premiar
a eficiência, há o enriquecimento indevido de alguns servidores —12,8 mil
inscritos só na Advocacia Geral da União (AGU)— às custas da
sociedade.
Conforme revelado pela Folha,
profissionais da AGU chegaram
a receber até R$ 547 mil em um único mês, recursos que se somam aos
salários regulares.
É grave também que os valores sejam pagos por
meio de uma entidade privada, o Conselho Curador dos Honorários Advocatícios,
que opera com recursos públicos. Desde 2017, o CCHA recebeu R$ 15,8 bilhões da
União, com um aumento real de 195,4% nos repasses entre 2017 (R$ 1,3 bilhão) e
2024 (R$ 3,8 bilhões).
Esses números impressionam ainda mais quando
se considera que procuradores e advogados aposentados continuam a receber o
bônus sem atuar.
Embora o Supremo Tribunal Federal (STF), em 2020,
tenha validado a constitucionalidade desses honorários, estipulando que a soma
do salário e
da verba extra não ultrapasse o teto do funcionalismo (R$ 46.366,19 mensais),
brechas permitem pagamentos retroativos que burlam o limite.
O sistema é uma caixa-preta, pois não se sabe
como os valores são calculados ou a quais ações judiciais se referem.
A opacidade alimenta suspeitas de
irregularidades e reforça a percepção de que o sistema é
desenhado para beneficiar uma elite do funcionalismo.
Ademais, criam-se incentivos perversos. Esses
advogados públicos, cuja função é defender o interesse da União, podem ser
tentados a priorizar causas com melhor potencial de retorno financeiro, em vez
de processos de maior relevância social.
Como é de se esperar, vão se alargando as
fontes de dinheiro, que incluem também a negociação de dívidas com a União,
mesmo que as condições sejam desvantajosas para a coletividade.
Essa lógica mercantilista desvirtua a
essência do serviço público, que deveria pautar-se pela eficiência e pelo bem
comum. Tais profissionais, com estabilidade, já recebem salários compatíveis
com suas responsabilidades.
Em vez de reverter os verbas integralmente ao
erário, a nefasta prática priva o Estado de recursos que poderiam financiar
políticas públicas essenciais, como saúde, educação e infraestrutura,
em um país onde as desigualdades sociais são gritantes.
Nesse cenário, a extinção desses pagamentos é
imperativa.
Mais trabalho para reintegrar presos à
sociedade
Folha de S. Paulo
Baixa taxa de ocupação laboral entre detentos
exige que gestores estaduais aloquem recursos em infraestrutura das prisões
No ano passado, só 25,4% das pessoas presas
no Brasil, em regime fechado e semiaberto, trabalhavam. O número corresponde a
170,4 mil internos, num total de 670,2 mil.
Ainda é pouco. Sem educação e
capacitação profissional, reduzem-se as chances de ressocialização por meio da
inserção no mercado
de trabalho.
Há duas formas de analisar este indicador
compilado pela Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen), do Ministério
da Justiça.
Por um lado, é a maior porcentagem da série
histórica, iniciada em 2018. Não se trata de algo trivial, dado que o Brasil
tem a terceira maior população carcerária do mundo, posto ocupado a partir da
prática deletéria de uma Justiça que prende muito e mal.
Trabalho não só abre novas perspectivas fora
do dos muros da prisão, como permite que detentos ajudem suas famílias. Aliado
a oportunidades educacionais e capacitação profissional, pode desempenhar um
papel virtuoso na vida dos condenados tanto durante como no pós-cárcere.
Por outro lado, a taxa ainda representa
apenas a metade da meta de 50%, estipulada pelo Plano Nacional Penal Justa para
2027. Para que seja eficaz, o projeto, liderado pelo Conselho Nacional de
Justiça (CNJ)
com a Senappen, requer que gestores estaduais implementem a infraestrutura adequada
nas prisões para oferecer trabalho e capacitação.
O índice nacional também esconde disparidades
regionais. Maranhão
(com 80%) lidera o ranking de presos que trabalham, seguido por
Rondônia (70%), Acre (67%), Sergipe (54%) e Ceará (53%). No outro extremo,
estão o Rio Grande do Norte (6%), e o Rio de Janeiro (3%).
Dadas as condições desumanas do sistema
prisional brasileiro, oriundas principalmente da superlotação, resta claro que
a tarefa é de fato hercúlea.
Uma das estratégias adotadas pelo governo
federal, a partir de 2023, é a compra direta de kits de maquinários para
ocupação laboral a serem enviados aos estados, em vez de apenas transferir
recursos para que os gestores locais realizem as aquisições.
Para elevar as taxas de ocupação, é preciso
abandonar a perspectiva que considera o cárcere como a principal forma de
punição —levada a cabo por setores do judiciário e parte dos parlamentares que
advogam uma política de segurança
linha-dura baseada em populismo penal.
A Lei de Execução Penal já prevê a possibilidade de redução da pena por meio do trabalho. Falta aos estados e à União, dentro das competências de cada um, fazer cumprir a legislação.
Unidos na desfaçatez
O Estado de S. Paulo
Executivo e Legislativo podem estar às
turras, mas na hora de dar um drible na responsabilidade fiscal, retirando o
pagamento dos precatórios do limite de despesas, eles se acertam
Impressiona a desfaçatez com que Executivo e
Legislativo fingem lidar com a crise fiscal e o potencial colapso do Orçamento.
Diante da recusa do governo em cortar gastos e do Congresso em abrir mão de
suas emendas, a solução foi manter tudo como está e retirar os precatórios do
limite de despesas neste ano e do cálculo da meta fiscal em 2027. A mágica foi
engendrada por meio de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) aprovada a
toque de caixa pelos deputados e senadores na semana passada e que só depende
de mais uma votação no Senado para ser promulgada.
Parece brincadeira, mas foi isso mesmo o que
aconteceu. Por meio do texto, nenhum dos três Poderes terá de fazer qualquer
sacrifício para impedir o agravamento do desequilíbrio fiscal. Basicamente, as
dívidas da União reconhecidas pela Justiça serão pagas, como é devido, mas não
afetarão os indicadores de saúde das contas públicas, o que é de um
negacionismo econômico espantoso, dado que a estimativa é de que os precatórios
custem ao menos R$ 69,7 bilhões no próximo ano.
De quebra, a manobra abrirá, em pleno ano
eleitoral, um espaço de R$ 12,4 bilhões no teto de despesas. Há quem veja essa
pedalada com certo otimismo, haja vista que o estrago causado pela última
emenda constitucional que tratou de precatórios foi ainda pior. Em 2021,
comparando os precatórios a um “meteoro” e usando a pandemia de covid-19 como
pretexto, o governo de Jair Bolsonaro conseguiu convencer o Congresso a aprovar
uma PEC que estabeleceu um limite ao pagamento dessas dívidas.
Com a “economia” gerada pelo calote
institucionalizado, Bolsonaro, de olho na eleição presidencial à qual
concorreria no ano seguinte, conseguiu um espaço de mais de R$ 60 bilhões para
dobrar o piso do antigo Auxílio Brasil de R$ 200 para R$ 400. Acertadamente, o
governo Lula da Silva recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) para corrigir
esse absurdo ainda em 2023 e obteve autorização para quitar bilhões em
precatórios atrasados, deixando parte dessas dívidas fora do alcance do teto de
gastos e da meta até 2026. Mas havia dúvidas sobre como o governo lidaria com o
problema a partir de 2027, já que o valor integral dessas dívidas teria de ser
acomodado no Orçamento, comprimindo ainda mais a parcela das despesas
discricionárias e, consequentemente, as emendas parlamentares.
Havia, portanto, um encontro marcado com as
contas públicas a exigir responsabilidade de todos os Poderes. O Congresso, no
entanto, ressuscitou uma PEC que havia sido apresentada em 2023 e que tratava
apenas de dívidas de municípios para encontrar um arranjo que, mais uma vez,
empurra o problema para o futuro. A proposta estabelece uma longa transição, de
dez anos, a partir de 2027, para que o estoque de precatórios da União volte a
ser contabilizado dentro das metas fiscais, na proporção de 10% ao ano, até
chegar a 100% em 2036.
A rapidez com que o assunto foi tratado no
Congresso se explica pelo interesse dos parlamentares em salvar Estados e
municípios. Pelo texto da PEC, eles reduziram o limite para o pagamento dos
precatórios e estabeleceram prazo indeterminado para quitá-los. Lembra muito o
calote dos precatórios promovido por Bolsonaro em 2021 e declarado
inconstitucional pelo STF em 2023, mas, para salvar governadores e prefeitos, o
Congresso ignorou esses antecedentes e a possibilidade de que isso venha a se
tornar uma bola de neve para a União. E o Executivo federal, por sua vez, em
vez de barrar esse trem da alegria, correu para pegar carona nele.
O fato é que a origem do problema dos
precatórios permanece intocada. Tanta judicialização se deve a regras dúbias
que permitem ao governo negar e ao Judiciário autorizar a concessão de
benefícios previdenciários e assistenciais. Fora do limite de gastos, não
haverá incentivo para a correção desses equívocos. Fora da meta, o governo
poderá continuar a apostar na recuperação de receitas para fazer o ajuste
fiscal e bater o bumbo de que cumpriu os objetivos – ainda que apenas no papel.
É a responsabilidade fiscal de mentirinha.
A imprudência de Tarcísio
O Estado de S. Paulo
Ao sugerir que eleições sem Bolsonaro não
serão justas, ecoando a delinquência bolsonarista, governador lança suspeitas
sobre o Judiciário e a democracia, o que verdadeiros estadistas não fazem
Quando foi preso por corrupção e depois
alijado da eleição de 2018, Lula da Silva liderava as pesquisas de intenção de
voto para presidente. Em agosto, um mês antes da impugnação de sua candidatura,
o petista contava com cerca de 40% das intenções de voto, o dobro do que tinha
o candidato Jair Bolsonaro. Na ocasião, os petistas queixavam-se de que uma
eleição sem Lula seria injusta. “O que estamos denunciando é que o impedimento
de Lula (de concorrer à Presidência em 2018) seria uma fraude nas eleições”, disse
a então presidente do PT, Gleisi Hoffmann. Lideranças petistas, como é público
e notório, sempre acusaram a inelegibilidade de Lula como uma decisão judicial
fabricada para tirá-lo do pleito.
Hoje são os bolsonaristas que se queixam de
que a inelegibilidade de Jair Bolsonaro e sua provável prisão privarão os
eleitores de escolhê-lo como presidente em 2026. Numa das mais recentes
manifestações a respeito, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, disse
que “não haverá paz social sem paz política, sem visão de longo prazo, sem
eleições livres, justas e competitivas”. A sugestão é óbvia: eleições sem
Bolsonaro, insinua Tarcísio, não serão nem “livres” nem “justas” nem
“competitivas”.
Ao contrário do que diziam os petistas antes
e do que dizem os bolsonaristas agora, as eleições foram e serão livres e
justas, disputadas conforme regras aceitas por todos. E a lei é clara:
políticos condenados por órgãos colegiados do Judiciário não podem disputar
eleições.
Aparentemente, contudo, o sr. Tarcísio
considera que a esperada impugnação da candidatura de Bolsonaro em 2026 se dará
por razões políticas, e não jurídicas, e isso tornará injustas as eleições.
Ora, não há notícia de que o sr. Tarcísio tenha considerado injusta a eleição
que ele mesmo venceu em 2022. Ou que tenha considerado injusta a eleição de seu
padrinho, Jair Bolsonaro, em 2018, a despeito da exclusão de Lula da Silva do
páreo.
Não é bom para a democracia que se levantem
dúvidas sobre a lisura do Judiciário e das eleições. Discordar de veredictos é
totalmente legítimo, mas suspeitar de más intenções, lançando aleivosias, em
nada colabora para a “paz social” ou para a “paz política” a que aludiu o
governador de São Paulo.
Se está realmente interessado na paz, o sr.
Tarcísio, justamente pela responsabilidade institucional que tem, deve
colaborar para dissipar as desconfianças lançadas por gente que não tem o menor
compromisso com a democracia. Compreende-se que o sr. Tarcísio tem uma dívida
com Bolsonaro, pois foi este quem inventou sua candidatura ao governo paulista
e o impulsionou para a vitória. No entanto, a gratidão do governador não pode
impedi-lo de enxergar o óbvio: Bolsonaro fez e faz muito mal ao País.
Seja movido por fidelidade genuína ou cálculo
eleitoral, é deplorável que o governador de São Paulo prefira ignorar a
gravidade dos fatos, relativizando, na prática, os crimes de que Bolsonaro é
acusado e a independência do Supremo Tribunal Federal (STF) para julgá-lo.
Tarcísio sabe que precisa do eleitorado bolsonarista para viabilizar uma
eventual candidatura competitiva à Presidência, mas os valores democráticos e
os princípios republicanos não podem ser sacrificados no altar da ambição
pessoal. Havia diversas formas politicamente hábeis para Tarcísio demonstrar
seu apoio a Bolsonaro, por mais problemático que isso seja, sem que
significasse uma afronta ao Judiciário e sem insinuar que a legitimidade da
próxima eleição será tisnada caso seu padrinho político não possa disputá-la.
Até o fim da semana passada, Tarcísio vinha
navegando relativamente bem no turbulento mar das ambiguidades, de modo a
parecer afastado do que há de pior no bolsonarismo sem que isso significasse um
rompimento inequívoco com Bolsonaro. Porém, desde quando o clã Bolsonaro passou
a atacar o País por meio da incitação do governo dos EUA, o espaço para a
tibieza se fechou definitivamente. A escolha era clara: ou bem se está ao lado
do Brasil ou de Bolsonaro. Tarcísio, como se viu, não titubeou.
No que interessa à Nação, o que está em jogo
é muitíssimo mais valioso do que o destino político e jurídico de um
desqualificado como Bolsonaro. Trata-se da sanidade da democracia brasileira.
Oposição desnorteada
O Estado de S. Paulo
É absolutamente estapafúrdia a ideia de
suspender o recesso parlamentar só para defender Jair Bolsonaro
Se há algo que o Congresso leva a sério é o
chamado recesso parlamentar, período ao longo do qual nada acontece no Poder
Legislativo e que coincide com as férias escolares. Pois, pela primeira vez na
história, há quem queira suspendê-lo – o PL –, mas, como era de imaginar, pelos
motivos errados: para defender o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Desde a sexta-feira passada, por ordem do
ministro Alexandre de Moraes, Bolsonaro está obrigado a utilizar tornozeleira
eletrônica, permanecer em casa durante a noite e nos fins de semana e abdicar
do uso de redes sociais, entre outras medidas restritivas. A decisão, que
contou com o respaldo da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), se
deu em um pedido feito pela Procuradoria-Geral da República no contexto de uma
operação deflagrada pela Polícia Federal.
Como já dissemos neste espaço, trata-se de
medida correta e bem fundamentada, pois não faltam evidências de que Bolsonaro
e sua família incitaram o governo dos Estados Unidos a adotar sanções contra as
exportações brasileiras com a intenção de livrar o ex-presidente de punições no
processo em que ele é acusado de tramar um golpe de Estado. Não se trata de
mera inferência. Enquanto Bolsonaro celebrava as medidas, o deputado Eduardo
Bolsonaro (PL-SP) argumentava que ceder ao presidente Donald Trump seria a única
forma de impedir que as novas tarifas de importação entrassem em vigor, e o
senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) comparava a sobretaxa a bombas atômicas cujo
lançamento seria evitado se houvesse anistia a seu pai.
Surpresa com a péssima repercussão causada
pelas tarifas, a oposição se viu desnorteada após a imposição de medidas
restritivas ao ex-presidente. E só mesmo o desespero pode explicar a ação do
líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (RJ), de tentar mobilizar a bancada
de seu partido para aprovar moções de louvor e regozijo ao ex-presidente nas
comissões permanentes controladas pelo partido, como a Comissão de Relações
Exteriores e de Defesa Nacional. Segundo ele, trata-se de “justo reconhecimento
a um presidente que promoveu avanços concretos em diversas áreas e defendeu os
valores da nação brasileira”.
Nesse contexto tragicômico, fizeram bem os
presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi
Alcolumbre (União-AP), ao reiterar, por meio de notas oficiais, que o recesso
está mantido. Isso significa que, nas próximas duas semanas, não haverá sessões
deliberativas em plenário e que as comissões não poderão funcionar. Logo, as
votações realizadas por essas comissões – se é que vão ocorrer – não terão
qualquer validade.
As moções, por óbvio, são pretexto para a retomada da apreciação de propostas para as quais não há prioridade alguma, como a anistia aos golpistas de 8 de Janeiro e o pacote para limitar a atuação do Supremo Tribunal Federal. Uma oposição responsável jamais compactuaria com interesses tão comezinhos apenas para beneficiar Bolsonaro. Independentemente disso, terão de aguardar até 4 de agosto para começar a defender o indefensável.
Mais atenção aos jovens que saem do
acolhimento
Correio Braziliense
Revisar as práticas dos abrigos aos que terão
de deixá-los aos 18 anos é medida indispensável. Faz-se necessário
compatibilizar educação formal e educação para enfrentar o mundo fora da
instituição.
Casa, comida e roupa lavada, além de quarto
para dormir. Habituados a essa estrutura, adolescentes que vivem nos abrigos
públicos, pelos mais diversos motivos, ao completarem 18 anos, têm de enfrentar
a realidade fora dessas instituições. A insegurança é a primeira peça na
bagagem da mudança. Como seguir na vida fora de um ambiente seguro? A maioria
não foi capacitada nem se sente apta para enfrentar esse inevitável rompimento,
estabelecido na revisão do Código Civil, que cessou a menoridade aos 18 anos.
Ao chegar a essa idade, o jovem se torna responsável por todos os atos
praticados na vida civil.
Ainda que tenham alcançado a maioridade,
faltam a esses jovens experiência e capacitação para conseguir um emprego,
lidar com burocracia, um lar para viver e administrar e meios para se
sustentar, conforme mostrou série do Correio. Entre 2024 e maio deste ano,
36 adolescentes chegaram aos 18 anos no DF e tiveram de deixar as instituições
de acolhimento, mantidas pelo poder público. A inexperiência reforçou a
insegurança dos que tinham encontro marcado como uma realidade antes nunca
enfrentada.
O dilema repete-se pelo país. Segundo o
Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento, há 34.497 crianças e adolescentes
acolhidos no Brasil, sendo 93,8% deles em instituições e 6,2% em famílias
acolhedoras. Desses jovens, 40% têm 12 anos ou mais. E, como também mostra a
série de reportagem, o avançar da idade é um dos dificultadores no país para a
inserção nos lares.
A promotora de Defesa da Infância e Juventude
do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) Luisa de
Marillac reconhece que os jovens são lançados à própria sorte, evidenciado que
"a construção da autonomia exige um melhor desenho das políticas
públicas". Muitos deles, relata, "deixam o abrigo sem o suporte
necessário em áreas como moradia, emprego e renda, elementos fundamentais para
qualquer início de vida adulta".
Revisar as práticas dos abrigos é medida
indispensável aos que terão de deixá-los aos 18 anos. Faz-se necessário
compatibilizar educação formal e educação para enfrentar o mundo fora da
instituição. Da mesma forma, é importante orientá-los para que não sejam presa
fácil de grupos que assediam jovens inexperientes, levando-os para o submundo
das ilegalidades. "Não existe uma política pública contínua e
integrada que garanta um processo digno de saída das instituições,
especialmente após a maioridade", ressalta a conselheira Luiza
Martins, do Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente.
Repensar a forma de suporte torna-se mais
urgente na medida em que o fenômenos da adolescência estendida é comum e bem
aceito nos lares brasileiros. Chegar aos 18 anos não implica ter que
buscar emprego ou sair de casa para boa parte dos adolescentes que convive com
a família. Ao contrário, o custo de vida, a exigência por mais anos de estudo e
até mesmo o entendimento de que falta amadurecimento têm postergado a saída do
ninho.
Os egressos do acolhimento, porém, não têm igual oportunidade. A eles é negada a possibilidade de um suporte que os tornem aptos a ingressar no mercado de trabalho com mais segurança para que tenham renda, moradia e uma vida digna.
O saneamento básico exige mais atenção
O Povo (CE)
Os municípios cearenses avaliados no 17º
ranking de saneamento organizado pelo Instituto Terra Brasil (ITB) aparecem
muito mal posicionados, infelizmente. É um estudo importante, que diz respeito
às localidades mais populosas do País e, no nosso caso, envolveu Fortaleza,
Caucaia e Juazeiro do Norte. A má performance não surpreende, diante do que nos
é dado a testemunhar circulando pelas ruas e cidades.
Reportagem assinada por Kleber Carvalho, na
edição desta segunda-feira, dia 21, mergulha nos números e conclusões do
levantamento. Aponta, por exemplo, que até houve um aumento nos investimentos
realizados no setor em 2023, ano objeto do estudo, mas, ao contrário do que
seria normal esperar, deu-se uma queda na qualidade dos indicadores do serviço.
É uma análise de situação que requer
cuidados, sempre, evitando-se cair em enganos que a pressa às vezes determina.
Por exemplo, ao observar que nos três casos cearenses houve melhoria no
posicionamento entre as 100 localidades analisadas pelo ITB: Fortaleza saindo
da 68ª para 62ª, Caucaia da 85ª para 79ª e Juazeiro do Norte indo da 91ª para
85ª. Um ponto de vista que aponta melhoria, objetivamente, mas, que representa
algo ainda muito distante do que poderíamos apontar como minimamente ideal.
Longe disso, inclusive.
Como bem explica o material, a partir do que
dizem especialistas, o investimento que se faz em saneamento nem sempre tem
seus resultados aparecendo no momento imediato. Até pelo fato de existirem
aspectos ligados à infraestrutura de cada urbe que exigiriam intervenções
simultâneas para que a melhoria fosse sentida com mais rapidez pela população.
São números e é uma realidade para as quais
as autoridades precisam ter capacidade de fazer uma leitura correta, técnica,
que entenda as razões de os movimentos não serem, hoje, coordenados. A
universalização do acesso à água e ao esgoto, base de uma boa política de
saneamento básico, precisa ser buscada com uma velocidade maior do que a que
tem sido percebida nas cidades brasileiras.
Trata-se de um tema que merecia muito mais
atenção do que tem recebido no ambiente público brasileiro, considerando-se que
os efeitos benéficos se espalhariam por áreas fundamentais do ambiente urbano.
Por exemplo, a saúde, já que a pouca cobertura que as cidades do País
apresentam, um fato histórico e que não tem necessariamente a ver com este
governo ou aquele que o antecedeu, responde, como efeito, por muitos dos
problemas que a população enfrenta em seu sofrido dia-a-dia.
O desempenho das cidades cearenses inseridas
no levantamento do ITB, que teve os resultados divulgados agora, mostra que
ainda há muito por fazer em termos de avanços no saneamento básico estadual.
Apenas a propaganda de que temos avançado na área, especialmente em tempos
eleitorais, não tem sido capaz de transformar, de verdade, uma realidade que
segue ainda muito distante do que se poderia ter como ideal.
Nenhum comentário:
Postar um comentário