terça-feira, 22 de julho de 2025

Bolsonaro dobra aposta na crise de Trump com Lula e acirra polarização - Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Bolsonaro tenta se colocar como peça central de uma guerra maior, apresenta-se como vítima de um complô de Lula e Moraes. Trump, ao endossar sua defesa, fortalece o discurso de perseguição, a narrativa da oposição

A semana começou em alta voltagem. O ex-presidente Jair Bolsonaro dobrou a aposta no caos institucional e na narrativa de perseguição política para manter viva a polarização com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em meio à crise diplomática com os Estados Unidos, provocada pelo tarifaço de 50% de Donald Trump sobre os produtos brasileiros, Bolsonaro intensificou sua atuação política. Mesmo com as limitações das medidas cautelares adotadas pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, que o mantêm monitorado por tornozeleira eletrônica e proíbe entrevistas públicas e postagens nas redes sociais.

Nesta segunda-feira (21/7), Bolsonaro desafiou os limites das medidas cautelares de Moraes. Pela manhã, já havia concedido uma entrevista à jornalista Andrea Sadi, da Globo News. À tarde: esteve no Congresso para reuniões com deputados e senadores da oposição. Apesar da recomendação de advogados para evitar declarações públicas, desafiador, o ex-presidente aproveitou a saída do encontro para produzir matéria prima para postagens nas redes. Ao apontar para a tornozeleira eletrônica, reforçou o discurso de vítima: “Não roubei os cofres públicos, não desviei recurso público, não matei ninguém. Isso aqui é um símbolo da máxima humilhação em nosso país. Uma pessoa inocente”.

Houve tumulto na Câmara, entre os próprios bolsonaristas, no qual o deputado Nikolas Ferreira foi machucado, porque alguém bateu com o celular no seu rosto ao fazer uma selfie. A estratégia de Bolsonaro é mobilizar a sua base mais radical, para pautar uma anistia aos condenados pela tentativa de golpe de 8 de janeiro na Câmara e o impeachment de Moraes, no Senado. O endurecimento de Trump contra o Brasil é seu combustível para reacender a polarização interna.

A carta do presidente americano a Lula, na qual justificou as tarifas de 50% sobre nossas exportações por supostos “ataques à liberdade de expressão” e pelo julgamento de Bolsonaro no STF, é munição política para o ex-presidente. Bolsonaro tenta se colocar como peça central de uma guerra maior, apresenta-se como vítima de um complô de Lula e Moraes. O presidente Trump, ao endossar a defesa do ex-presidente, fortalece o discurso de perseguição, que se mantém como narrativa da oposição.

Enquanto Bolsonaro atua no campo do tarifaço de 50% contra as empresas brasileiras e das ameaças de Trump ao Supremo, Lula aposta no multilateralismo e no reforço das instituições democráticas para enfrentar a crise comercial e diplomática. A estratégia do Itamaraty é cuidar da questão comercial e não tratar do julgamento, atribuição do Supremo, que não pretende entrar numa guerra por causa das retaliações aos seus ministros pela Casa Branca, que cassou os vistos de Moraes, Luiz Roberto Barroso, o presidente da Corte, Edson Fachin, vice-presidente, e mais quatro ministros: Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Cristiano Zanin e Flavio Dino.

Aliança democrática

No Chile, ao lado de Gabriel Boric, Lula defendeu que a democracia não é tarefa exclusiva dos governos, mas exige participação da sociedade civil, da mídia, do setor privado e da academia. Também participaram do evento Democracia Sempre os líderes da Colômbia, Gustavo Petro; Espanha, Pedro Sánchez; e do Uruguai, Yamandú Orsi. Defendeu reformas estruturais, taxação dos super-ricos e um novo modelo de desenvolvimento para enfrentar desigualdades.

Marcada muito antes da crise, a reunião “Democracia Sempre” também tratou do combate à desinformação e da regulamentação das plataformas digitais. “A liberdade de expressão não pode ser confundida com autorização para incitar violência e atacar o Estado democrático de direito”, disse Lula, defendendo uma governança digital global.

Os cinco líderes também concordaram sobre a necessidade de regulamentação das plataformas digitais e do combate à desinformação para “devolver aos Estados a capacidade de proteger os seus cidadãos”. Segundo Lula, “a chave para um debate público livre plural é a transparência de dados e uma governança digital global. Que a liberdade de expressão não se confunda com a autorização para incitar a violência, difundir o ódio, cometer crimes e atacar o Estado democrático de direito”.

Do lado econômico, a crise ganha contornos cada vez mais delicados. Alexandre de Moraes determinou investigação sobre possível uso de informação privilegiada (insider trading) no mercado cambial antes do anúncio do tarifaço. A AGU identificou compras de até US$ 4 bilhões em dólar horas antes da medida, com lucros que podem ter alcançado 50% em três horas. O movimento sugere acesso prévio a informações sigilosas, levantando suspeitas de operação orquestrada.

No governo brasileiro, o vice-presidente Geraldo Alckmin, que responde interinamente pela Presidência, iniciou negociações com big techs e representantes do comércio internacional para tentar reverter as tarifas. Interesses das grandes empresas de tecnologia também influenciaram Trump, como retaliação à ofensiva do STF sobre a regulação das redes sociais, e a investigação sobre o PIX.

A disputa, portanto, extrapola o comércio e ganha contornos geopolíticos e ideológicos. Para Lula, o desafio é resistir e manter o Brasil no bloco que defende democracia, inclusão social e multilateralismo. Para Bolsonaro, quanto mais acirrada a crise, melhor: ele aposta no confronto para sobreviver politicamente e manter sua base eleitoral.

 

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