Correio Braziliense
Bolsonaro tenta se colocar como peça central
de uma guerra maior, apresenta-se como vítima de um complô de Lula e Moraes.
Trump, ao endossar sua defesa, fortalece o discurso de perseguição, a narrativa
da oposição
A semana começou em alta voltagem. O
ex-presidente Jair Bolsonaro dobrou a aposta no caos institucional e na
narrativa de perseguição política para manter viva a polarização com o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em meio à crise diplomática com os Estados
Unidos, provocada pelo tarifaço de 50% de Donald Trump sobre os produtos
brasileiros, Bolsonaro intensificou sua atuação política. Mesmo com as
limitações das medidas cautelares adotadas pelo ministro do Supremo Tribunal
Federal (STF) Alexandre de Moraes, que o mantêm monitorado por tornozeleira
eletrônica e proíbe entrevistas públicas e postagens nas redes sociais.
Nesta segunda-feira (21/7), Bolsonaro desafiou os limites das medidas cautelares de Moraes. Pela manhã, já havia concedido uma entrevista à jornalista Andrea Sadi, da Globo News. À tarde: esteve no Congresso para reuniões com deputados e senadores da oposição. Apesar da recomendação de advogados para evitar declarações públicas, desafiador, o ex-presidente aproveitou a saída do encontro para produzir matéria prima para postagens nas redes. Ao apontar para a tornozeleira eletrônica, reforçou o discurso de vítima: “Não roubei os cofres públicos, não desviei recurso público, não matei ninguém. Isso aqui é um símbolo da máxima humilhação em nosso país. Uma pessoa inocente”.
Houve tumulto na Câmara, entre os próprios
bolsonaristas, no qual o deputado Nikolas Ferreira foi machucado, porque alguém
bateu com o celular no seu rosto ao fazer uma selfie. A estratégia de Bolsonaro
é mobilizar a sua base mais radical, para pautar uma anistia aos condenados
pela tentativa de golpe de 8 de janeiro na Câmara e o impeachment de Moraes, no
Senado. O endurecimento de Trump contra o Brasil é seu combustível para
reacender a polarização interna.
A carta do presidente americano a Lula, na
qual justificou as tarifas de 50% sobre nossas exportações por supostos
“ataques à liberdade de expressão” e pelo julgamento de Bolsonaro no STF, é
munição política para o ex-presidente. Bolsonaro tenta se colocar como
peça central de uma guerra maior, apresenta-se como vítima de um complô de Lula
e Moraes. O presidente Trump, ao endossar a defesa do ex-presidente, fortalece
o discurso de perseguição, que se mantém como narrativa da oposição.
Enquanto Bolsonaro atua no campo do tarifaço
de 50% contra as empresas brasileiras e das ameaças de Trump ao Supremo, Lula
aposta no multilateralismo e no reforço das instituições democráticas para
enfrentar a crise comercial e diplomática. A estratégia do Itamaraty é cuidar
da questão comercial e não tratar do julgamento, atribuição do Supremo, que não
pretende entrar numa guerra por causa das retaliações aos seus ministros pela
Casa Branca, que cassou os vistos de Moraes, Luiz Roberto Barroso, o presidente
da Corte, Edson Fachin, vice-presidente, e mais quatro ministros: Cármen Lúcia,
Dias Toffoli, Cristiano Zanin e Flavio Dino.
Aliança democrática
No Chile, ao lado de Gabriel Boric, Lula
defendeu que a democracia não é tarefa exclusiva dos governos, mas exige
participação da sociedade civil, da mídia, do setor privado e da academia.
Também participaram do evento Democracia Sempre os líderes da Colômbia, Gustavo
Petro; Espanha, Pedro Sánchez; e do Uruguai, Yamandú Orsi. Defendeu reformas
estruturais, taxação dos super-ricos e um novo modelo de desenvolvimento para
enfrentar desigualdades.
Marcada muito antes da crise, a reunião
“Democracia Sempre” também tratou do combate à desinformação e da
regulamentação das plataformas digitais. “A liberdade de expressão não pode ser
confundida com autorização para incitar violência e atacar o Estado democrático
de direito”, disse Lula, defendendo uma governança digital global.
Os cinco líderes também concordaram sobre a
necessidade de regulamentação das plataformas digitais e do combate à
desinformação para “devolver aos Estados a capacidade de proteger os seus
cidadãos”. Segundo Lula, “a chave para um debate público livre plural é a
transparência de dados e uma governança digital global. Que a liberdade de
expressão não se confunda com a autorização para incitar a violência, difundir
o ódio, cometer crimes e atacar o Estado democrático de direito”.
Do lado econômico, a crise ganha contornos
cada vez mais delicados. Alexandre de Moraes determinou investigação sobre
possível uso de informação privilegiada (insider trading) no mercado cambial
antes do anúncio do tarifaço. A AGU identificou compras de até US$ 4 bilhões em
dólar horas antes da medida, com lucros que podem ter alcançado 50% em três
horas. O movimento sugere acesso prévio a informações sigilosas, levantando
suspeitas de operação orquestrada.
No governo brasileiro, o vice-presidente
Geraldo Alckmin, que responde interinamente pela Presidência, iniciou
negociações com big techs e representantes do comércio internacional para
tentar reverter as tarifas. Interesses das grandes empresas de tecnologia
também influenciaram Trump, como retaliação à ofensiva do STF sobre a regulação
das redes sociais, e a investigação sobre o PIX.
A disputa, portanto, extrapola o comércio e
ganha contornos geopolíticos e ideológicos. Para Lula, o desafio é resistir e
manter o Brasil no bloco que defende democracia, inclusão social e
multilateralismo. Para Bolsonaro, quanto mais acirrada a crise, melhor: ele
aposta no confronto para sobreviver politicamente e manter sua base eleitoral.
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