Valor Econômico
Trump, com seu tarifaço, mira no bloco, mas atira no mais fraco, enquanto se mostra, por ora, cauteloso no ataque às três potências nucleares do grupo
Quando os países do Brics se reuniram no Rio,
há duas semanas, ficou claro o incômodo que representam para os EUA. Durante a
cúpula, o presidente Donald Trump ameaçou tarifar em 10% qualquer país que
venha a se alinhar com políticas antiamericanas do grupo. Terminado o encontro,
em 9 de julho, Trump anunciou a bombástica taxação de 50% dos produtos
brasileiros.
Trump já havia ameaçado taxar em 100% as importações dos países do Brics se vierem a usar moeda alternativa ao dólar para suas transações comerciais. Na semana passada, ameaçou introduzir tarifas de 100% contra a Rússia (se não houver trégua na Ucrânia) e seus parceiros comerciais, principalmente China, Índia e Brasil, não por coincidência, outros três fundadores do Brics. Finalmente, pediu a abertura de investigação comercial contra o Brasil. Até pagamentos eletrônicos (leia-se Pix) entraram na mira.
Em sua carta de 9 e julho a Lula, Trump citou
em primeiro lugar uma questão política para justificar o tarifaço de 50%: a
suposta perseguição judicial ao ex-presidente Jair Bolsonaro. Mas, no final, ao
oferecer negociação, não mencionou condição relativa ao julgamento de
Bolsonaro. O ex-presidente parece estar ali como figurante, algo incluído para
ajudar uma “alma gêmea”, porque a questão, obviamente, tem a ver com o Brics e
outros fatores geopolíticos.
O Brics, apesar da heterogeneidade de seus
membros, é uma iniciativa de sucesso, tendo sido recentemente ampliado. Além
dos quatro fundadores, há outros sete países membros: África do Sul, Egito,
Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Irã, Indonésia e Arábia Saudita. A expansão
foi impulsionada principalmente pela China, que tem óbvio conflito hegemônico
com os EUA.
Mesmo com aliados fiéis dos americanos no
bloco - Egito, Emirados, Índia e Arábia Saudita -, o Brics representa ameaça à
supremacia americana. Só os quatro fundadores, considerada a Paridade de Poder
de Compra (PPC), têm um PIB somado de US$ 60 trilhões, maior que o do G6 (US$
54 trilhões), formado pelas grandes potências ocidentais (EUA, Alemanha, Japão,
França, Reino Unido e Itália). Esse valor indica o poder de consumo do bloco,
que torna absurdas sugestões de que o Brasil deveria deixar o bloco para agradar
aos EUA. O poder de consumo da China já é 23% maior que o dos EUA (US$ 35,3
trilhões contra US$ 28,8 trilhões).
Nem o pai dos Brics, o economista Jim O’Neil,
sonhava com um avanço tão rápido. Vale lembrar que o grupo surgiu após estudo
intitulado “Dreaming With Brics: The Path to 2050”, feito em 2003 pelo
economista britânico do Goldman Sachs. O estudo, assinado também por Dominic
Wilson e Roopa Purushothaman, é uma ousada “profecia” sobre o crescimento do
PIB nominal (não em PPC), ano a ano, para cada um dos quatro grandes emergentes
desde 2000 até 2050, quando o grupo, pela previsão, deverá superar o PIB nominal
do G6. A África do Sul não fez parte do estudo e só entrou no bloco em 2011. Os
outros seis entraram em 2024 e 2025.
No ano 2000, o PIB nominal conjunto dos
quatro Brics representava cerca de 20% do PIB mundial. Passado um quarto de
século, essa participação atingiu 32%, segundo dados do FMI. Enquanto isso, os
EUA, que tinham 30% do PIB mundial no ano 2000, têm agora 26%.
Está claro, portanto, que o crescimento do bloco incomoda os EUA. Infelizmente, essa expansão vem sendo liderada muito mais por China, Índia e, recentemente, Rússia, do que pelo Brasil. O economista Robinson Moraes, coordenador de pesquisas do Valor Data, atualizou os números da corrida dos quatro fundadores (ver gráfico). O Brasil vem na lanterna, com crescimento de 74,7% neste século, muito abaixo dos 142,4% previstos na “profecia” de O’Neil.
Trump, com seu tarifaço de 9 de julho, mira
no Brics, mas atira no mais fraco do bloco. E se mostra, por enquanto,
cauteloso no ataque aos outros três, potências nucleares.
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