quarta-feira, 23 de julho de 2025

8 de janeiro, o dia sem fim - Rodrigo Craveiro

Correio Braziliense

Agarrados a uma base radical e extremista, com a qual criaram uma relação simbiótica, pregam a perpetuação no poder e fomentam ódio, cizânia, divisão e ressentimento

"Dê poder a um homem e verá quem ele realmente é." A frase do filósofo italiano Nicolau Maquiavel (1469-1527) parece ter sido feita sob medida para alguns líderes (ou pseudolíderes) da atualidade. Eleitos pela democracia representativa, muitos deles governam para o próprio ego e representam mais suas ambições de poder do que a população. Por vezes, adquirem comportamento de déspotas: ignoram as leis e a Constituição, que prometeram honrar e respeitar ao serem empossados.

Agarrados a uma base radical e extremista, com a qual criaram uma relação simbiótica, pregam a perpetuação no poder e fomentam ódio, cizânia, divisão e ressentimento. Não suportam ser contestados por terceiros e muito menos pelas urnas. Tanto que, mesmo depois de derrotados, instigam o séquito mais reacionário a contestar a derrota. Os mesmos seguidores, que não se furtam em tripudiar sobre a morte de uma artista apenas porque ela simpatizava com uma corrente político-ideológica antagônica.

 O poder transparece o que há de melhor e o que há de pior no ser humano, a depender de sua índole. Alguns líderes se apossam de símbolos da pátria e, quando perdem o poder, não se importam em aplaudir ações contra a própria nação, na utopia de forçar uma mudança de regime. Homens que governaram uma nação preferem ignorar o Estado Democrático de Direito e tensionar a corda até que ela arrebente. Apregoam que o Brasil vive uma ditadura e comparam o país à Venezuela, pura e simplesmente porque não gostam ou não se sentem dignos de prestar contas à Justiça. Há quem diga que o poder é um ópio e que, quando não mais o tem, o político é tomado quase que por uma crise de abstinência, porque quer mais. 

O que assistimos no Brasil é uma tentativa de sequestrar as instituições, desafiar a Justiça e legitimar um entreguismo descarado, aproveitando-se da repulsa de Trump pelo Brics — Brasil, Rússia, Índia e África do Sul — e dos planos do bloco de ter uma moeda alternativa. Se alguém acha que Trump está comovido por uma suposta injustiça cometida contra Jair Bolsonaro, demonstra leviandade.

Trump uniu o útil ao agradável: usa o viés político para punir o Brasil por suas aspirações no Brics. No fim das contas, tudo é economia, suco capitalista. No fim das contas, um autocrata americano finge extrema simpatia por um ex-líder réu, também com traços autoritários, apenas para chegar aos seus objetivos. Ao perceber que o Brasil é maior do que suas chantagens e não se renderá, Trump recuará e deixará o bolsonarismo a ver navios. 

Há uma tentativa continuada de golpe no Brasil. O 8 de janeiro não acabou naquele domingo ensolarado. Ele prossegue, a reboque de um homem sedento pelo poder. Está na polarização virulenta. Ele se evidencia na afronta deliberada ao Supremo. Dê poder a um homem e verá quem é. Mas deixe claro para ele que a lei vale para todos. A propósito: das cenas mais tristes e lamentáveis da história da República, a faixa com o nome de Trump aberta, ontem, dentro do Congresso.

 

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