Proibir entrevista é indevido e inoportuno
O Globo
Para se defender de imensa pressão, Supremo
não pode atropelar direitos fundamentais
Réu por tentativa de golpe de Estado, Jair Bolsonaro é julgado em meio à indevida pressão de Donald Trump sobre o Supremo Tribunal Federal (STF), por meio de tarifas sobre as exportações brasileiras e ameaças aos ministros da Corte. Desde o início das investigações, são notórias as tentativas de obstrução de Justiça perpetradas pelo ex-presidente e seu filho Eduardo Bolsonaro nas plataformas digitais. Dado o histórico de desprezo pelas instituições democráticas, é alto o risco de fuga ou pedido de asilo. Ciente disso, o ministro do STF Alexandre de Moraes determinou na semana passada o uso de tornozeleira eletrônica e proibiu a aproximação do ex-presidente a postos diplomáticos. Também o impediu de usar redes sociais, “diretamente ou por intermédio de terceiros”.
É compreensível a preocupação do ministro. O
bolsonarismo já demonstrou diversas vezes sua capacidade de divulgar notícias
falsas, a fim de manipular a opinião pública. Porém, em despacho redigido na
segunda-feira para esclarecer as decisões da semana passada, Moraes foi além.
No texto, diz que “a medida cautelar de proibição de utilização de redes
sociais, diretamente ou por intermédio de terceiros, imposta a Jair Messias
Bolsonaro inclui, obviamente, as transmissões, retransmissões ou veiculação de
áudios, vídeos ou transcrições de entrevistas em qualquer das plataformas das
redes sociais de terceiro”.
Há sérios problemas aqui. O primeiro deles é
que a imprensa deve ser livre e não pode trabalhar sob cerceamento. O segundo é
que, antes de qualquer condenação, Bolsonaro deve ser livre para dar
entrevistas. Medidas cautelares anunciadas para garantir o julgamento de ações
penais não podem atropelar outros direitos fundamentais, como a liberdade de
expressão e a liberdade de imprensa.
Bolsonaro é um notório manipulador, da casta
dos piores populistas sul-americanos. Isso não justifica que seja impedido de
se manifestar sobre seu próprio julgamento. Em abril de 2019, Luiz Inácio Lula
da Silva, então condenado, deu entrevista quando estava preso na sede da
Polícia Federal em Curitiba com a permissão do STF. A decisão de Moraes sobre
Bolsonaro é extravagante nesse aspecto.
Sabendo que correrá o risco de ser preso se
uma entrevista sua circular nas redes sociais, dificilmente falará com
jornalistas. Com essa interpretação, Moraes nega à sociedade informações a que
ela tem direito para formar suas convicções. Uma entrevista coletiva com o
ex-presidente convocada por parlamentares da oposição para a segunda-feira foi
cancelada.
Aplicada sem restrição, a decisão de Moraes
equivale a proibir Bolsonaro de falar com quem quer que seja. Ele não tem como
garantir que um desconhecido não usará o celular para gravar a conversa e
publicá-la numa rede social. O ex-presidente precisa ser julgado por seus atos,
e é descabida qualquer tentativa de intimidar o STF. Mas esse julgamento e
todos os acontecimentos que o cercam, por suas profundas consequências
políticas, têm de ocorrer de forma pública e acessível a toda a sociedade. Essa
transparência será benéfica para o próprio STF.
Lula precisa enviar chanceler aos Estados
Unidos antes do fim do mês
O Globo
Visita de Mauro Vieira a Washington seria chance de deslocar debate da arena política para a área técnica
Faltando menos de dez dias para a entrada em
vigor do tarifaço de Donald Trump,
o governo brasileiro deveria redobrar os esforços para uma viagem do ministro
das Relações Exteriores, Mauro
Vieira, aos Estados Unidos —
garantindo que seja recebido por seu par americano, o chefe do Departamento de
Estado, Marco Rubio. Por óbvio, não se trata de ceder às chantagens sem nexo. A
independência do Judiciário e a democracia são inegociáveis. Com uma reunião,
Vieira poderia dar início a discussões técnicas sobre questões comerciais. Ante
a iminência da imposição das tarifas, o governo brasileiro precisa fazer mais
do que planos de contingência para atenuar os estragos incentivados pelo
ex-presidente Jair Bolsonaro e seu filho Eduardo.
O momento também exige uma mudança do
presidente Luiz Inácio Lula da
Silva. Embalado pela alta da popularidade, ele vem empregando uma retórica
acima do tom propício ao entendimento. Em encontro de presidentes de esquerda
na segunda-feira no Chile, denunciou os “inimigos da democracia”. Na semana
passada, em congresso estudantil, disse que se Trump tentasse fazer no Brasil o
que fez nos Estados Unidos quando o Capitólio foi invadido seria julgado e
preso. Em entrevista à CNN americana, declarou que o presidente americano não é
“imperador do mundo”. Embora todas essas opiniões sejam defensáveis, distanciam
o governo de uma solução. Dá muito bem para defender a soberania sem piorar a
relação com a Casa Branca.
No pronunciamento que fez em rede de TV, Lula
mencionou a realização de mais de dez reuniões com o governo americano e o
encaminhamento de uma proposta de negociação em 16 de maio, ainda sem resposta.
Esses encontros e a proposta eram sobre decisão prévia de Trump de taxar as
importações brasileiras em 10%. Agora a situação mudou. É preciso demonstrar
uma nova disposição de diálogo.
Desde que tomou posse, Trump humilhou o
Canadá repetidas vezes, com declarações sobre a transformação do país em mais
um estado americano. Ainda assim, o primeiro-ministro Mark Carney tem mantido a
negociação. A presidente mexicana, Claudia Sheinbaum, também viu os índices de
popularidade subir com os ataques de Trump, mas nunca fechou os canais de
comunicação.
Uma visita do chanceler Vieira tem o potencial de transformar o estágio atual da crise. Em Washington, ele poderia falar com congressistas de estados onde empresários serão afetados. Uma distribuidora de suco de laranja de Nova Jersey já entrou na Justiça contra o tarifaço. Enquanto prevalecerem os confrontos verbais no campo da política, não haverá acordo. A busca por soluções tem de ser técnica. O adiamento das tarifas por parte dos Estados Unidos abriria o caminho para um entendimento. É dever do governo brasileiro mostrar que está comprometido com esse objetivo.
Governo erra ao mirar o piso da meta fiscal
Valor Econômico
O fim do contingenciamento libera verbas de emendas parlamentares retidas
Com melhor estimativa do comportamento das
receitas, o governo federal eliminou totalmente o contingenciamento de despesas
de R$ 20,7 bilhões determinado na segunda avaliação de receitas e despesas e
praticamente manteve o bloqueio (quando as despesas estão acima da meta
fiscal), que passou de R$ 10,7 bilhões para R$ 10,8 bilhões. Duas medidas para
aumentar a arrecadação, a do IOF e do aumento de tributação sobre títulos
financeiros até então isentos, contribuíram para a decisão, assim como a
autorização para antecipação de receitas de R$ 15 bilhões decorrentes da venda
de óleo existente em áreas adjacentes do pré-sal. O fim do contingenciamento
libera verbas de emendas parlamentares retidas.
O governo pode abater R$ 45,23 bilhões de
despesas para o cumprimento da meta que, por sua vez, é dada como cumprida se
for atingida a banda inferior, de -0,25% do PIB, ou déficit de R$ 31 bilhões,
que tem sido o objetivo verdadeiro desde a criação do novo regime fiscal.
Portanto, a missão será cumprida com um déficit real de R$ 76,3 bilhões. Não há
interesse, ainda que fosse a coisa certa a fazer, em obter um resultado
positivo robusto nas contas, cujo efeito sobre as expectativas de inflação
seria significativo.
O novo regime fiscal, cujas metas foram
alteradas logo em seu início, permitirá que o governo Lula encerre seu terceiro
mandato sem produzir um superávit primário. Em 2026, a equipe econômica deve
também mirar o piso da meta, de -0,25% do PIB, e terá apenas de zerar o
déficit. A parte mais difícil, de superávits crescentes, foi deixada para o
próximo governo. A dívida bruta no último ano do mandato atingirá, pelas
projeções do Tesouro, 82,3% do PIB — uma incomum alta de 10 pontos percentuais
do PIB em quatro anos. É apenas um pouco melhor que os 14,4 pontos percentuais
que a desastrosa gestão da petista Dilma Rousseff acrescentou ao endividamento
bruto em 5 anos de gestão (de 2011 a 2015).
A equipe econômica tem conseguido reduzir o
déficit primário, mas o esforço é claramente insuficiente. Uma taxa de juros
enorme, de perto de 10% reais, trouxe uma carga de custos financeiros que
atingirá 8,5% do PIB este ano e 8,1% do PIB no ano que vem. A conta deve
ultrapassar R$ 1 trilhão este ano, sem que um centavo tenha sido pago, mas
rolado com mais dívidas. O desarranjo fiscal e estímulos dados à economia, que
já demonstrava boa forma, contribuíram para que o aperto monetário fosse mais
intenso do que deveria.
O novo regime fiscal foi incapaz de
proporcionar mesmo uma evolução suave do endividamento, embora tenha sido
suficiente para impedir que expectativas pessimistas de uma explosão da dívida
se materializasse. O ajuste é muito inferior ao necessário. A dívida bruta do
Brasil, muito superior a dos países emergentes (média de 65%), passará de 82,3%
do PIB no ano que vem, subirá até 2029, para chegar, uma década depois, em
2035, a 82,9% do PIB.
O Tesouro fez as contas para mostrar o
esforço fiscal que seria necessário para manter a dívida bruta em 76,5% do PIB
de 2024 — 0,5 ponto percentual do PIB à meta (crescente) de cada ano. Isso
significa, para o Tesouro, um resultado primário positivo médio de 1,4% do PIB
ao longo de uma década e de 1,8% do PIB entre 2025 e 2029. Em outro exercício,
o Tesouro pondera que o regime fiscal está dado pelos próximos quatro anos e
que um ajuste para levar de volta a dívida bruta ao nível de 2024 exigiria um
superávit primário de 2,3% a partir de 2030.
O Fundo Monetário Internacional, que vê
positivamente a condução da política econômica, em seu relatório anual de
consultas com o Brasil, fez poucas ressalvas e a mais importante delas é
justamente a de que o governo deveria realizar “um esforço fiscal mais
ambicioso e sustentado”. Nas contas dos técnicos do FMI, o expansionismo fiscal
de 2022 a 2024 acrescentou 0,6% de crescimento anual a economia no período. Em
linha com os cálculos do Tesouro, o Fundo recomenda um aumento de 0,5% do PIB
da meta por ano, até atingir um superávit primário de 2,5% do PIB em 2031.
Junto com a realização de reformas estruturais, tais resultados fiscais
“colocariam a dívida bruta do governo central em firme trajetória de baixa de
2028 em diante”.
Os cálculos da dívida bruta brasileira do FMI
são diferentes dos feitos pelo Brasil. Em suas projeções, o endividamento bruto
se estabilizará em 99% do PIB em 2029. As recomendações para melhorar a
trajetória fiscal são as mesmas de boa parte dos economistas brasileiros: fim
do aumento real do salário mínimo, que indexa os gastos da Previdência, dos
Benefícios de Prestação Continuada, abono salarial e seguro desemprego, e
desvinculação dos gastos com educação e saúde do comportamento das receitas.
Ainda que apoie medidas que tornem mais justa a carga tributária, o Fundo não vê com os mesmos olhos que o governo Lula a isenção do IR para salários até R$ 5 mil. Ele acrescentará mais 10 milhões de contribuintes entre os isentos, que somarão 85 milhões, um contingente que “ultrapassa o de muitos países da OCDE”. A medida, segundo os técnicos, reduz a progressividade pretendida, beneficiando pessoas de média e alta renda.
Só Trumps e Bolsonaros lucram com a força
bruta
Folha de S. Paulo
STF não deveria reagir com o fígado a
bravatas do americano quando o julgamento dos acusados de golpe está perto do
fim
A força bruta, a bravata e a politicagem
interessam apenas aos provocadores irresponsáveis da crise entre Brasil e Estados
Unidos, em especial ao seu deflagrador, o presidente Donald Trump,
e aos tartufos do bolsonarismo, que se aliaram ao agressor estrangeiro para
sabotar 213 milhões de brasileiros.
A confusão e as demonstrações meramente
simbólicas de poder adubam o terreno em que viceja o populismo autoritário, e
ninguém com responsabilidade deveria pôr-se a rivalizar com o inquilino da Casa
Branca e a família Bolsonaro nesse picadeiro.
Arrastar a cúpula do Judiciário brasileiro
para essa disputa insólita, como se a ela coubesse algum papel na resposta ao
ataque do presidente dos EUA, é tudo o que desejam Trump e o
ex-presidente Jair
Bolsonaro (PL).
Ambos, a seu modo, não têm nada a perder. O
mandatário americano lançou
a chantagem dentro de sua tática intimidatória. Se ao final sair do embate
com alguma concessão regulatória ou comercial, ou mais impostos contra as
exportações brasileiras, terá se dado por vencedor.
A Jair e a seu filho fujão não resta nada
além da provocação. O julgamento do pai por tentativa de golpe, em que a sua
condenação a vários anos de prisão é o desfecho provável, não passará de
setembro. É certo como o nascer do Sol que Eduardo será julgado e condenado no
mínimo por coação e ficará inelegível e sujeito à cadeia se retornar ao país.
Diante desse quadro, é recomendável que as
autoridades judiciárias resistam a provocações baratas sem a menor chance de
interferir nesses processos, como é o caso do lobby colaboracionista com a Casa
Branca. A resposta diplomática e negocial deve ficar a cargo exclusivamente do
Palácio do Planalto, do Itamaraty e
do Ministério do Desenvolvimento.
A
obsessão censora do ministro Alexandre
de Moraes deveria ser inibida. Soou como demonstração inútil de força
a ordem a uma plataforma de rede social dos EUA para apagar contas de um
blogueiro direitista dias depois de Trump ameaçar o Brasil.
A imposição, também por Moraes, de um
silêncio kafkiano a Jair Bolsonaro tampouco traz qualquer vantagem para o
desiderato da aplicação segura da lei penal. O ex-presidente fica sujeito à
prisão mesmo se terceiros, opositores inclusive, postarem
declarações suas nas redes sociais.
A imprensa, cuja liberdade consta da Carta
como corolário do direito do cidadão de se informar, coloca-se na absurda
situação de publicar entrevistas com o ex-presidente em meios impressos ou nos
sites, mas não nas redes pelas quais muita gente se informa, para não
desencadear o encarceramento do entrevistado.
Esse método, além de constituir um modo
equivocado de lidar com a delinquência no Estado democrático de Direito,
alimenta a besta do populismo autoritário. Apenas os Bolsonaros e os Trumps
lucram quando a irracionalidade que irradiam passa a ser utilizada por seus
opositores.
É preciso mais empenho na negociação sobre
tarifaço
Folha de S. Paulo
Empresas já sofrem com anúncio da taxa;
relação bilateral robusta poderia abrir caminho para minimizar seus efeitos
É exasperante a falta de notícias por parte
do governo brasileiro sobre qualquer avanço nas negociações diplomáticas e
comerciais com os Estados
Unidos a fim de mitigar os efeitos do tarifaço de 50% prometido
por Donald
Trump contra o país, programado para entrar em vigor a partir de 1º de
agosto.
Enquanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) procura
faturar politicamente com a ameaça do americano, malhando adversários
bolsonaristas, vários setores da economia já
colhem os prejuízos ou fazem as contas do que têm a perder. E não é pouco.
No segmento de carnes, o volume de vendas
para os EUA em julho está
80% menor do que em abril. Embarques de frutas e pescados também foram
cancelados, e, segundo levantamento realizado pela Folha, há 30 setores
que direcionam pelo menos um quarto de suas exportações para os EUA, num total
de US$ 20,3 bilhões no ano passado.
Segundo dados da Câmara Americana de Comércio
para o Brasil, os EUA recebem produtos de 9.500 empresas brasileiras.
Levantamento da Moody’s Analytics mostra que o país ocupa o 13º lugar no
ranking de países com mais subsidiárias de empresas americanas no mundo —4.686
companhias, número superior ao do México.
Os dados revelam uma robusta e longeva
relação comercial entre as duas nações e o estrago que o aumento nas tarifas
poderá causar. Certamente mais ao Brasil, no entanto com potencial para afetar
também empreendimentos americanos, além de pressionar a inflação nos EUA.
A negociação oficial deveria, portanto, se
basear nessas evidências, emulando o que alguns setores da economia e empresas
específicas em ambos os países vêm tentando fazer.
Na segunda (21), enquanto Lula declarou que
uma "guerra tarifária [com os EUA] vai começar na hora em que eu der uma
resposta ao Trump", sua equipe econômica passou a considerar possíveis
ações para socorrer atividades que podem vir a ser mais impactadas pelas
tarifas.
Uma
das ideias é instituir um fundo capitalizado pelo Tesouro Nacional,
por meio de créditos extraordinários, o que deixaria esse tipo de dispêndio
fora das regras do arcabouço fiscal. Não seria a primeira vez que o
governo tenta
utilizar esse subterfúgio para expandir gastos, mesmo que haja motivos para
isso.
O fato de essa nova despesa, se autorizada,
não impactar a meta fiscal de 2025 não significa que deixará de aumentar ainda
mais a já elevada dívida pública, maior indicador de solvência do país.
Um caso escandaloso de censura
O Estado de S. Paulo
Moraes impede que declarações de Bolsonaro
sejam divulgadas em redes sociais, mesmo por terceiros, o que é um evidente
abuso – que, de quebra, dá munição ao vitimismo bolsonarista
A missão do Supremo Tribunal Federal (STF) no
julgamento de Jair Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado, entre outros
crimes, é histórica. A um só tempo, ela é jurídica e político-institucional. Ao
fim da Ação Penal (AP) 2.668, caberá à Corte punir com o rigor da lei todos os
que, comprovadamente, atentaram contra a ordem constitucional democrática, na
exata medida de suas responsabilidades. Mas é igualmente vital que o faça com
absoluto respeito ao princípio do devido processo legal e aos direitos e garantias
fundamentais protegidos pela mesma Constituição que os golpistas tentaram
rasgar. Se assim o fizer, o STF transmitirá ao Brasil e ao mundo um potente
recado: o Estado Democrático de Direito dispõe de meios plenamente capazes de
lidar com seus inimigos.
Esse cuidado é tão óbvio que chega a ser
espantoso para este jornal ter de relembrar o que, de fato, está em jogo no
julgamento de Bolsonaro a cada abuso cometido pelo aparentemente todo-poderoso
ministro Alexandre de Moraes, relator da AP 2.668 e dos inquéritos infinitos
que têm bolsonaristas como alvos principais.
No dia 21 passado, no horário autorizado para
sair de casa, Bolsonaro esteve na Câmara para se reunir com correligionários do
PL. Evidentemente, o ex-presidente não perderia a oportunidade de usar a ida ao
Congresso para explorar politicamente o uso da tornozeleira eletrônica, nem
tampouco para se vitimizar perante a imprensa ao deixar o local. Aos
jornalistas, Bolsonaro voltou a dizer que o uso do equipamento era uma “máxima
humilhação”, recorrendo à manjada tática do martírio, tão banal entre populistas
autoritários como ele.
As imagens, é claro, chegaram às redes
sociais. E isso bastou para que Moraes, naquela mesma noite, intimasse os
advogados de Bolsonaro para que explicassem, no prazo de 24 horas, a suposta
violação da proibição de uso das redes sociais pelo ex-presidente – medida
cautelar que, entre outras, em boa hora foi imposta a ele em razão de suas
ações públicas para obstruir o curso da AP 2.668. No despacho, Moraes não
descartou a decretação da prisão preventiva de Bolsonaro caso a resposta de
seus defensores não fosse convincente. Ora, se é para alijá-lo do debate
público, melhor prendê-lo de uma vez.
Moraes cometeu um abuso. As medidas
cautelares foram impostas a Bolsonaro, e não a terceiros que, por dever de
ofício ou apreço pelo ex-presidente, transmitem suas declarações públicas em
veículos de imprensa ou nas redes sociais. Na prática, o STF proibiu Bolsonaro
de conceder entrevistas, pois não há mais conteúdo jornalístico que deixe de
circular pelas redes sociais hoje em dia. O que é isso senão censura prévia? O
que é isso senão uma afronta gritante à garantia constitucional da liberdade de
imprensa?
Agindo assim, irônica e talvez
involuntariamente, Moraes ainda soprou as brasas da própria retórica de
“perseguição política” que Bolsonaro tão bem explora para escamotear a justeza
da persecução criminal ora em curso contra ele. E, de quebra, ainda rasgou a
jurisprudência do próprio STF.
Lembremos que, em 2019, nem a Lula da Silva,
na época preso por corrupção em Curitiba, foi vedado conceder entrevista. Na
ocasião, o então ministro do STF Ricardo Lewandowski afirmou que não era lícito
negar ao apenado o “direito de manter contato com o mundo exterior”.
Lewandowski ainda afirmou que “a plena liberdade de imprensa é categoria
jurídica proibitiva de qualquer tipo de censura prévia”. Ressalte-se: Lula
estava preso, e não meramente submetido a restrições cautelares, como
Bolsonaro.
É lastimável que os padrões do STF mudem a
depender de quem esteja sob julgamento. À Corte, como já sublinhamos nesta
página, não basta ser imparcial – ela precisa parecer imparcial. Sobretudo no
julgamento de Bolsonaro. Num ambiente político já corroído pela polarização,
decisões abusivas como a do sr. Moraes só reforçam a percepção, já instalada em
grande parte da sociedade, de que o STF age por motivações políticas. Isso mina
a autoridade institucional da Corte, que não pode incorrer no erro crasso de combater
o autoritarismo com decisões autoritárias.
O avanço da autogestão patrimonialista
O Estado de S. Paulo
Com aval da Câmara, o Ministério Público, a
título de ‘fortalecer a cidadania’, terá um fundo a seu dispor, cujo controle
será do próprio MP, em caso exemplar da força do corporativismo
A aprovação, pela Câmara dos Deputados, do
Projeto de Lei 1.872/25 – que cria o Fundo de Fortalecimento da Cidadania e
Aperfeiçoamento do Ministério Público da União – oferece uma oportunidade
didática para compreender a dinâmica perniciosa da privatização do Orçamento
público pelas corporações do próprio serviço público.
Sob a justificativa de “fortalecer a
cidadania” e a atuação institucional do Ministério Público (MP), o projeto
inaugura mais um instrumento de autogestão financeira nas mãos de uma elite
insulada do restante da administração pública. O fundo será alimentado por
receitas orçamentárias, taxas judiciais, multas, bens abandonados e até emendas
parlamentares. Seu controle caberá a estruturas internas do próprio MP, sem
participação externa significativa ou supervisão independente.
Embora o uso com despesas com pessoal tenha
sido vedado, o histórico brasileiro não recomenda otimismo. Em vários Estados,
fundos semelhantes vêm sendo usados para cobrir bônus e indenizações. A
proliferação desse modelo escancara o fato de que não se trata de melhorar o
serviço ao cidadão, mas de blindar parcelas do funcionalismo contra o ajuste
fiscal, através da lógica corporativista de apropriação de recursos públicos
por meios legalistas e autorreferidos.
Um exemplo notório do cacoete corporativista
do MP foi a tentativa, em 2019, de criação de uma fundação privada com R$ 2,5
bilhões oriundos do acordo entre a Petrobras e autoridades americanas, a ser
gerida por integrantes da Lava Jato. O MP justificava a operação como um gesto
de compromisso com a sociedade civil. Na prática, criava-se um enclave
financeiro alheio ao Orçamento público, à fiscalização da União e aos
princípios republicanos mais elementares.
Como mostrou o economista Bruno Carazza em
artigo no Valor Econômico, o caso do Ministério Público não é isolado.
Desde 2017, o governo federal já destinou mais de R$ 18 bilhões em honorários
advocatícios a membros da Advocacia-Geral da União, da Fazenda Nacional e de
autarquias, via associação privada criada para gerir recursos de origem pública
sob a ficção de que se trata de “verba privada”.
O Judiciário, por sua vez, institucionaliza
com desenvoltura suas práticas extrativistas, através de auxílios
indenizatórios para burlar o teto constitucional, retroativos fictícios,
monetização de férias não usufruídas ou bônus de “produtividade” extensivos até
a aposentados – artifícios que fizeram a média salarial da magistratura
ultrapassar R$ 66 mil mensais, com 93% dos juízes ganhando acima do teto.
O pano de fundo para esses arranjos é o vácuo
político e fiscal em que o Brasil se encontra. O Executivo é incapaz de
articular cortes consistentes de despesas, paralisado entre maquinações
eleitoreiras e falta de liderança. O Congresso bloqueia qualquer tentativa de
reforma que afete seus interesses, ao mesmo tempo em que protege privilégios
fiscais, amplia exceções tributárias e infla emendas parlamentares. Já o
Judiciário e o MP, livres de pressões orçamentárias, desvirtuam sua
independência institucional para cimentar estruturas de autossustentação
corporativa.
É nesse contexto que o PL 1.872/25, agora nas
mãos do Senado, adquire significado maior. O projeto não é só mais um fundo. É
sintoma de uma degeneração institucional acelerada, na qual o Orçamento público
deixa de ser um instrumento de política nacional e passa a ser esculpido por
castas estatais que capturam pedaços para gerir à margem de controles
democráticos. A parolagem da “cidadania” e da “justiça” serve apenas de verniz
para mascarar o avanço corporativista sobre o dinheiro do contribuinte.
O Brasil precisa de um ajuste fiscal
rigoroso, de uma reforma administrativa consistente e de um pacto institucional
pela eficiência e equidade do gasto público. Em vez disso, assiste à
multiplicação de zonas autônomas dentro do Estado – cada uma com seus “fundos”,
seus privilégios, sua retórica, seu lobby, sua blindagem. A autogestão
corporativa do Orçamento está corroendo os fundamentos republicanos do País, e,
se não for contida, os danos podem ser irreversíveis.
Afronta no ensino infantil
O Estado de S. Paulo
Corte na compra de livros didáticos por
suposta falta de dinheiro é uma vergonha
A decisão do Ministério da Educação (MEC),
sob o pretexto de dificuldades orçamentárias, de não encomendar livros de
História, Geografia, Ciências e Artes pelo Programa Nacional do Livro e do
Material Didático (PNLD) para o ensino fundamental em escolas públicas é uma
afronta ao País. Apenas livros de Português e de Matemática estão garantidos no
PNLD; os demais – que representam em torno de R$ 1 bilhão do gasto total
estimado em R$ 3 bilhões – podem ter a compra postergada, escalonada ou, na
pior das hipóteses, suspensa.
O desfalque inédito do PNLD, que completa 40
anos como raro exemplo de sucesso de políticas públicas voltadas à educação,
com a aquisição e distribuição de livros didáticos para alunos e professores de
todas as escolas públicas, é a síntese da falta de prioridade do governo. O
fato de afetar diretamente crianças do primeiro ciclo escolar, do 1.º ao 5.º
ano, torna ainda mais cruel, indefensável e revoltante a medida do MEC.
A resposta padronizada enviada pelo
ministério ao Estadão, de que estuda fazer a compra escalonada
“considerando o cenário orçamentário desafiador”, não convence nem justifica
tamanha violação ao direito fundamental à educação. Isso não é falta de
dinheiro, mas absoluta falta de vergonha.
Não se pode apelar a um cenário fiscal
“desafiador” para suspender a compra de livros em um Orçamento que prevê, para
este ano, R$ 226 bilhões para a educação pública. Não se pode falar em falta de
dinheiro diante do orçamento de R$ 50,4 bilhões em emendas parlamentares, para
que deputados federais e senadores cumpram a lista de prendas às suas
respectivas paróquias políticas (sem contar o acordo com o governo Lula da
Silva, que elevou para mais de R$ 59 bilhões as dotações do Executivo).
Decididamente, o motivo da suspensão da
aquisição do material escolar não é falta de dinheiro. E ainda que adiante os
livros sejam comprados – como se espera –, somente o fato de ter sido cogitada
a sua suspensão já seria um escândalo. E considerando que o atraso nos
contratos provavelmente fará com que os estudantes iniciem o período letivo sem
o material completo de estudo, não seria exagero atribuir ao MEC
responsabilidade pelo prejuízo à educação básica e aos seus milhões de alunos.
De acordo com reportagem do Estadão, os
livros precisam ser negociados no máximo até agosto com as editoras para que
haja tempo para serem produzidos e estarem nas salas de aula no início do
próximo ano letivo. Do 1.º ao 3.º ano do ensino fundamental, as crianças fazem
seus exercícios nos próprios exemplares, o que torna ainda prejudicial a compra
parcial.
Em carta endereçada ao ministro da Educação, Camilo Santana, a Associação Brasileira dos Autores de Livros Educativos (Abrale) avalia que a situação “nos coloca a meio caminho do negacionismo da ciência, da arte e do saber historicamente acumulado”. Uma forma educada de lembrar ao senhor ministro que na educação o livro é a prioridade das prioridades.
Sintomas de declínio na influência dos EUA
Correio Braziliense
Além de encarecer a vida do cidadão, Trump
cria uma série de incertezas no mercado financeiro e ameaça a hegemonia do
dólar — principal moeda do mundo, justamente por ser menos volátil a decisões
políticas
Desde o fim da Guerra Fria, o mundo convive
com uma inegável hegemonia dos Estados Unidos. Nas últimas décadas, a vontade
dos EUA sempre prevaleceu em três setores fundamentais para todo país: cultura,
economia e poder militar. Nos últimos anos, porém, é flagrante a queda da
influência estadunidense ao redor do globo — apesar de ela se manter
bastante significativa. Os impactos da guerra tarifária de Trump nas economias,
entre elas a brasileira, mais recentemente, colocam essa tendência à prova.
No campo militar, o apoio dos Estados Unidos
ao Estado de Israel, a partir do treinamento de agentes e da cessão de
armamentos, provoca um inegável desgaste à imagem de Washington. É
impossível fechar os olhos do mundo para a destruição da Faixa de Gaza,
inclusive, com medidas israelenses para dificultar a chegada de ajuda
humanitária a civis que estão morrendo de fome.
Na cultura, a hegemonia norte-americana se
mantém, mas começa a ser desafiada na música, por exemplo, com a imensa
popularidade do k-pop, gênero musical originado na Coreia do Sul, que usa uma
grande variedade de elementos audiovisuais amigáveis aos algoritmos das redes
sociais. No esporte, nos Jogos Olímpicos, o antes inquestionável domínio da
delegação dos EUA tem sido desafiado pela China. Em Paris 2024, empataram em
medalhas de ouro, por exemplo.
Na economia, os Estados Unidos têm enfrentado
diversos desafios, principalmente pela ascensão chinesa na área da tecnologia.
O exemplo mais emblemático da vez passa pelas chamadas terras raras, minas com
elementos químicos fundamentais para diversas áreas, como carros elétricos,
turbinas eólicas, eletrônicos, equipamentos militares (como drones) e
equipamentos médicos. Também são usadas na transformação do petróleo em
gasolina, apesar de esses elementos não serem essenciais ao processo, pela
existência de produtos alternativos.
Nas terras raras, inclusive, o Brasil ocupa
espaço importante ao concentrar cerca de 25% da oferta mundial, sendo superado
apenas pela China, que detém aproximadamente 45%. Apesar de terem
representatividade nesse mercado, os EUA, pela sua enorme produção militar e de
carros elétricos, se colocam em posição desfavorável na negociação com Brasil e
China, diante dos desgastes geopolíticos recentes provocados por Trump.
Porém, nem todos esses fatores têm relação
direta com o governo Trump. Muitos, como o dano à imagem internacional por
conta de guerras, começaram em gestões anteriores - sobretudo nas invasões do
Afeganistão e do Iraque (George W. Bush) e antes, do Vietnã (Richard Nixon). No
entanto, há evidências realçadas pelo trumpismo que merecem destaque.
Entre elas, a diminuição do chamado
"soft power" estadunidense — a capacidade do país de influenciar
outras nações pela persuasão, não só pela força. A política externa de Trump
nada tem de "suave", usando a tradução direta do termo. Não há
cadência, mas, sim, uma pressão exercida pelo poder militar e econômico.
A crise geopolítica traz reflexos diretos ao
chamado American Way of Life. A partir do endurecimento do tarifaço, a inflação
dos EUA atingiu seu mais alto patamar em quatro meses em junho, fechada em 2,7%
no índice acumulado do ano, uma alta de 0,3% mensal.
Além de encarecer a vida do cidadão, Trump
cria uma série de incertezas no mercado financeiro e ameaça a hegemonia do
dólar — principal moeda do mundo, justamente por ser menos volátil a
decisões políticas, graças a uma muito cultuada independência do Sistema de
Reserva Federal (FED, na sigla em inglês, o Banco Central estadunidense).
Apesar de não ser o único culpado, o governo Trump é simbólico, em várias medidas, para o declínio da influência dos EUA. Há tempo para reverter o cenário, mas a Casa Branca encara o panorama mais desafiador em décadas.
Governo e empresas preparam-se para o
tarifaço
O Povo (CE)
Não perca de vista que a maior potência
econômica e militar do planeta abriu uma guerra comercial, com aspectos
políticos, contra o Brasil
O dia 1º de agosto se aproxima e nada indica
que haverá acordo entre a Casa Branca e o Palácio do Planalto para reduzir a
tarifa de 50% sobre os produtos brasileiros, imposta pelo presidente americano
Donald Trump.
Em seus argumentos para justificar o
tarifaço, os Estados Unidos apresentam falsas razões econômicas e incluem
uma pauta política, que vai desde exigência de anistia para o
ex-presidente Jair Bolsonaro, reivindicações para favorecer as big techs e
ameaça de taxar os países do Brics.
O governo brasileiro tentou separar as duas
questões, mas até agora não há indicativos de que Washington esteja
disposto a abandonar a verdadeira chantagem que move contra o Brasil, mal
conseguindo esconder suas motivações políticas.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva já
avisou que insistirá nas negociações, alertando que vai garantir a soberania brasileira,
restringindo as negociações aos seus aspectos econômicos. Se não houver acordo,
ou adiamento da data para o tarifaço entrar em vigor, Lula avisou que será
aplicada política de reciprocidade econômica.
As tensões se agravaram depois que o
secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, anunciou a suspensão do visto de
Alexandre de Moraes e outros sete ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
Ficaram fora da sanção somente os ministros André Mendonça, Nunes Marques e
Luiz Fux.
Frente a essa situação, a diplomacia brasileira
e o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio e Serviços (MDIC),
dirigido pelo vice-presidente Geraldo Alckmin, vêm atuando em várias frentes,
como o direcionamento das exportações brasileiras para outros mercados, como
China e União Europeia.
Além disso, o Brasil vai recorrer a foros
internacionais, como a Organização Mundial do Comércio (OMC), mas essa saída é
vista apenas como simbólica, pois a OMC foi desmantelada pela
política de Trump de desprezar as instituições multilaterais.
A providência mais efetiva que o governo está
tomando é um estudo, com a participação de empresários das áreas que
serão atingidas, para buscar soluções que possam reduzir rapidamente o impacto
do aumento das tarifas.
Em entrevista à rádio CBN, o ministro da
Fazenda, Fernando Haddad, aventou a possibilidade de um "plano de
contingência", incluindo a criação de linhas emergenciais de
crédito para os setores afetados.
Segundo disse o ministro à Agência Brasil, o
programa não implicará em gastos que prejudiquem a meta de resultado primário,
pois o governo pretende adotar outros instrumentos, além do aumento
de despesas, como abrir linhas de crédito.
No entanto, é preciso lembrar que o
tarifaço pode produzir uma crise aguda, na qual o governo precisará do
apoio do Congresso e da sociedade para enfrentá-la. Não se pede à oposição que
abandone sua ideologia. Mas que não perca de vista que a maior potência
econômica e militar do planeta, abriu uma guerra comercial, com aspectos
políticos, contra o Brasil. Confrontar essa violência deveria unir todos os
brasileiros.
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