quarta-feira, 23 de julho de 2025

Simpatia de Trump por Bolsonaro é parte de padrão ‘alarmante’ - Edward Luce

Valor Econômico/ Financial Times

Assessores poderiam apontar para o presidente dos EUA que ele está atrapalhando a própria agenda de interesses

Você está mal nas pesquisas? Preocupado em ser esquecido nas eleições? Mark Carney, do Canadá, Anthony Albanese, da Austrália, e, agora, Luiz Inácio Lula da Silva, do Brasil, têm uma solução para você. Basta que Donald Trump lance uma guerra comercial contra seu país. Poucas coisas são melhores para arregimentar eleitores em torno à bandeira de um país do que o ataque de uma superpotência contra o bolso deles.

O primeiro pontífice dos Estados Unidos, Robert Francis Prevost, também poderia creditar sua eleição a Trump, embora o Vaticano não seja uma entidade comercial. Trump e o falecido papa Francisco, antecessor do papa Leão XIV, não nutriam grande admiração entre si.

Na cartilha de Trump, no entanto, o Brasil está em uma categoria à parte. No início de julho, citando o processo contra Jair Bolsonaro, o presidente anterior do Brasil, Trump prometeu impor tarifas de 50% sobre os produtos da segunda maior democracia do Hemisfério Ocidental, a menos que o julgamento contra o político autoritário fosse cancelado. Poucos dias depois, o secretário de Estado americano, Mark Rubio, anunciou a revogação do visto entrada nos EUA do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, que preside as audiências do processo contra Bolsonaro.

A medida de Rubio pode ser classificada como algum daqueles momentos “me belisque para que eu acredite”. O senador republicano construiu sua marca política ao apregoar os valores democráticos dos EUA e o Estado de Direito. Agora, ele pune o sistema legal de uma democracia irmã por fazer valer a lei.

Bolsonaro, vale lembrar, aguarda julgamento pela acusação de apoiar uma tentativa violenta de reverter a eleição presidencial de 2021, vencida por Lula. O golpe malsucedido de Bolsonaro se deu um ano e dois dias depois uma acusação similar de tentativa de reversão democrática contra Trump, na esteira de sua derrota para Joe Biden.

O paralelo entre Trump e Bolsonaro é extraordinário. A diferença é que Bolsonaro está sendo responsabilizado. Para o caso de que ainda restem dúvidas, na semana passada, Rubio instruiu os diplomatas americanos para que evitem “opinar sobre a justiça ou integridade de um processo eleitoral, sua legitimidade ou os valores democráticos do país em questão”.

Para ser justo com Rubio, é frequente que a pregação dos americanos muitas vezes se volte contra eles próprios. O mundo presta atenção ao que os EUA fazem, não ao que dizem. No entanto, se hoje existe algum exemplo liberal democrático no hemisfério de Rubio, ele vem de Brasília e Ottawa. Por enquanto, Washington se autoexcluiu.

O que os parceiros comerciais dos EUA - democracias ou não - deveriam interpretar disso? Meu colega, Alan Beattie, observa corretamente que, quando se trata de Trump e comércio exterior, “ninguém sabe de nada”. Trump, de fato, se orgulha de sua imprevisibilidade. Ainda assim, há dois padrões visíveis.

O primeiro é que, mesmo dentro dos termos mercantilistas de Trump, suas ações não fazem sentido. Os EUA têm superávit comercial com o Brasil. O país de Lula, portanto, deveria ficar isento das tarifas do “dia da libertação” de Trump.

Caso Trump tenha alguma motivação não econômica em mente, como ajudar um companheiro autoritário, a lógica dele também se autodestrói. Entre as principais vítimas de uma tarifa de 50% sobre o Brasil estariam os pecuaristas e exportadores de café brasileiros. Ambos os setores são redutos de Bolsonaro.

Trump, portanto, está beneficiando a posição de Lula, não a de Bolsonaro. Não é surpresa que a situação de Lula tenha melhorado. Tampouco surpreende Lula reclamar de que Trump foi eleito presidente dos EUA, não “imperador do mundo”.

O segundo padrão na política comercial de Trump é a incontinência imperial. Na cabeça dele, tarifas são algo lindo. Elas lhe dão influência sobre o acesso do resto do mundo ao enorme mercado consumidor dos EUA. A saber, o líder autoritário da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, foi alvo de uma tarifa de meros 10% imposta por Trump, e isso, apesar de a Turquia, ao contrário do Brasil, ter superávit comercial com os EUA.

O fato de Erdogan ter recentemente prendido vários prefeitos da oposição, como Ekrem Imamoglu, um provável oponente seu em uma disputa presidencial, não é pecado aos olhos de Trump. A guinada Erdogan para a autocracia pode até ter feito o presidente americano ver a Turquia de forma mais favorável.

Como é frequente com Trump, no fundo, seu impulso contém um fragmento de mérito. A promoção da democracia pelos EUA tem um histórico irregular. Reorientar Washington para a neutralidade seria uma jogada respeitável, que poderia se mostrar até mais eficaz em disseminar o exemplo democrático. Trump, porém, está no ramo da promoção das autocracias. As democracias parceiras, compreensivelmente, estão alarmadas.

As reclamações mais indignadas, entretanto, deveriam vir dos assessores protecionistas de Trump. Caso conseguissem encontrar sua própria voz, poderiam apontar que Trump está atrapalhando a própria agenda de interesses. Na forma de ver desses assessores, o sentido das tarifas é fortalecer a capacidade produtiva interna dos EUA. Trump, por sua vez, vem usando essa ferramenta para o que quer que lhe caia bem. E, uau, como os autocratas lhe caem bem.

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