Valor Econômico/ Financial Times
Assessores poderiam apontar para o presidente dos EUA que ele está atrapalhando a própria agenda de interesses
Você está mal nas pesquisas? Preocupado em
ser esquecido nas eleições? Mark Carney, do Canadá, Anthony Albanese, da
Austrália, e, agora, Luiz Inácio Lula da Silva, do Brasil, têm uma solução para
você. Basta que Donald Trump lance uma guerra comercial contra seu país. Poucas
coisas são melhores para arregimentar eleitores em torno à bandeira de um país
do que o ataque de uma superpotência contra o bolso deles.
O primeiro pontífice dos Estados Unidos,
Robert Francis Prevost, também poderia creditar sua eleição a Trump, embora o
Vaticano não seja uma entidade comercial. Trump e o falecido papa Francisco,
antecessor do papa Leão XIV, não nutriam grande admiração entre si.
Na cartilha de Trump, no entanto, o Brasil está em uma categoria à parte. No início de julho, citando o processo contra Jair Bolsonaro, o presidente anterior do Brasil, Trump prometeu impor tarifas de 50% sobre os produtos da segunda maior democracia do Hemisfério Ocidental, a menos que o julgamento contra o político autoritário fosse cancelado. Poucos dias depois, o secretário de Estado americano, Mark Rubio, anunciou a revogação do visto entrada nos EUA do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, que preside as audiências do processo contra Bolsonaro.
A medida de Rubio pode ser classificada como
algum daqueles momentos “me belisque para que eu acredite”. O senador
republicano construiu sua marca política ao apregoar os valores democráticos
dos EUA e o Estado de Direito. Agora, ele pune o sistema legal de uma
democracia irmã por fazer valer a lei.
Bolsonaro, vale lembrar, aguarda julgamento
pela acusação de apoiar uma tentativa violenta de reverter a eleição
presidencial de 2021, vencida por Lula. O golpe malsucedido de Bolsonaro se deu
um ano e dois dias depois uma acusação similar de tentativa de reversão
democrática contra Trump, na esteira de sua derrota para Joe Biden.
O paralelo entre Trump e Bolsonaro é
extraordinário. A diferença é que Bolsonaro está sendo responsabilizado. Para o
caso de que ainda restem dúvidas, na semana passada, Rubio instruiu os
diplomatas americanos para que evitem “opinar sobre a justiça ou integridade de
um processo eleitoral, sua legitimidade ou os valores democráticos do país em
questão”.
Para ser justo com Rubio, é frequente que a
pregação dos americanos muitas vezes se volte contra eles próprios. O mundo
presta atenção ao que os EUA fazem, não ao que dizem. No entanto, se hoje
existe algum exemplo liberal democrático no hemisfério de Rubio, ele vem de
Brasília e Ottawa. Por enquanto, Washington se autoexcluiu.
O que os parceiros comerciais dos EUA -
democracias ou não - deveriam interpretar disso? Meu colega, Alan Beattie,
observa corretamente que, quando se trata de Trump e comércio exterior,
“ninguém sabe de nada”. Trump, de fato, se orgulha de sua imprevisibilidade.
Ainda assim, há dois padrões visíveis.
O primeiro é que, mesmo dentro dos termos
mercantilistas de Trump, suas ações não fazem sentido. Os EUA têm superávit
comercial com o Brasil. O país de Lula, portanto, deveria ficar isento das
tarifas do “dia da libertação” de Trump.
Caso Trump tenha alguma motivação não
econômica em mente, como ajudar um companheiro autoritário, a lógica dele
também se autodestrói. Entre as principais vítimas de uma tarifa de 50% sobre o
Brasil estariam os pecuaristas e exportadores de café brasileiros. Ambos os
setores são redutos de Bolsonaro.
Trump, portanto, está beneficiando a posição
de Lula, não a de Bolsonaro. Não é surpresa que a situação de Lula tenha
melhorado. Tampouco surpreende Lula reclamar de que Trump foi eleito presidente
dos EUA, não “imperador do mundo”.
O segundo padrão na política comercial de
Trump é a incontinência imperial. Na cabeça dele, tarifas são algo lindo. Elas
lhe dão influência sobre o acesso do resto do mundo ao enorme mercado
consumidor dos EUA. A saber, o líder autoritário da Turquia, Recep Tayyip
Erdogan, foi alvo de uma tarifa de meros 10% imposta por Trump, e isso, apesar
de a Turquia, ao contrário do Brasil, ter superávit comercial com os EUA.
O fato de Erdogan ter recentemente prendido
vários prefeitos da oposição, como Ekrem Imamoglu, um provável oponente seu em
uma disputa presidencial, não é pecado aos olhos de Trump. A guinada Erdogan
para a autocracia pode até ter feito o presidente americano ver a Turquia de
forma mais favorável.
Como é frequente com Trump, no fundo, seu
impulso contém um fragmento de mérito. A promoção da democracia pelos EUA tem
um histórico irregular. Reorientar Washington para a neutralidade seria uma
jogada respeitável, que poderia se mostrar até mais eficaz em disseminar o
exemplo democrático. Trump, porém, está no ramo da promoção das autocracias. As
democracias parceiras, compreensivelmente, estão alarmadas.
As reclamações mais indignadas, entretanto, deveriam vir dos assessores protecionistas de Trump. Caso conseguissem encontrar sua própria voz, poderiam apontar que Trump está atrapalhando a própria agenda de interesses. Na forma de ver desses assessores, o sentido das tarifas é fortalecer a capacidade produtiva interna dos EUA. Trump, por sua vez, vem usando essa ferramenta para o que quer que lhe caia bem. E, uau, como os autocratas lhe caem bem.
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