Por Renata Agostini e Sérgio Roxo / O Globo
Edinho Silva afirma que que todas as lideranças da sigla terão de 'cumprir missões' nas eleições do ano que vem, o que inclui Haddad, que tem dito não querer se candidatar
Novo presidente do PT, Edinho Silva diz que o tarifaço anunciado por Donald Trump e a discussão sobre justiça tributária, colocada na rua após o Congresso derrubar o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), fizeram com que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva conseguisse, pela primeira vez desde sua posse, conversar com parte do eleitor de Jair Bolsonaro. Em entrevista ao GLOBO, ele vê essa aproximação com o que chama de eleitor "conjuntural" do ex-presidente. "Não é o eleitor ideológico, convicto", avalia. Edinho, que tomará posse em agosto e dirigirá a legenda até 2029, afirma que todas as lideranças do PT terão de “cumprir missões” nas eleições do ano que vem, e isso inclui o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que tem dito não querer se candidatar. O novo presidente do PT ainda defende uma reforma política com a adoção do voto em lista para a Câmara, com os indicados escolhidos pelos partidos.
O tarifaço de Trump deu ao
PT e a Lula a oportunidade de defender a soberania nacional, abraçar o “verde e
amarelo”, que ficou associado aos bolsonaristas. Continuarão investindo nessa
comunicação?
O governo não planejou o que
está acontecendo, tampouco o partido. É uma reação ao governo Trump, que usa a
concepção de coerção econômica mundial. Ele usou isso praticamente com todos os
grandes parceiros. Ele está criando as condições para a Terceira Guerra
Mundial, só que ela não será bélica, será econômica. O governo foi
surpreendido. Além da guerra tarifária, ele politizou. Interferiu na soberania
nacional ao querer dizer de que forma as nossas instituições têm que funcionar.
Então, ele estimula que haja a defesa do país. Não temos outro caminho. Ou nós
vencemos esse embate ou o Brasil vira um quintal dos EUA.
Lula contribuiu para que
chegássemos a esse ponto ao dar ênfase ao Brics e não se empenhar em ter
interlocução com Trump?
O governo Lula se manifestou
na posse do Trump. Isso é um baita gesto. Em relação ao Brics, é uma leitura
muito equivocada achar que o Brasil não tem direito de se organizar do ponto de
vista econômico. Diante do tarifaço do Trump que começa a se propagar para o
mundo, é evidente que você tem que buscar alternativa.
O senhor já falou em baixar
a temperatura da polarização com Bolsonaro. É possível?
Deveríamos caminhar para
trazer para nosso campo aquele eleitor do Bolsonaro que votou por uma questão
conjuntural, que não é o eleitor ideológico, convicto. Sempre defendi que
fôssemos capazes de dialogar com esse eleitor. Agora está acontecendo pela primeira
vez desde a posse. As entregas do governo não mexeram na opinião pública, mas o
debate sobre o modelo de sociedade mexe.
O senhor se refere a quê?
Quando discutimos justiça
tributária, estamos debatendo o modelo de Brasil que queremos construir: um
Brasil de privilégios ou um Brasil de igualdade de oportunidade. Aí veio Trump
dizendo ao Brasil como as nossas instituições têm que funcionar. Novamente,
você vê a sociedade se movendo na defesa do Brasil. Mexemos na opinião pública.
O senhor acredita que o
eleitor não ideológico, de terceira via, espera um Lula que se apresente em
2026 mirando mais ao centro?
Ele espera que o Lula
defenda o Brasil, que defenda um projeto de desenvolvimento no país. Nisso que
a gente tem que melhorar a nossa capacidade de dialogar. Que Brasil queremos
deixar para as futuras gerações? Esse é o debate.
Seu perfil é mais moderado,
mas o senhor assume o PT no momento em que há embate com o Congresso e com
forças políticas por causa do tarifaço. Como vai lidar com isso?
Vou continuar dialogando.
Vivemos um momento de uma confusão institucional. Durante os governos Temer e
Bolsonaro, tivemos uma descaracterização do presidencialismo. O Congresso hoje
executa R$ 52 bilhões do Congresso. O Congresso expropriou do Executivo boa
parte das suas atribuições.
O que fazer?
Temos uma contradição
estrutural. É o IOF, amanhã vai ser outro tema. O tempo todo o Congresso
reivindica. Em todas as votações, tem que aumentar o volume de emendas
liberadas. Essa contradição precisa ser superada. No caso do IOF, o governo
tinha aberto uma negociação. Achar que ia impor uma derrota daquele tamanho ao
Lula e pensar que ele não ia reagir? Teve um erro grande de leitura.
Dos partidos de centro, quem
pode estar com Lula em 2026?
Não consigo antecipar essa
conversa. Agora, penso que o Brasil precisa fazer uma reforma política e
eleitoral. Deveríamos debater o voto em lista, como as grandes democracias no
mundo fazem. No máximo, caminhar para um modelo de voto distrital misto. Os partidos
têm que ser maiores do que são. Hoje, ou você atende o varejo ou não forma mais
maioria.
O ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, saiu maior da crise do IOF?
Haddad é o ministro mais
vitorioso do governo Lula. Ele pegou agendas difíceis, obteve vitórias
importantes e agora está fazendo o debate que o mundo terá de fazer, que é o da
reforma da renda. Não existe governo vitorioso com ministro da Fazenda derrotado.
Haddad se cacifou como
sucessor do Lula?
O sucessor virá em 2030. Em
2026, o candidato é o Lula. Até 2030, tem muita coisa para acontecer.
Mas sua presidência no PT
terá de passar pela construção da sucessão.
Vou usar a frase do
presidente Lula: o sucessor não será um nome, será o partido. Se o PT estiver
forte, temos condições de construir lideranças. Se o PT não estiver entendendo
o que a sociedade espera, essa possibilidade diminui muito.
O senhor mantém a ideia de
convencer Haddad e Alckmin a disputarem a eleição paulista?
O que tenho dito é: as eleições de 2026 são tão importantes que todas as nossas grandes lideranças terão de cumprir missões. Absolutamente todas. Vamos conversar com o PSB, com Alckmin. E é evidente que Haddad terá de cumprir missões também.
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