quarta-feira, 23 de julho de 2025

Lula e Bandung – Cristovam Buarque*

Correio Braziliense

Bolsonaro e seus aliados ajudaram, Trump catapultou. Lula teve a firmeza e o vazio de lideranças mundiais fez aflorar um novo líder planetário

Em 1955, líderes mundiais se reuniram na cidade de Bandung, na Indonésia, para criar um movimento de países não alinhados com a União Soviética (URSS) nem com os Estados Unidos (EUA). Lutavam contra o colonialismo, pela soberania e pelo desenvolvimento nacional. Os líderes reunidos naquela conferência tornaram-se figuras icônicas em todo o mundo. Jawaharlal Nehru, Gamel Abdel Nasser, Chou En-Lai, Sukarno encarnaram o ideal de independência e progresso, simbolizando a possibilidade de que os países descolonizados superassem a pobreza e não fossem submetidos nem à Casa Branca nem ao Kremlin. No mundo inteiro, esses nomes passaram a significar independência e aspiração ao desenvolvimento econômico dos países libertados, livres da tutela das duas potências de então. Setenta anos depois, pode-se dizer que Bandung foi vitoriosa. 

Os países da África, Ásia e América Latina venceram a luta pela descolonização e se industrializaram, urbanizaram e passaram a ter parcelas de suas populações vivendo nos níveis de vida equivalentes aos países desenvolvidos. A China transformou-se na segunda maior potência econômica do planeta e sua estabilidade política e o uso estratégico dos recursos em prol do desenvolvimento tecnológico e econômico, além das relações internacionais de forma pragmática e respeitosa, indicam que em breve será a primeira potência. Enquanto a China oferece aeroportos, portos, rodovias e ferrovias, os EUA exigem submissão a seus valores culturais e ameaçam com tarifas e outras armas aos países que não seguem os desejos da Casa Branca, exigindo, inclusive, quebrar as regras e as leis para dar tratamento privilegiado aos políticos afinados e subordinados à sua vontade, mesmo se golpistas.

O desaparecimento da União Soviética, bem como a derrocada do socialismo, como alternativa social e econômica, somados ao avanço industrial das ex-colônias, fizeram parecer que não havia necessidade de movimentos de não alinhados. O mundo parecia caminhar para uma globalização com progresso econômico para todos, erradicação da pobreza e redução da desigualdade. Mas o crescimento econômico das últimas décadas não erradicou a pobreza, concentrou riqueza, induziu a migração em massa e provocou mudanças climáticas, criou as big techs, que se consideram donas do mundo. Diante dos limites ao crescimento, a democracia passou a erguer muros em vez de pontes entre ricos e pobres — entre países e também dentro deles.

É nesse contexto que os Estados Unidos elegem Donald Trump, cuja postura nacionalista e isolacionista passou a assustar dirigentes ao redor do mundo, contrariados com as decisões do governo norte-americano, mas sem lideranças globais com força moral à altura do momento para enfrentar a volta do colonialismo. Nesse vazio de lideranças, ao enfrentar a imposição de tarifas para dominar o funcionamento de nosso sistema judiciário, Lula se projeta como líder mundial, transforma-se na esperança de pessoas que, ao redor do mundo, estão revoltadas com os arroubos megalomaníacos, desvairados e irresponsáveis do Trump.

Essa reação do Brasil, independente das consequências ainda não conhecidas, porque novas armas podem ser usadas — bloqueio de portos, expulsão de alunos, rompimento de cooperação científica — está transformando o presidente Lula em um líder mundial. Não vai demorar para seu nome aparecer em manifestações de jovens ao redor do mundo. Bolsonaro e seus aliados ajudaram, Trump catapultou. Lula teve a firmeza e o vazio de lideranças mundiais fez aflorar um novo líder planetário. Mas, para além de aflorar, os líderes precisam se afirmar: liderar não é apenas enfrentar, precisa propor rumos.

Em Bandung, os líderes tinham dois propósitos: vencer o colonialismo político e o subdesenvolvimento econômico. Uma liderança nova precisa enfrentar Trump, mas também formular com racionalidade alternativa às grandes crises planetárias: a pobreza global, inclusive nos EUA, o desequilíbrio ecológico e suas catástrofes, a desigualdade e o desumanismo dos muros contra imigrantes que buscam sobrevivência, a força das big techs que se consideram donas do Planeta, a corrupção e o crime internacionais.

O Brasil não teve líder em Bandung, mas daqui pode surgir a liderança para um desenvolvimento humanista, em equilíbrio com a natureza e com justiça social, entendendo que, em 1955, o mundo ainda era a soma dos países, em 2025, cada país é um pedaço do mundo.

*Cristovam Buarque, professor emérito da Universidade de Brasília (UnB)

 

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