Correio Braziliense
O “grande cargueiro” conduzido pelo
temperamento abusivo e errático de Trump impõe sua rota ao mundo, sem se
preocupar com os pequenos ou médios navegantes. É melhor corrigir o curso
para evitar o naufrágio
Quando a marcação (rumo) é constante e a
distância diminui, a rota é de colisão, diz uma regra básica de navegação. O
direito de passagem é sempre daquele que tem maior dificuldade de manobra, por
exemplo, um barco à vela em relação ao barco a motor. Entretanto, qualquer
velejador experiente sabe que a regra não funciona quando o rumo cruzado é com
um grande cargueiro. Nesse caso, é melhor ser feliz do que ter razão, ou seja,
corrigir o curso para evitar um naufrágio.
A rota de colisão entre Trump e Lula não é apenas uma metáfora de relações diplomáticas tensas, mas um dilema real para o Brasil, que precisa equilibrar interesses comerciais estratégicos com a defesa de sua soberania e da democracia. O “grande cargueiro” norte-americano, conduzido pelo temperamento abusivo e errático de Trump, impõe sua rota ao mundo, sem se preocupar com os pequenos ou médios navegantes. O Brasil, nesse cenário, precisa escolher entre ser “feliz” – preservando sua democracia e autonomia -, como fariam os experientes velejadores, ou “ter razão” e colidir com a potência hegemônica.
O elemento objetivo da crise é a
reorganização das cadeias de valor da economia mundial, com os Estados Unidos
tentando reverter décadas de globalização em favor de um protecionismo
agressivo. A taxação de 35% sobre as exportações brasileiras, igualando-se ao
que foi imposto ao Canadá e à União Europeia, já seria motivo suficiente para
grande preocupação no agronegócio e na indústria. Entretanto, os 15% adicionais
no tarifaço contra o Brasil têm claro componente político e ideológico. São o
resultado direto das articulações do deputado licenciado Eduardo Bolsonaro
(PL-SP) nos Estados Unidos, com o objetivo de enfraquecer as instituições
brasileiras e criar constrangimentos econômicos que possam repercutir no
julgamento de seu pai, o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Essa tentativa de internacionalizar o caso
Bolsonaro com a ajuda de Trump representa um risco real para a democracia no
Brasil. Ontem, em Londres, Steven Levitsky, autor do best-seller Como as
democracias morrem e professor da Universidade de Harvard, em entrevista à
repórter Julia Braun, da BBC-Brasil, disse que, hoje, “o Brasil é um sistema
mais democrático do que os Estados Unidos”, porém, “esse pode não ser o caso
daqui a um ano”. Atualmente, segundo ele, “as instituições brasileiras estão
funcionando melhor”.
Responderam melhor às ameaças golpistas de 8
de janeiro de 2023 do que os Estados Unidos reagiram à invasão do Capitólio em
2021, porém, essa resiliência institucional está sendo colocada à prova. “O
Supremo Tribunal Federal cumpriu um papel essencial na defesa do Estado
Democrático de Direito, mas precisa retornar ao seu devido lugar quando a crise
for superada”, disse Levitsky. Para ele, há uma linha tênue entre a proteção da
democracia e o risco de hipertrofia do Judiciário em um sistema republicano.
Conexões diretas
Diferentemente do apoio estruturado de
Washington a golpes militares nos anos 1960 e 1970, o movimento atual é
descrito por Levitsky como “personalizado, desinformado e arrogante”. A
diferença, porém, não o torna menos perigoso. Se antes se tratava de uma
política de Estado, hoje, é um “capricho pessoal de Trump”, mas se vale dos
mesmos instrumentos de poder econômico e diplomático da Casa Branca.
No Brasil, a crise se agrava com as medidas
judiciais contra Bolsonaro. As restrições impostas pelo ministro Alexandre de
Moraes, aprovadas pelo plenário do STF com apenas um voto contrário, colocaram
o ex-presidente em regime de recolhimento domiciliar noturno e de fim de
semana, monitorado por tornozeleira eletrônica. A proibição de manter contato
com autoridades estrangeiras e de frequentar sedes diplomáticas tem uma
motivação clara: evitar que Bolsonaro busque refúgio político ou use seu
prestígio junto à direita internacional para tensionar ainda mais as relações
com os Estados Unidos.
Entretanto, o voto isolado do ministro Luiz
Fux, que considerou desproporcionais essas medidas cautelares, reacendeu o
debate sobre os limites entre a proteção da ordem pública e a preservação das
liberdades individuais. O magistrado apontou que restrições tão amplas à
liberdade de expressão e de locomoção só deveriam ocorrer mediante demonstração
inequívoca da necessidade. Moraes, por sua vez, justificou a decisão com base
em indícios de tentativa de obstrução da Justiça e na utilização de
instrumentos econômicos para constranger o Judiciário.
Bolsonaro transferiu R$ 2 milhões via Pix a
Eduardo durante o período em que o filho articulava sanções contra o Brasil nos
Estados Unidos. Segundo Moraes, trata-se de uma “vultosa contribuição
financeira”, com o objetivo claro de interferir na atividade jurisdicional,
abalar a economia do país e intimidar agentes públicos.
Essa linha de investigação fortalece a tese
de que há uma conexão direta entre a crise diplomática e a tentativa de golpe.
A retórica de Eduardo e outras lideranças do PL, como o deputado Sóstenes
Cavalcante, líder da bancada na Câmara, retoma o discurso e propõe ações muito
semelhantes à trajetória golpista que antecedeu o 8 de janeiro, como a
mobilização dos caminhoneiros contra o Supremo. As ameaças de Eduardo e de seus
aliados se estribam nas declarações agressivas de Trump e do secretário de
Estado, Marco Rubio, que desejam pôr de joelhos o governo Lula.
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