O Globo
Que fazer com os produtos que não poderão ser
destinados aos Estados Unidos? Depende do setor, mas todos perderão
Só existe uma possibilidade de Brasil e Estados Unidos estabelecerem
uma negociação técnica em torno das tarifas: a reviravolta completa na posição
do presidente Donald Trump. Ele precisaria abandonar o tipo de chantagem que
impôs — trocar o tarifaço pela anistia a Bolsonaro. Qual a chance de acontecer?
Perto de zero.
O leitor certamente estranhará esse “perto” de zero. Mas estamos falando de Trump, um político que não tem nenhum problema em mudar de lado. E sabemos que, nos meios empresariais americanos, muita gente tem dito, nos bastidores, que seria mau negócio também para os Estados Unidos derrubar o comércio com o Brasil. Mas abandonar a chantagem seria abandonar Bolsonaro. Improvável, se não impossível. Além disso, Trump não está nem um pouco preocupado com questões técnicas.
Questionado sobre o porquê de ameaçar o
Brasil com a tarifa de importação mais alta, quando se sabe que o comércio
bilateral apresenta superávit para os Estados Unidos, Trump respondeu:
— Porque eu posso.
Tudo considerado até aqui, só resta ao
governo brasileiro entender que a economia será mesmo punida com uma tarifa de
50% para vender produtos brasileiros no mercado americano. Na verdade, trata-se
de uma tarifa para não vender os produtos por lá. Um choque forte: cerca de 10%
das exportações brasileiras vão para os Estados Unidos, e praticamente todas
elas ficam inviabilizadas.
Decorre daí uma questão econômica imediata: o
que fazer com os produtos que não poderão ser destinados aos Estados Unidos?
Depende do setor, mas todos perderão. Produtores de mangas do Vale do São
Francisco estão com tudo pronto para embarcar as frutas para os Estados Unidos,
com espaço já reservado em navios. As mangas ainda estão no pé, com a colheita
marcada para os últimos dias deste mês. A entrega seria feita a partir de
agosto, justamente quando passa a vigorar a tarifa de 50%, que encarece o produto
e o retira do mercado. Muitos produtores já disseram que nem colherão as mangas
— o que tira o trabalho de muita gente. Por que não vendem no mercado local? É
até uma hipótese, mas falta rede de distribuição, e o preço pode não compensar.
Perdem-se as mangas e também as uvas, outra
fruta que normalmente iria para o mercado americano no segundo semestre. E a
Embraer? Não perderá aviões no pátio, mas deixará de fabricar aeronaves que
iriam para companhias americanas. A queda na produção e em empregos é
expressiva.
Que fazer? No primeiro momento, não resta
alternativa senão absorver as perdas imediatas. Depois, é preciso buscar novos
mercados, tarefa do governo e das empresas. Todo mundo é punido pelas tarifas
de Trump. Isso abre oportunidades, mas também desafios. O café brasileiro que
não puder ser colocado nos Estados Unidos competirá mundo afora com outros
exportadores. A oportunidade estará em abrir novas relações comerciais ou
ampliar as já existentes. Um objetivo que se torna crucial para o Brasil:
apressar o acordo com a União Europeia, ameaçada com tarifa de 30%.
Isso nos remete à questão geopolítica. O
Brasil está no Brics,
grupo que, na visão do governo Lula, deve se opor aos Estados Unidos, em
especial, e ao mundo ocidental, em geral. Mas a China, fator
dominante no Brics, negocia intensamente com o governo Trump, nos bastidores,
sem alarde. A segunda maior economia do Brics, a Índia, também negocia
diretamente com a Casa Branca. E o presidente da Indonésia já fez acordo
comercial com Trump. É pragmatismo. Fazer a diplomacia pensando mais na
economia que na ideologia. O governo brasileiro deveria considerar isso quando
avaliar retaliações a empresas e produtos americanos. Mal avaliadas,
retaliações podem afetar mais quem as aplica.
Não será fácil, porque o Brasil está de fato
numa situação absurda. A ameaça de sanção econômica grave para ser trocada pela
anistia a Bolsonaro só pode ser respondida à altura — ou à baixeza — por algo
assim: ok, Trump e Vance renunciam, e a gente entrega o Bolsonaro para eles.
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