sábado, 19 de julho de 2025

A difícil resposta brasileira – Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

Que fazer com os produtos que não poderão ser destinados aos Estados Unidos? Depende do setor, mas todos perderão

Só existe uma possibilidade de Brasil e Estados Unidos estabelecerem uma negociação técnica em torno das tarifas: a reviravolta completa na posição do presidente Donald Trump. Ele precisaria abandonar o tipo de chantagem que impôs — trocar o tarifaço pela anistia a Bolsonaro. Qual a chance de acontecer? Perto de zero.

O leitor certamente estranhará esse “perto” de zero. Mas estamos falando de Trump, um político que não tem nenhum problema em mudar de lado. E sabemos que, nos meios empresariais americanos, muita gente tem dito, nos bastidores, que seria mau negócio também para os Estados Unidos derrubar o comércio com o Brasil. Mas abandonar a chantagem seria abandonar Bolsonaro. Improvável, se não impossível. Além disso, Trump não está nem um pouco preocupado com questões técnicas.

Questionado sobre o porquê de ameaçar o Brasil com a tarifa de importação mais alta, quando se sabe que o comércio bilateral apresenta superávit para os Estados Unidos, Trump respondeu:

— Porque eu posso.

Tudo considerado até aqui, só resta ao governo brasileiro entender que a economia será mesmo punida com uma tarifa de 50% para vender produtos brasileiros no mercado americano. Na verdade, trata-se de uma tarifa para não vender os produtos por lá. Um choque forte: cerca de 10% das exportações brasileiras vão para os Estados Unidos, e praticamente todas elas ficam inviabilizadas.

Decorre daí uma questão econômica imediata: o que fazer com os produtos que não poderão ser destinados aos Estados Unidos? Depende do setor, mas todos perderão. Produtores de mangas do Vale do São Francisco estão com tudo pronto para embarcar as frutas para os Estados Unidos, com espaço já reservado em navios. As mangas ainda estão no pé, com a colheita marcada para os últimos dias deste mês. A entrega seria feita a partir de agosto, justamente quando passa a vigorar a tarifa de 50%, que encarece o produto e o retira do mercado. Muitos produtores já disseram que nem colherão as mangas — o que tira o trabalho de muita gente. Por que não vendem no mercado local? É até uma hipótese, mas falta rede de distribuição, e o preço pode não compensar.

Perdem-se as mangas e também as uvas, outra fruta que normalmente iria para o mercado americano no segundo semestre. E a Embraer? Não perderá aviões no pátio, mas deixará de fabricar aeronaves que iriam para companhias americanas. A queda na produção e em empregos é expressiva.

Que fazer? No primeiro momento, não resta alternativa senão absorver as perdas imediatas. Depois, é preciso buscar novos mercados, tarefa do governo e das empresas. Todo mundo é punido pelas tarifas de Trump. Isso abre oportunidades, mas também desafios. O café brasileiro que não puder ser colocado nos Estados Unidos competirá mundo afora com outros exportadores. A oportunidade estará em abrir novas relações comerciais ou ampliar as já existentes. Um objetivo que se torna crucial para o Brasil: apressar o acordo com a União Europeia, ameaçada com tarifa de 30%.

Isso nos remete à questão geopolítica. O Brasil está no Brics, grupo que, na visão do governo Lula, deve se opor aos Estados Unidos, em especial, e ao mundo ocidental, em geral. Mas a China, fator dominante no Brics, negocia intensamente com o governo Trump, nos bastidores, sem alarde. A segunda maior economia do Brics, a Índia, também negocia diretamente com a Casa Branca. E o presidente da Indonésia já fez acordo comercial com Trump. É pragmatismo. Fazer a diplomacia pensando mais na economia que na ideologia. O governo brasileiro deveria considerar isso quando avaliar retaliações a empresas e produtos americanos. Mal avaliadas, retaliações podem afetar mais quem as aplica.

Não será fácil, porque o Brasil está de fato numa situação absurda. A ameaça de sanção econômica grave para ser trocada pela anistia a Bolsonaro só pode ser respondida à altura — ou à baixeza — por algo assim: ok, Trump e Vance renunciam, e a gente entrega o Bolsonaro para eles.

 

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