O Estado de S. Paulo
Economista diz que safra maior de grãos deve
conter preços e que facilitar importações não resolve Economista, foi
secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda; é sócio da MB
Associados
“Importar talvez não vá resolver o problema, porque o Brasil é mais competitivo na maior parte dos produtos agrícolas. Há poucos itens que poderíamos importar, cujos preços lá fora possam ser menores que os locais’
O economista José Roberto Mendonça de Barros
avalia que “o pior já passou” em relação à inflação dos alimentos, o que deve
implicar em menor pressão inflacionária de alimentos neste ano. A previsão da
MB Associados, consultoria da qual é sócio, é de aumento de 6% neste ano, ante
8,2% de 2024. Em 2024, segundo ele, houve uma tempestade perfeita, com demanda
aquecida e choques na oferta.
O alívio neste ano vem da maior produção de grãos, enquanto carnes, café e laranja devem continuar com preços elevados, aponta o ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda. “Deve haver melhora a partir do segundo trimestre, até aparecer os efeitos da entrada da safra no atacado, na indústria e varejo”, disse o economista em entrevista ao Estadão/Broadcast.
O resultado vai depender ainda do câmbio e do clima no próximo mês, diz. Mendonça de Barros refuta a ideia de medidas “mágicas” ou intervenções para frear os preços altos dos alimentos, como foi cogitado pelo governo. “O que resolve preço alto é produção maior. De imediato, o governo tem de esperar a safra”, diz.
A seguir, os principais trechos da
entrevista.
Os alimentos serão novamente o calcanhar de aquiles da inflação este ano?
Tenho a impressão de que o pior já passou. No ano
passado, tivemos uma combinação relativamente rara de demanda das famílias
muito forte e choques na oferta de alguns produtos, tanto lá fora quanto no
País. A alimentação nos domicílios terminou dezembro de 2024 com alta de preços
de 8,2% ante 0,5% negativo de dezembro de 2023. Foi um salto extraordinário. Em
2024, a transferência de renda, o mercado de trabalho bastante aquecido e as transferências
governamentais muito robustas via Bolsa Família e INSS geraram uma situação em
que a renda real das famílias cresceu entre 8% e 9% e acarretou, em particular,
uma maior demanda por alimentos. Já neste ano, a demanda vai desacelerar ao
longo do ano, em parte porque a taxa de juros vai tornar o crédito mais caro e
mais escasso. Além disso, o mercado de trabalho tende a piorar com aumento de
desemprego em virtude da política monetária restritiva, afetando a renda e a
segurança das famílias. Do lado da oferta, tivemos um conjunto de pressões
grandes de preços em 2024. O preço da laranja subiu 41%; de suínos, 20%; as
carnes vermelhas subiram entre 20% e 25%; leite longa-vida, 19%; óleo de soja,
29%; e café, 40%. A cesta inteira sentiu a pancada dos preços mais altos, e
isso compõe a maioria das compras de todas as famílias, com diferentes pesos em
virtude dos níveis de renda.
A perspectiva então é de menor impulso sobre os preços dos alimentos?
Para três grupos de alimentos, temos problemas globais
de oferta: o café, a laranja e as carnes. No caso do café, há a quebra de safra
do Vietnã, com maior demanda pelo café brasileiro e a produção brasileira não
será recorde, portanto, não tem muito porque o preço cair, exceto pelo dólar. A
laranja enfrenta problema drástico de produção na Flórida, que dizimou as
lavouras, e rupturas na produção nacional. No caso das carnes, estamos em momento
de baixa do ciclo pecuário, com processo de escassez global, o que leva um
determinado tempo para a recuperação. Já os preços do óleo de soja têm chance
de recuo porque a perspectiva é de uma safra boa, assim como para as cotações
de suínos com a tendência de queda do custo da ração. O açúcar depende muito do
câmbio, mas deve passar por uma acomodação de preços. Em um balanço geral, a
probabilidade de a conta de alimentação no domicílio neste ano ser menor do que
a do ano passado é muito boa. Nossa perspectiva é de inflação de alimentos no
domicílio em torno de 6% ao fim do ano, com viés de alta. Por parte da
alimentação, não deve haver pressão adicional para a inflação, com a ressalva
de que ainda resta mais um mês para a definição da safra. É um quadro ainda
delicado porque pesa no orçamento das famílias assalariadas, que vinham com
demanda aquecida.
O governo cogitou reduzir a alíquota de
importação de produtos cujos preços sejam mais baixos no exterior. E há também
a promessa de mais recursos do Plano Safra. São medidas efetivas?
O impacto imediato que haverá nos preços é a
colheita da safra 2024/25. Já existem estímulos específicos à produção. Os
preços não aumentaram em decorrência de falta estrutural e permanente de
produtos. Tivemos quebras aqui e lá fora e temos de esperar a recuperação.
Juros diferenciados para produção de alimentos básicos também têm efeito
limitado, primeiro porque há limitação de recursos pela questão fiscal e porque
é a produtividade que faz diferença em volume. Em relação à importação, não é
uma solução para resolver o problema no curto prazo. Neste momento, importar
talvez não vá resolver o problema, porque o Brasil é mais competitivo na maior
parte dos produtos agrícolas. Há poucos produtos que poderíamos importar, cujos
preços lá fora possam ser menores que os locais e em pequena escala.
Resta então ao governo esperar a entrada da
safra?
Em termos genéricos, o governo tem de esperar. É possível ter coisas pontuais e regionais que podem ser feitas. Mas, com impacto geral, não vejo o que fazer. Importar laranja? Não há oferta no mundo. As carnes também têm oferta escassa global. Excluindo medidas imparciais ou equivocadas, não consigo enxergar nada relevante que mude a história da inflação de alimentos que possa ser feito no curto prazo que não seja esperar a safra, além do suporte usual dado pelo Executivo com o Plano Safra. O que resolve preço alto é produção maior.
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