sábado, 8 de fevereiro de 2025

Entrevista | José Roberto Mendonça de Barros: ‘O pior da inflação dos alimentos já passou’

O Estado de S. Paulo

Economista diz que safra maior de grãos deve conter preços e que facilitar importações não resolve Economista, foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda; é sócio da MB Associados

“Importar talvez não vá resolver o problema, porque o Brasil é mais competitivo na maior parte dos produtos agrícolas. Há poucos itens que poderíamos importar, cujos preços lá fora possam ser menores que os locais’

O economista José Roberto Mendonça de Barros avalia que “o pior já passou” em relação à inflação dos alimentos, o que deve implicar em menor pressão inflacionária de alimentos neste ano. A previsão da MB Associados, consultoria da qual é sócio, é de aumento de 6% neste ano, ante 8,2% de 2024. Em 2024, segundo ele, houve uma tempestade perfeita, com demanda aquecida e choques na oferta.

O alívio neste ano vem da maior produção de grãos, enquanto carnes, café e laranja devem continuar com preços elevados, aponta o ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda. “Deve haver melhora a partir do segundo trimestre, até aparecer os efeitos da entrada da safra no atacado, na indústria e varejo”, disse o economista em entrevista ao Estadão/Broadcast.

O resultado vai depender ainda do câmbio e do clima no próximo mês, diz. Mendonça de Barros refuta a ideia de medidas “mágicas” ou intervenções para frear os preços altos dos alimentos, como foi cogitado pelo governo. “O que resolve preço alto é produção maior. De imediato, o governo tem de esperar a safra”, diz. 

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Os alimentos serão novamente o calcanhar de aquiles da inflação este ano? 

Tenho a impressão de que o pior já passou. No ano passado, tivemos uma combinação relativamente rara de demanda das famílias muito forte e choques na oferta de alguns produtos, tanto lá fora quanto no País. A alimentação nos domicílios terminou dezembro de 2024 com alta de preços de 8,2% ante 0,5% negativo de dezembro de 2023. Foi um salto extraordinário. Em 2024, a transferência de renda, o mercado de trabalho bastante aquecido e as transferências governamentais muito robustas via Bolsa Família e INSS geraram uma situação em que a renda real das famílias cresceu entre 8% e 9% e acarretou, em particular, uma maior demanda por alimentos. Já neste ano, a demanda vai desacelerar ao longo do ano, em parte porque a taxa de juros vai tornar o crédito mais caro e mais escasso. Além disso, o mercado de trabalho tende a piorar com aumento de desemprego em virtude da política monetária restritiva, afetando a renda e a segurança das famílias. Do lado da oferta, tivemos um conjunto de pressões grandes de preços em 2024. O preço da laranja subiu 41%; de suínos, 20%; as carnes vermelhas subiram entre 20% e 25%; leite longa-vida, 19%; óleo de soja, 29%; e café, 40%. A cesta inteira sentiu a pancada dos preços mais altos, e isso compõe a maioria das compras de todas as famílias, com diferentes pesos em virtude dos níveis de renda.

A perspectiva então é de menor impulso sobre os preços dos alimentos? 

Para três grupos de alimentos, temos problemas globais de oferta: o café, a laranja e as carnes. No caso do café, há a quebra de safra do Vietnã, com maior demanda pelo café brasileiro e a produção brasileira não será recorde, portanto, não tem muito porque o preço cair, exceto pelo dólar. A laranja enfrenta problema drástico de produção na Flórida, que dizimou as lavouras, e rupturas na produção nacional. No caso das carnes, estamos em momento de baixa do ciclo pecuário, com processo de escassez global, o que leva um determinado tempo para a recuperação. Já os preços do óleo de soja têm chance de recuo porque a perspectiva é de uma safra boa, assim como para as cotações de suínos com a tendência de queda do custo da ração. O açúcar depende muito do câmbio, mas deve passar por uma acomodação de preços. Em um balanço geral, a probabilidade de a conta de alimentação no domicílio neste ano ser menor do que a do ano passado é muito boa. Nossa perspectiva é de inflação de alimentos no domicílio em torno de 6% ao fim do ano, com viés de alta. Por parte da alimentação, não deve haver pressão adicional para a inflação, com a ressalva de que ainda resta mais um mês para a definição da safra. É um quadro ainda delicado porque pesa no orçamento das famílias assalariadas, que vinham com demanda aquecida.

O governo cogitou reduzir a alíquota de importação de produtos cujos preços sejam mais baixos no exterior. E há também a promessa de mais recursos do Plano Safra. São medidas efetivas?

O impacto imediato que haverá nos preços é a colheita da safra 2024/25. Já existem estímulos específicos à produção. Os preços não aumentaram em decorrência de falta estrutural e permanente de produtos. Tivemos quebras aqui e lá fora e temos de esperar a recuperação. Juros diferenciados para produção de alimentos básicos também têm efeito limitado, primeiro porque há limitação de recursos pela questão fiscal e porque é a produtividade que faz diferença em volume. Em relação à importação, não é uma solução para resolver o problema no curto prazo. Neste momento, importar talvez não vá resolver o problema, porque o Brasil é mais competitivo na maior parte dos produtos agrícolas. Há poucos produtos que poderíamos importar, cujos preços lá fora possam ser menores que os locais e em pequena escala.

Resta então ao governo esperar a entrada da safra?

Em termos genéricos, o governo tem de esperar. É possível ter coisas pontuais e regionais que podem ser feitas. Mas, com impacto geral, não vejo o que fazer. Importar laranja? Não há oferta no mundo. As carnes também têm oferta escassa global. Excluindo medidas imparciais ou equivocadas, não consigo enxergar nada relevante que mude a história da inflação de alimentos que possa ser feito no curto prazo que não seja esperar a safra, além do suporte usual dado pelo Executivo com o Plano Safra. O que resolve preço alto é produção maior. 

 

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