O Globo
Regramento precisa ser acordado entre as
forças políticas do país
Em entrevista a rádios da Bahia, na
quinta-feira, Lula disse
que, se
o Congresso não regular as mídias sociais, o Supremo Tribunal Federal (STF)
deve fazê-lo. Ele está errado. A regulação das mídias sociais deve ser
tarefa do Parlamento, e não do Supremo. Em matéria tão controversa, o
regramento precisa ser acordado entre as forças políticas do país.
Faz cinco anos que o Brasil discute a regulação das mídias sociais, desde que o Projeto de Lei 2630 foi apresentado pelo senador Alessandro Vieira, em 2020. Depois de quatro anos de debate intenso e escrutínio público, a proposta foi engavetada, em abril do ano passado, pelo então presidente da Câmara, Arthur Lira. Ele reconheceu que o projeto não havia atingido grau mínimo de consenso.
Oito meses depois, o STF pautou o julgamento
da constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet. O relator,
ministro Dias
Toffoli, votou pela inconstitucionalidade, abrindo espaço a uma regulação
judicial. O artigo em questão determina que empresas como Meta ou X não são
responsáveis pelos conteúdos postados pelos usuários. Se a Corte entender que
isso é inconstitucional, precisará oferecer um quadro jurídico em que essa
responsabilidade seja delineada. Depois de vários votos desencontrados, a
votação foi suspensa após pedido de vista do ministro André
Mendonça. A suspensão trouxe alívio, pois evita a regulação precipitada
pela via judicial.
Um desencontro impede a discussão sensata do
tema, fruto de duplo equívoco, tanto na esquerda quanto na direita. A esquerda
acredita que a força política da direita vem da mentira e que, portanto,
regulando as mídias sociais, seu poder será enfraquecido. Está enganada porque
a força da direita não vem da desinformação, mas do apelo de sua mensagem
política. Quando a regulação vier e nada de muito substantivo mudar no mundo da
política, entenderá isso.
Mas a direita também se equivoca, porque
acredita haver antagonismo entre regulação e liberdade de expressão. Esse
antagonismo é falso. Todas as mídias sociais têm regras de moderação. Não
existe debate qualificado em que a liberdade de expressão irrestrita seja
proposta. Uma mídia social sem moderação seria imediatamente tomada por
pornografia, spam e venda de drogas e armas, como as experiências dos fóruns de
internet dos anos 1990 e 2000 demonstram.
O debate qualificado, portanto, não é se
devemos ter liberdade de expressão irrestrita ou moderação, mas sobre que tipo
de moderação adotaremos, quem estabelecerá as regras e quem supervisionará sua
aplicação. Quando a direita entender esse ponto fundamental, poderemos ter um
debate construtivo a respeito da regulação das mídias sociais.
A notícia alvissareira é que dois deputados
do Centrão — Silas Câmara (Republicanos-AM),
líder da bancada evangélica, e Dani Cunha (União-RJ), filha de Eduardo Cunha —
apresentaram um projeto de lei muito razoável, que pode ser um ponto de partida
para isso. O governo federal também discute um projeto próprio, mas, no clima
de entendimento, o melhor caminho, na minha opinião, seria aprimorar o projeto
proposto pelos deputados.
Olhando para o cenário internacional, temos
basicamente três modelos de regulação da moderação. O modelo vigente é a
autorregulação: as próprias empresas criam as regras, as implementam e avaliam
a implementação. É cheio de falhas porque é ditado pelo interesse econômico,
apenas levemente ponderado pela pressão da opinião pública. Há também o modelo
adotado por países autoritários: o governo determina unilateralmente o que pode
ser dito e o que as plataformas devem moderar, sob risco de sanções.
Por fim, temos o modelo democrático europeu,
que toma como parâmetro leis já consensuais na sociedade, inclui os
comportamentos ilícitos definidos por essas leis como conteúdos a ser moderados
e cria uma obrigação de cuidado, pela qual as empresas têm de mostrar a uma
entidade supervisora seus esforços para moderar as postagens ilícitas. Esse
último modelo, que guia a proposta de Silas Câmara e Dani Cunha, é um ponto de
partida decente para a discussão.
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