sábado, 8 de fevereiro de 2025

Regular mídias sociais é tarefa do Congresso – Pablo Ortellado

O Globo

Regramento precisa ser acordado entre as forças políticas do país

Em entrevista a rádios da Bahia, na quinta-feira, Lula disse que, se o Congresso não regular as mídias sociais, o Supremo Tribunal Federal (STF) deve fazê-lo. Ele está errado. A regulação das mídias sociais deve ser tarefa do Parlamento, e não do Supremo. Em matéria tão controversa, o regramento precisa ser acordado entre as forças políticas do país.

Faz cinco anos que o Brasil discute a regulação das mídias sociais, desde que o Projeto de Lei 2630 foi apresentado pelo senador Alessandro Vieira, em 2020. Depois de quatro anos de debate intenso e escrutínio público, a proposta foi engavetada, em abril do ano passado, pelo então presidente da Câmara, Arthur Lira. Ele reconheceu que o projeto não havia atingido grau mínimo de consenso.

Oito meses depois, o STF pautou o julgamento da constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet. O relator, ministro Dias Toffoli, votou pela inconstitucionalidade, abrindo espaço a uma regulação judicial. O artigo em questão determina que empresas como Meta ou X não são responsáveis pelos conteúdos postados pelos usuários. Se a Corte entender que isso é inconstitucional, precisará oferecer um quadro jurídico em que essa responsabilidade seja delineada. Depois de vários votos desencontrados, a votação foi suspensa após pedido de vista do ministro André Mendonça. A suspensão trouxe alívio, pois evita a regulação precipitada pela via judicial.

Um desencontro impede a discussão sensata do tema, fruto de duplo equívoco, tanto na esquerda quanto na direita. A esquerda acredita que a força política da direita vem da mentira e que, portanto, regulando as mídias sociais, seu poder será enfraquecido. Está enganada porque a força da direita não vem da desinformação, mas do apelo de sua mensagem política. Quando a regulação vier e nada de muito substantivo mudar no mundo da política, entenderá isso. 

Mas a direita também se equivoca, porque acredita haver antagonismo entre regulação e liberdade de expressão. Esse antagonismo é falso. Todas as mídias sociais têm regras de moderação. Não existe debate qualificado em que a liberdade de expressão irrestrita seja proposta. Uma mídia social sem moderação seria imediatamente tomada por pornografia, spam e venda de drogas e armas, como as experiências dos fóruns de internet dos anos 1990 e 2000 demonstram.

O debate qualificado, portanto, não é se devemos ter liberdade de expressão irrestrita ou moderação, mas sobre que tipo de moderação adotaremos, quem estabelecerá as regras e quem supervisionará sua aplicação. Quando a direita entender esse ponto fundamental, poderemos ter um debate construtivo a respeito da regulação das mídias sociais.

A notícia alvissareira é que dois deputados do Centrão — Silas Câmara (Republicanos-AM), líder da bancada evangélica, e Dani Cunha (União-RJ), filha de Eduardo Cunha — apresentaram um projeto de lei muito razoável, que pode ser um ponto de partida para isso. O governo federal também discute um projeto próprio, mas, no clima de entendimento, o melhor caminho, na minha opinião, seria aprimorar o projeto proposto pelos deputados.

Olhando para o cenário internacional, temos basicamente três modelos de regulação da moderação. O modelo vigente é a autorregulação: as próprias empresas criam as regras, as implementam e avaliam a implementação. É cheio de falhas porque é ditado pelo interesse econômico, apenas levemente ponderado pela pressão da opinião pública. Há também o modelo adotado por países autoritários: o governo determina unilateralmente o que pode ser dito e o que as plataformas devem moderar, sob risco de sanções.

Por fim, temos o modelo democrático europeu, que toma como parâmetro leis já consensuais na sociedade, inclui os comportamentos ilícitos definidos por essas leis como conteúdos a ser moderados e cria uma obrigação de cuidado, pela qual as empresas têm de mostrar a uma entidade supervisora seus esforços para moderar as postagens ilícitas. Esse último modelo, que guia a proposta de Silas Câmara e Dani Cunha, é um ponto de partida decente para a discussão.

 

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