Veja
As prioridades mais urgentes dependem da
educação de base
A educação é órfã da República, tanto quanto foi do Império. Independentemente do partido e da ideologia dos dirigentes em cada momento, o ensino de qualidade para todos nunca foi tratado como vetor de nosso progresso. Não tivemos presidente educacionista que implantasse um sistema com qualidade e equidade para cada criança brasileira desde seu nascimento. Nestes quarenta anos de democracia, tivemos nove eleições presidenciais, mas o número de adultos analfabetos plenos continua praticamente o mesmo, acima de 10 milhões. O número de escolas, de vagas e o dinheiro aplicado cresceram, mas não melhoramos nossa posição como um dos países com pior qualidade na educação e provavelmente aquele com maior desigualdade conforme a renda da família.
Sem reforma ambiciosa de nosso atual sistema
educacional, dos 2,5 milhões de brasileiros que nasceram em 2024, no máximo 500 000 concluirão
a educação de base, em 2042, medianamente
alfabetizados para o mundo contemporâneo, com o mapa para
buscar sua felicidade pessoal e as ferramentas necessárias
para construir o país que desejamos. Portanto, 2 milhões
ficarão para trás.
Os políticos de direita consideram que
educação deve ser tarefa das famílias conforme a renda de que dispõem; os de
esquerda consideram que não há necessidade de reformas, bastariam mais
investimentos e atender às reivindicações dos sindicatos de professores, sem
preocupação direta com os alunos, com a qualidade e, ainda menos, com a
equidade. Com essas lógicas, a direita reduz gastos e a esquerda investe sem
compromisso com os resultados, chegando a apoiar greves em escolas estatais, o
que reduz a pouca qualidade e amplia a desigualdade em relação às escolas
privadas, imunes a paralisações.
“Em quarenta anos de democracia, o número de
analfabetos continua o mesmo”
A orfandade da
educação está também na submissão da lógica assistencial, ao transformar o
Bolsa-Escola em Bolsa Família,
a Poupança Escola em Pé-de-Meia, o programa de Certificação Federal dos
Professores Municipais no programa Pé-de-Meia do Professor. O apoio à promoção
automática mesmo sem aprendizado em escolas que atendem alunos de famílias
pobres também é prova da orfandade da educação em nome do assistencialismo
social, aceitando que a educação de base deve ser desigual conforme a renda da
criança.
As pesquisas mostram que a educação é, ainda,
órfã da opinião pública, razão pela qual a busca de qualidade é relegada entre
as prioridades dos eleitores, e a ideia de equidade nem ao menos é considerada
como propósito nacional. Os líderes não mostram que as prioridades mais
urgentes — segurança, emprego, pobreza, sustentabilidade, distribuição de renda
— dependem da educação de base com qualidade para todos.
O ensino superior trata a educação de base
como mero degrau para a universidade, como se fosse um mal necessário, daí a
promessa de “universidade para todos” sem um programa “todos os brasileiros
alfabetizados”, ainda menos “todos alfabetizados para a contemporaneidade”.
Por ser a principal causa de quase todos os
nossos problemas, atalho para a pobreza, a orfandade da educação condena o país
ao declínio: ao deixar nossas crianças com a educação sem pai nem mãe no
presente, o Brasil pavimenta um triste futuro, porque se deve enxergar o amanhã
pela cara da escola de hoje.
Publicado em VEJA de 7 de fevereiro de 2025, edição nº 2930
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