Folha de S. Paulo
Surge uma nova oportunidade, que será
desperdiçada
As ditaduras buscam o controle dos grandes
meios de comunicação. Trump resolveu imitá-las, estabelecendo uma aliança entre
a Casa Branca e as plataformas globais de Musk e Zuckerberg. O evento reativa,
no Brasil, o debate sobre a regulação das redes (anti)sociais. Na nova
legislatura, o governo Lula tentará
avançar algum projeto regulatório.
Do ponto de vista puramente intelectual, é fácil delinear os princípios de uma regulação democrática das redes:
1. Crime e opinião. Só é crime nas redes
o que é crime fora das redes.
Liberdade de expressão não é um direito
absoluto. Seu limite são os crimes de palavra definidos em lei: incitação
direta à violência contra instituições, grupos sociais ou indivíduos, difusão
da pedofilia, práticas de calúnia, injúria e difamação.
Opinião —boa, ruim ou deplorável— não é
crime. As vozes "progressistas" (PT, PSOL, sacerdotes identitários,
até juízes e jornalistas!) almejam proibir o "discurso de ódio", o
"discurso antidemocrático" e a "desinformação", expressões
subjetivas cujas traduções oscilam de acordo com posições ideológicas. É desejo
de censurar o rival.
2. Responsabilidade do usuário. Na
democracia, não há anonimato.
Está lá, no artigo 5º da Constituição:
"É livre a expressão do pensamento, vedado o anonimato". As redes
devem fornecer nome e RG de usuários acusados de crimes. São eles —os usuários—
os primeiros responsáveis por crimes cometidos em suas postagens.
3. Responsabilidade das plataformas.
Vale a regra geral dos veículos de imprensa, nos casos de postagens
impulsionadas ou monetizadas.
Jornais, impressos ou eletrônicos, são
corresponsáveis por crimes de palavra que disseminam. As plataformas, porém, ao
contrário dos jornais, não escolhem os autores de seus textos. Só devem ser
judicialmente responsabilizadas por aquilo que seus algoritmos decidem
impulsionar ou por postagens monetizadas. Tais "exceções" abrangem a
maior parte do tráfego nas redes —e os crimes de extenso impacto social.
4. Checagem factual. A mentira precisa
ser identificada.
"Trump venceu Biden em 2020"
(Trump) —isto é falso, factualmente. "A Venezuela é uma democracia"
(Lula) —isto é falso, politicamente. Nenhuma das duas afirmações deve ser
censurada, mas só cabe assinalar a primeira como inverdade, pois a segunda é
uma (reveladora) opinião. As plataformas não têm meios para checar dezenas de
milhões de postagens. Basta checar as que alcançam ampla circulação, em
magnitude definida por especialistas. "A Terra é plana e Elvis Presley não
morreu" —quem se importa com a mentira que embala apenas seitas de
idiotas?
O dilema não é intelectual, mas
exclusivamente político. O governo, com seu cortejo de
"progressistas", acalenta o sonho autoritário de disciplinar o
discurso —ou seja, moldar as mentes. Na ponta oposta, o extremismo de direita
enxerga as redes como ferramentas para quebrar as mediações institucionais da
democracia —e opera em aliança com "libertários" fanatizados e
políticos cujo horizonte não ultrapassa a próxima campanha eleitoral.
O projeto de regulação das redes foi
congelado na câmara criogênica de Arthur Lira porque o governo não desiste da
censura e uma parcela decisiva do Congresso não abre mão do faroeste. Agora,
surge uma nova oportunidade, que será desperdiçada.
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