sábado, 8 de fevereiro de 2025

Prece atendida, punição efetivada - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Mudanças políticas desejadas décadas atrás acabaram se tornando realidade, mas resultado é ruim

"Quando os deuses querem nos punir, eles atendem a nossas preces", escreveu Oscar Wilde.

Não muito tempo atrás, nos não tão longínquos anos 1990, cientistas políticos, jornalistas e grande parte do público informado se queixavam da pouca diferenciação ideológica entre os principais partidos políticos do Ocidente. Brincava-se que não fazia muita diferença se vencesse Bill Clinton ou Bob Dole, desde que Alan Greenspan permanecesse à frente do banco central americano.

Dando nomes aos bois, pedia-se mais polarização. Ela veio, mas chegou em duas modalidades, a política, que era a desejada, e também a afetiva, que é a que envenena o ambiente, separa famílias e rompe amizades.

No Brasil, a queixa quanto à indiferenciação não era tão grande, embora existisse. O que mais nos incomodava eram os ditos poderes imperiais da Presidência da República. Dispondo de medidas provisórias que podiam ser reeditadas eternamente e da capacidade de definir quando e se emendas parlamentares ao Orçamento seriam liberadas, o presidente fazia do Congresso um órgão meramente chancelador de suas preferências, o que não é legal para a democracia.

Pedíamos, então, mais poderes para o Parlamento. O desejo foi atendido, mas de forma muito pouco equilibrada. Hoje, deputados e senadores controlam um naco desproporcional das verbas orçamentárias livres para investimento e mantêm a Presidência refém dos comandos das duas Casas, o que não é institucionalmente muito saudável.

Se você, como eu, está convencido de que esse é um fenômeno que não tem volta —a proverbial pasta de dentes que não volta para o tubo—, então a correção para o problema passa por tornar os parlamentares mais responsáveis por suas ações. E é sempre difícil responsabilizar órgãos coletivos.

Foi protocolada há pouco a PEC do semipresidencialismo. Tenho alergia a grandes reformas políticas e considero o semipresidencialismo o pior dos três grandes sistemas em voga, mas, às vezes, a única saída é correr para frente.

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