Em vez de 25, governo deveria ter duas prioridades
O Globo
Executivo e Legislativo precisam se unir para
conter gastos públicos e limitar emendas parlamentares
O ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, apresentou ao novo presidente da Câmara, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB),
uma relação com 25 projetos que considera prioritários para a economia. Ora,
quem tem 25 prioridades, na realidade, não tem nenhuma. O problema é ainda mais
grave. Estão fora da lista de Haddad as duas — apenas duas — prioridades a que
Executivo e Legislativo deveriam se dedicar neste ano e no próximo. Primeira:
um ajuste fiscal capaz de estabilizar a dívida pública em horizonte tangível.
Segunda: impor transparência e limites à farra das emendas parlamentares, as
maiores do mundo quando medidas em proporção ao Orçamento.
A dívida pública brasileira cresce sem parar. Neste governo, deverá aumentar entre 12 e 14 pontos percentuais pelas previsões. À medida que o tempo passa, fica mais caro financiá-la. Prova disso são as atuais ofertas de títulos públicos indexados à inflação, com taxas de retorno real próximas de 8% ao ano. Até agora, o governo finge que o problema não existe. Insiste em dizer estar cumprindo as metas do arcabouço fiscal, sem reconhecer que as atuais regras, cheias de buracos e exceções, são insuficientes para estancar o endividamento. Diante do tsunami em formação, se gaba de erguer uma mureta de 30 centímetros.
Contingenciamentos e bloqueios de despesas
não resolverão o problema. O ajuste fiscal necessário é da ordem de R$ 250
bilhões anuais por um longo período. Para atingir esse objetivo, serão
necessárias medidas capazes de alterar a estrutura do Orçamento. A primeira é
desvincular reajustes de benefícios e aposentadorias do salário mínimo, de modo
a conter a explosão nas contas da Previdência. A segunda é desvincular despesas
orçamentárias obrigatórias em rubricas como saúde e educação, que engessam a
gestão federal sem trazer ganhos mensuráveis nessas áreas. Em vez de gastar
mais, será preciso aprender a gastar melhor.
Lula rejeita tais propostas sob o argumento
fajuto de que lançam sobre os ombros dos mais pobres a conta do ajuste. É
difícil encontrar evidências que sustentem essa visão. A política de aumento
real de benefícios e aposentadorias pode até render votos, mas alimenta a
deterioração da economia, e isso não costuma ter final feliz. Basta lembrar as
recessões provocadas pela irresponsabilidade fiscal de Dilma Rousseff. A
retomada da inflação já voltou a corroer os ganhos de que o governo se
vangloria. E, do ponto de vista financeiro, os maiores beneficiários do
desarranjo nas contas
públicas estão na camada de alta renda, que investe em títulos
públicos mais rentáveis.
A outra prioridade do governo deveria ser
impor limites às emendas parlamentares. É preciso garantir total transparência,
como exige a Constituição e tem determinado o Supremo Tribunal Federal (STF), e
reduzir a fatia sem paralelo no mundo que elas ocupam no Orçamento. Os
responsáveis pela volta da democracia e pela Constituição de 1988, citados por
Motta em sua posse, jamais desejaram fazer do Congresso Nacional uma aberração
entre as democracias. Os parlamentares brasileiros dão destino a 20% dos recursos
livres do Orçamento. Os americanos a 2,4%, e os franceses a não mais que 0,1%.
Que nenhum país tenha tentado até agora copiar essa jabuticaba brasileira prova
quanto ela é nociva. A anuência do Executivo faz dele cúmplice na insanidade.
Plano de segurança federal requer uma visão
realista sobre os custos
O Globo
Núcleo criado pelo governo busca inspiração
nas UPPs. Mas não pode repetir erros que levaram a fracasso
O governo federal sempre preferiu manter
distância do combate à violência,
temendo desgaste em sua popularidade. Mas, diante do crescimento da preocupação
da população com segurança — ela lidera a lista na última pesquisa Quaest — e
do efeito negativo na aprovação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
finalmente começou a ensaiar medidas contra a criminalidade. Primeiro, o
Ministério da Justiça propôs a PEC da Segurança, com ideias sensatas para
facilitar o combate ao crime organizado. Os governadores, na defesa do controle
sobre as polícias, rechaçaram a proposta. Em reação, o governo decidiu criar um
núcleo contra o crime organizado, sob a coordenação do secretário Nacional de
Segurança, Mário Sarrubbo. Não é a primeira vez que se cria algum grupo do
tipo. Desta vez, é preciso que represente um passo decisivo para integrar as
ações dos governos federal e estaduais.
O estágio a que chegou o poder das
organizações criminosas comandadas por traficantes e milicianos requer
articulação nacional, sob comando do governo federal, sem prejuízo à
prerrogativa constitucional dos estados. O núcleo estratégico pretende definir um
plano anual de operações integradas contra organizações criminosas a partir de
informações sobre atuação, fonte de recursos e estrutura operacional. A ideia é
que as operações para prender criminosos sejam feitas pelas polícias estaduais.
“Não haverá interferência de força federal, a não ser no caso de operações
integradas com as Forças Nacionais”, diz Sarrubbo. Os governos estaduais
precisarão aceitar esse plano, para que ele seja viável.
Outro propósito do governo federal é, nesse
trabalho conjunto, recuperar as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs),
criadas em 2008 no Rio de Janeiro. A ideia, sensata, era acabar com o entra e
sai das investidas da polícia contra o tráfico nas favelas, quase sempre com
vítimas inocentes. A proposta era entrar nessas áreas, expulsar os criminosos e
mantê-las sob o controle do Estado. No início, a iniciativa foi bem-sucedida.
Mas com o tempo as UPPs fracassaram, sobretudo porque o governo, por razões eleitorais,
as ampliou de forma desmedida, sem dispor da infraestrutura e dos recursos
humanos necessários para expandir seu papel social. O crime conseguiu se
infiltrar nas organizações policiais e recuperou territórios.
O novo plano do Ministério da Justiça
pretende criar um projeto-piloto do programa numa cidade do Nordeste. A
intenção é transformar a economia da localidade, hoje abastecida pelo crime.
Fazem parte do plano, além de programas sociais, a abertura de linhas de
financiamento para negócios próprios e encaminhamento a cursos
profissionalizantes. “Meu sonho é chegar ao Rio de Janeiro”, diz Sarrubbo. É
importante que o plano produza efeitos rapidamente, devido ao estágio
desesperador da violência no Brasil. Mas é essencial não recair no mesmo erro
das UPPs, indo além das possibilidades. Sobretudo, é preciso manter uma visão
realista do esforço necessário para conter o crime e respeitar os recursos
disponíveis.
Janeiro quente surpreende La Niña e o mundo
Folha de S. Paulo
Fenômeno não arrefece aquecimento, como
deveria; um negacionista como Trump no país que mais emite carbono é mau
augúrio
Não faz ainda um mês confirmou-se a chegada
de La Niña, estado das águas do oceano Pacífico que afeta todo o clima do
planeta resfriando-o. Seria o tão esperado alívio para as condições escaldantes
de 2024, ano de El Niño recordista de calor e eventos atmosféricos extremos,
mas não foi o que se viu.
Janeiro
terminou como o mais quente já registrado, segundo o consórcio europeu
Copernicus. Na média mundial, a temperatura da atmosfera ficou 1,75ºC acima dos
níveis estimados para a época pré-industrial e 0,79ºC acima do período
1991-2020.
É uma situação inédita em tempos de La Niña,
caracterizados por janeiros bem mais frios que os meses inaugurais de cada ano
sob o fenômeno oposto, El Niño. O fato de o mês passado não apenas deixar de
esfriar como ainda revelar-se recordista oferece signo eloquente da perturbação
profunda no clima global.
Foi o 18º mês, entre os 19 passados, em que
termômetros marcaram temperatura superior a 1,5ºC na comparação com registros
anteriores à Revolução Industrial. Com ela deslanchou a queima de combustíveis
fósseis (carvão, petróleo e
gás natural), que emite o principal gás do efeito estufa, dióxido de carbono
(CO2).
Não surgiu ainda boa explicação para a
surpresa de janeiro. Já se previa que La Niña viria enfraquecida, com tendência
a dissipar-se em poucos meses, mas isso está longe de acontecer, e não
justificaria tanta quentura.
Uma hipótese reza que outros mares do globo,
vários com temperaturas acima da média, tenham compensado o efeito arrefecedor
do Pacífico. Ocupando 70% da superfície do planeta e contendo 97% de sua água,
oceanos absorvem boa parte do calor acrescido pelo aquecimento global, mas essa
transformação também altera os padrões de ventos e precipitação conhecidos.
Possibilidade mais sombria foi aventada pelo
pesquisador James Hansen, que desde os anos 1980 denuncia perigos da mudança
climática: seu impacto teria
sido contrabalançado pela poluição do ar. Material particulado lançado na
atmosfera atuaria barrando energia solar incidente sobre a superfície, mas tal
efeito cortina de fumaça estaria em recuo com o controle de fontes poluidoras.
Registros do passado fornecem doravante
indicativos pobres do que está por vir, acentuando riscos inerentes a
atividades agrícolas. La Niña deveria trazer estiagens acentuadas para o Brasil
meridional, porém janeiro foi mais chuvoso que o normal no Sul, e Porto Alegre,
no Rio Grande do Sul, voltou a ter enchentes nos primeiros dias de 2025.
O Acordo de
Paris, firmado entre países no ano de 2015, estipulou
1,5ºC como limite de segurança, até o fim do século, para evitar o pior.
Uma década depois, sem contenção nas emissões mundiais de carbono e com um
negacionista como o republicano Donald Trump no
comando do maior emissor da história, os Estados
Unidos, janeiro prenuncia maus augúrios para o clima global.
Cultura é mais que Lei Rouanet
Folha de S. Paulo
Disputa sobre diploma encobre outras
atribuições da pasta; tragédia em igreja baiana acende alerta para gestão de
verbas
Um dos ministérios mais afetados pelo
fenômeno da polarização ideológica é o da Cultura.
Jair
Bolsonaro (PL)
o extinguiu na sua gestão, atacando a Lei Rouanet.
Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) trouxe
a pasta de volta, enquanto setores à esquerda se recusam a debater
problemas na implementação do diploma.
Tal disputa politizada em torno da Rouanet
encobre o fato de que o Ministério
da Cultura possui atribuições bem mais palpáveis e de maior alcance
social, como o fomento de atividades que não se inserem no modelo de mercado da
indústria cultural —orquestras, museus, bibliotecas— e a preservação do
patrimônio histórico.
O trágico desabamento do forro do teto da
Igreja e Convento de São Francisco, que matou uma pessoa e deixou cinco feridas
em Salvador na
quarta (5), acende o alerta para as atribuições do ministério que ficam
soterradas pela verborragia da guerra cultural.
Segundo a lei, o proprietário de um bem
tombado, como é o caso, é responsável pela sua conservação, mas, se ele não
tiver recursos, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) precisa
executar as reformas necessárias.
Desde 2016, o Ministério
Público Federal tenta fazer com que a Comunidade Franciscana da Bahia,
gestora da Igreja e Convento de São Francisco, e o Iphan realizem obras
estruturais no prédio. Somente em outubro de 2024, porém, as
duas entidades firmaram acordo para o projeto de reforma, com aporte de R$
1,2 milhão do órgão federal.
Não se trata de caso isolado. A Folha mostra
que o instituto tem pelo menos 800
imóveis protegidos à espera de obras de conservação e é parte em
diversos processos judiciais que exigem o restauro de bens tombados.
Em 2023, o Iphan selecionou 105 propostas de
recuperação de bens acautelados por ele. A formulação dos projetos custará R$
41 milhões, e, ao longo de quatro anos, R$ 730 milhões serão destinados à
execução das obras.
O montante reservado para preservação do
patrimônio histórico neste 2025 é de R$ 254 milhões —R$44 milhões a mais do que
no ano passado e bem acima dos R$ 39 milhões por ano, em média, do governo
anterior.
Diante de um Orçamento deficitário, a pasta
precisa produzir diagnósticos para alocar recursos nos setores culturais que
mais necessitam de recursos públicos e em projetos urgentes. Uma visão aberta
em relação a parcerias com a iniciativa privada, considerando mecanismos de
mercado, também seria fundamental.
O boné lacrador do lulopetismo
O Estado de S. Paulo
Ver Lula e ministros com bonés azuis, onde se
lê ‘O Brasil é dos brasileiros’, confirma não uma crítica a bajuladores de
Trump, mas o marketing constrangedor de quem não sabe o que fazer
Os exegetas do Palácio do Planalto parecem
ter encontrado uma solução para os problemas de ineficiência, governabilidade e
popularidade que atormentam o presidente Lula da Silva: um boné e um slogan de
linhagem provocativa. E, de quebra, provocam o presidente dos EUA, Donald
Trump, o bolsonarismo e o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. Como se
viu na eleição dos novos presidentes da Câmara e do Senado, ministros de Lula
que se licenciaram para votar surgiram com bonés azuis, onde se lia “O Brasil é
dos brasileiros”. Foi o caso de Alexandre Padilha (Relações Institucionais),
Carlos Fávaro (Agricultura) e Camilo Santana (Educação), além do líder do
governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues. Depois, o próprio Lula
embarcou na onda e apareceu com o boné em suas redes sociais.
O artifício saiu da cabeça de Padilha – ou
melhor, de “um pessoal da periferia da zona sul de São Paulo”, segundo ele
informou. Após acolher a sugestão, encomendou o slogan ao ministro da
Secretaria de Comunicação Social, o marqueteiro de Lula e do PT, Sidônio
Palmeira – um contraponto constrangedor aos bonés vermelhos “Make America Great
Again” da campanha de Trump. Como é difícil acreditar que bonés ajudem a
solucionar problemas que só boa gestão, liderança e sensatez são capazes de
resolver, aos ministros que toparam a – vá lá – ideia restará apenas o
constrangimento público.
Na ausência de atributos, o governo, sob
inspiração onipresente de um marqueteiro, tem buscado incessantemente encontrar
uma marca para chamar de sua. Mas, na falta de ter o que mostrar, sobra o que
dizer. Com isso se ignora algo elementar: não há marketing, gesto, palavrório,
slogan ou boné capazes de vender um produto ruim. Os bonés são um sintoma dessa
deficiência lulopetista. Ademais, carente de substância, o governo recorre ao
jogo de quem acredita numa máxima nascida da polarização, segundo a qual é preciso
usar as armas do adversário para enfrentá-lo. A escolha animou os adversários.
Na volta ao trabalho no Congresso, assistiu-se a uma risível guerra de bonés:
os azuis lulopetistas contra parlamentares bolsonaristas com bonés em verde e
amarelo e o slogan “Comida barata novamente. Bolsonaro 2026”.
Em tese, os bonés azuis aludem aos danos que
o governo dos EUA pode causar ao Brasil, por meio de tarifas comerciais, de
eventual humilhação imposta a brasileiros deportados ou dos vínculos estreitos
com o bolsonarismo – como se sabe, enquanto esteve no Palácio do Planalto, Jair
Bolsonaro costumava ignorar interesses nacionais para apresentar-se como um
deslumbrado vassalo de sua contraparte americana. Em janeiro, o governador
Tarcísio de Freitas parabenizou o presidente americano com o boné vermelho, e o
coach Pablo Marçal postou um vídeo antigo com Trump como se tivesse estado na
posse.
O lulopetismo mirou em todos eles, convicto
de ter encontrado a fórmula para escancarar o “viralatismo de falsos patriotas
que bajulam os EUA”, como definiu um site que defende o governo acima de tudo e
de todos. Mas, na prática, produziu-se um viralatismo às avessas, não só ao
replicar o modelo de Trump, como também ao escolher o azul, cor do Partido
Democrata, como contraponto ao vermelho do Partido Republicano. O mais grave,
contudo, é ver que os planos do governo se resumem a marotagens marqueteiras.
Enquanto embarca no populismo digital, o
governo está às voltas com dois problemas gigantescos: sair das cordas na
relação com o Congresso e segurar as rédeas de uma base heterogênea,
fragmentada e indócil. Em vez de se concentrar nesses desafios, cria fantasias
nacionalistas e aponta o dedo para o Centrão a fim de justificar os próprios
fracassos. Mas, como ensinou a professora Maria Hermínia Tavares de Almeida, em
entrevista ao Valor, o problema do governo é menos o fato de o Congresso
ser majoritariamente de direita e mais a ausência de foco. Espremido entre a
falta de clareza sobre o que quer e a incompetência para fazê-lo, só lhe resta
promover meros atos de lacração, como se diz, forjados para gerar likes nas
redes sociais e atiçar a militância.
Trump brinca com fogo no Oriente Médio
O Estado de S. Paulo
Sua proposta para Gaza é moralmente
ultrajante e impraticável operacionalmente. Ainda que concebida como cortina de
fumaça ou tática de negociação, pode desencadear uma catástrofe
Donald Trump chocou o mundo, de novo, mas
desta vez um ponto acima na escala Richter geopolítica. A ideia de varrer 2
milhões de palestinos, apropriar-se de Gaza e transformá-la na “Riviera do
Oriente Médio” foi moralmente a mais ultrajante de seu catálogo de ideias
moralmente ultrajantes. Ao mesmo tempo, é tão impraticável que faz a anexação
do Canadá, da Groenlândia e do Canal do Panamá parecer um negócio trivial. É
uma bomba, mas uma bomba de efeito moral.
Os palestinos estão horrorizados; os
israelenses estão confusos; os árabes, indignados; os analistas, atônitos.
“Todo mundo com quem eu falei ama a ideia dos EUA possuindo aquele pedaço de
terra”, disse Trump. Quem? Egito e Jordânia disseram que jamais receberão os
palestinos. Junto a três países árabes aliados dos EUA, eles assinaram uma
declaração alertando que a deportação “empurrará a região para mais tensão,
conflito e instabilidade”. A Arábia Saudita reafirmou seu compromisso com um
Estado palestino. Mesmo os fundamentalistas israelenses, eufóricos com a
possibilidade de uma limpeza étnica, jamais aceitarão um resort americano, por
exemplo, numa terra que consideram sua por mandato divino.
O mais estupefaciente na proposta – além de
ser um crime contra a humanidade – é que parece minar os objetivos que Trump
diz ter para o Oriente Médio, a começar pela manutenção dos Acordos de Abraão
entre Israel e aliados árabes, a primeira conquista de Trump na região; a
normalização das relações entre Israel e Arábia Saudita; os tratados de paz
entre Israel e Egito e Jordânia; a consequente dissuasão do Irã; e a consumação
do cessar-fogo com o Hamas. E o que dizer dos americanos que sufragaram seu voto
pela promessa de que as aventuras americanas no exterior seriam sepultadas?
Qual pode ser a intenção de Trump? Será uma
manobra diversionista ou uma tática de negociação? As duas possibilidades não
se excluem.
A provocação pode ser uma distração da
opinião pública doméstica ao assalto à burocracia federal. Pode ser também uma
boia de salvação para o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, e uma cortina de
fumaça para ele manobrar o cessar-fogo com o Hamas conforme seu interesse.
Trump pode ter concebido seus planos
maximalistas como uma alavanca de negociação. Entre preservar seu controle de
Gaza e manter a população palestina lá, o Hamas poderia abdicar da primeira
opção. A Arábia Saudita poderia amolecer a sua posição e ceder sua pretensão a
um território soberano dos palestinos em troca de sua mera permanência. “Trump
está demonstrando pressão máxima contra o Hamas para assustá-los, para que
façam concessões reais”, sugeriu o analista político palestino Mkhaimar Abusada
ao The New York Times. “Ele também está impondo pressão máxima sobre a
região, para que pactuem por menos em troca da normalização com Israel.”
Estas táticas disruptivas podem funcionar,
mas também produzir resultados catastróficos. O Hamas está entocado, mas não
está morto e detém dezenas de reféns. Diante de uma situação desesperada, pode
mandar o cessar-fogo pelos ares. O ultraje dos árabes pode superar o
pragmatismo e desencadear retrocessos nas tratativas com Israel. Seja como for,
a credibilidade dos EUA com seus parceiros europeus e com o chamado Sul Global
se deteriorará alguns graus a mais. Rússia e China terão novas justificativas
para tomar territórios como acharem que lhes convêm.
O suposto sonho de Trump é um pesadelo para
os palestinos. Após décadas sob o jugo dos terroristas do Hamas, após meses de
destruição sob a artilharia de Israel, o deslocamento seria uma nova nakba (“catástrofe”),
mais terrível do que aquela experimentada em 1948, quando os palestinos foram
forçados a fugir de suas casas nas guerras em torno da criação do Estado judeu.
Ainda que Trump realmente queira isso – o que é improvável –, não acontecerá,
porque nem os países árabes, nem o povo americano, nem os palestinos o
tolerarão. Mas, desde já, sua retórica inflamará mais antissemitismo e
antiamericanismo pelo mundo. E, se a reação dos fanáticos do Hamas for ainda
mais irracional e truculenta que a sua “proposta”, o sangue estará também nas
suas mãos.
Tragédia anunciada no Pelourinho
O Estado de S. Paulo
Desabamento de forro do teto da ‘Igreja de
Ouro’ evidencia estado de abandono do patrimônio nacional
O desabamento do forro do teto da Igreja de
São Francisco de Assis, no Pelourinho, centro histórico de Salvador (BA),
terminou em dupla tragédia. Uma jovem paulista de 26 anos perdeu sua vida e o
Brasil perdeu parte de sua história. Triste constatar que tais perdas poderiam
ter sido evitadas não fosse o desmazelo com a preservação do patrimônio
nacional.
Conhecida como a “Igreja de Ouro”, o templo
data de 1708 e é um marco barroco reconhecido como patrimônio da humanidade há
40 anos. Desponta ainda como um dos principais pontos turísticos da Bahia.
Nada disso é fruto do acaso, mas de muito
descaso com bens de valor histórico, artístico e cultural. Prova disso é que,
assim como ocorreu com a “Igreja de Ouro” agora, a negligência tem acarretado
danos incalculáveis ao País, como os causados pelos incêndios no Museu
Nacional, no Rio de Janeiro, e na Cinemateca Brasileira, em São Paulo.
No caso do patrimônio de Salvador, chama a
atenção que vêm de longe os alertas para a deterioração do imóvel. Reportagem
deste jornal de 2010 já denunciava problemas estruturais no prédio.
Historiadores e especialistas cobravam havia anos medidas para a conservação
dessa relíquia do Brasil Colônia.
Por meio de nota, o Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (Iphan) informou que, em 2022, notificou a
Província Franciscana de Santo Antônio do Brasil, proprietária e responsável
pela Igreja de São Francisco de Assis, sobre o mau estado de conservação do
imóvel. O fato é que, de lá para cá, obviamente nada foi feito para evitar a
tragédia, independentemente de quem seja o “vencedor” em um jogo de empurra que
se revelou mortal.
O presidente do Iphan, Leandro Grass, afirmou
que a instituição foi alertada do estufamento do forro, mas, segundo ele, o
frei que deu o aviso não havia pedido urgência, como se o longevo e conhecido
estado de degradação da igreja não demandasse ações imediatas. Uma vistoria
estava marcada para o dia seguinte ao acidente. Tarde demais.
O governo federal tem frisado que a igreja
pertence à Ordem Primeira de São Francisco, ou seja, trata-se de uma
propriedade particular. Mas, nesse tristíssimo episódio, não há lugar para se
eximir de responsabilidades, mas sim para ações que impeçam a ocorrência de
novas tragédias. A Arquidiocese de Salvador, o governo federal e demais órgãos
públicos devem respostas à sociedade.
A ministra da Cultura, Margareth Menezes,
disse que, “unindo forças, nós vamos reconstruir essa igreja”. Não basta, pois
há muito trabalho a ser feito. Apenas em Salvador, segundo a Defesa Civil
local, há 2,7 mil construções históricas em risco. Enquanto isso, o presidente
Lula da Silva afirmou ter “bronca” de tombamento; para ele, não basta tombar, é
“preciso colocar dinheiro”.
Não menos importante, deve-se também cobrar o engajamento das esferas municipal e estadual, haja vista que, no caso de Salvador, a igreja e os casarões públicos ou privados são engrenagem da indústria do turismo local. Só quando todos assumirem suas responsabilidades haverá preservação e, quiçá, tragédias evitáveis como essa deixarão de se repetir.
O
mundo está se tornando uma caldeira
Correio
Braziliense
Devemos ser um exemplo de combate ao aquecimento global. A transição para fontes de energia renovável, proteção das florestas e promoção de práticas sustentáveis em todos os setores da sociedade tornou-se uma questão existencial para a vida no planeta
A
Terra está ficando cada vez mais quente. Os números não mentem. Desde a
Revolução Industrial, a temperatura média da Terra subiu cerca de 1,1°C. Em
2024, registramos o ano mais quente já documentado, com temperaturas 1,46°C
acima dos níveis pré-industriais. Esse aquecimento é resultado direto da
concentração de gases de efeito estufa. Esses gases ficam na atmosfera do
planeta e ajudam a mantê-lo aquecido, como uma coberta que segura o calor. Isso
é importante para a vida na Terra, mas quando há muitos desses gases, o planeta
esquenta demais.
A
concentração de dióxido de carbono (CO²) na atmosfera atingiu 414 partes por
milhão (ppm), a maior já registrada. O dióxido de carbono (CO²) é
produzido pela queima de carvão, petróleo e gás em fábricas, carros e na
produção de energia e pelo desmatamento. É o gás de efeito estufa mais comum e
contribui significativamente para o aquecimento global. Há outros gases. Muito
mais potente para reter o calor, o metano é produzido pelo gado, o cultivo de
arroz, aterros sanitários e extração de petróleo e gás. O óxido nitroso (N²O) é
resultado do uso de fertilizantes e queima de combustíveis e certos processos
industriais.
Quando
se fala em transição energética e combate ao desmatamento, estamos tratando da
redução da produção desses gases, cujo aumento é responsável por gravíssimos
problemas. É o caso, por exemplo, do derretimento das calotas polares e
geleiras, que eleva e aquece o nível do mar, com sérias consequências para a
vida marinha e para a segurança das cidades costeiras e ilhas oceânicas. Muitas
espécies correm risco de extinção devido à destruição de seus habitats
naturais.
Os
cientistas advertem que a emissão de fases de efeito estufa no ritmo atual fará
com que a temperatura na terra aumente 2ºC até 2045, ultrapassando as metas do
Acordo de Paris. Para se ter uma ideia, um aumento adicional de 0,5ºC na
atual temperatura global média pode triplicar as áreas já existentes
inadequadas para a habitação humana por causa do calor.
Para
enfrentar o problema, entretanto, é preciso combater o negacionismo. Alguns
argumentam que o clima muda naturalmente e que não precisamos nos
preocupar; outros dizem que as mudanças não são tão graves quanto os cientistas
afirmam. O negacionismo ganhou força novamente, com a posse do presidente dos
Estados Unidos, Donald Trump, que retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris
outra vez. Negam a existência do problema porque a transição energética pode
afetar indústrias que trazem muito dinheiro, como petróleo e carvão. Grandes
empresas que dependem de combustíveis fósseis tentam minimizar a preocupação
com o clima para não prejudicar seus lucros.
Em novembro, sediaremos a próxima Conferência Global do Clima, a COP30, que se realizará em Belém. O Brasil tem um papel estratégico no combate ao aquecimento global e condições excepcionais para a transição energética, com utilização de fontes de energia limpa, como hidrelétricas, usinas solares e eólicas. Devemos ser um exemplo de combate ao aquecimento global. A transição para fontes de energia renovável, proteção das florestas e promoção de práticas sustentáveis em todos os setores da sociedade tornou-se uma questão existencial para a vida no planeta.
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