sábado, 8 de fevereiro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Em vez de 25, governo deveria ter duas prioridades

O Globo

Executivo e Legislativo precisam se unir para conter gastos públicos e limitar emendas parlamentares

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, apresentou ao novo presidente da Câmara, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), uma relação com 25 projetos que considera prioritários para a economia. Ora, quem tem 25 prioridades, na realidade, não tem nenhuma. O problema é ainda mais grave. Estão fora da lista de Haddad as duas — apenas duas — prioridades a que Executivo e Legislativo deveriam se dedicar neste ano e no próximo. Primeira: um ajuste fiscal capaz de estabilizar a dívida pública em horizonte tangível. Segunda: impor transparência e limites à farra das emendas parlamentares, as maiores do mundo quando medidas em proporção ao Orçamento.

A dívida pública brasileira cresce sem parar. Neste governo, deverá aumentar entre 12 e 14 pontos percentuais pelas previsões. À medida que o tempo passa, fica mais caro financiá-la. Prova disso são as atuais ofertas de títulos públicos indexados à inflação, com taxas de retorno real próximas de 8% ao ano. Até agora, o governo finge que o problema não existe. Insiste em dizer estar cumprindo as metas do arcabouço fiscal, sem reconhecer que as atuais regras, cheias de buracos e exceções, são insuficientes para estancar o endividamento. Diante do tsunami em formação, se gaba de erguer uma mureta de 30 centímetros.

Contingenciamentos e bloqueios de despesas não resolverão o problema. O ajuste fiscal necessário é da ordem de R$ 250 bilhões anuais por um longo período. Para atingir esse objetivo, serão necessárias medidas capazes de alterar a estrutura do Orçamento. A primeira é desvincular reajustes de benefícios e aposentadorias do salário mínimo, de modo a conter a explosão nas contas da Previdência. A segunda é desvincular despesas orçamentárias obrigatórias em rubricas como saúde e educação, que engessam a gestão federal sem trazer ganhos mensuráveis nessas áreas. Em vez de gastar mais, será preciso aprender a gastar melhor.

Lula rejeita tais propostas sob o argumento fajuto de que lançam sobre os ombros dos mais pobres a conta do ajuste. É difícil encontrar evidências que sustentem essa visão. A política de aumento real de benefícios e aposentadorias pode até render votos, mas alimenta a deterioração da economia, e isso não costuma ter final feliz. Basta lembrar as recessões provocadas pela irresponsabilidade fiscal de Dilma Rousseff. A retomada da inflação já voltou a corroer os ganhos de que o governo se vangloria. E, do ponto de vista financeiro, os maiores beneficiários do desarranjo nas contas públicas estão na camada de alta renda, que investe em títulos públicos mais rentáveis.

A outra prioridade do governo deveria ser impor limites às emendas parlamentares. É preciso garantir total transparência, como exige a Constituição e tem determinado o Supremo Tribunal Federal (STF), e reduzir a fatia sem paralelo no mundo que elas ocupam no Orçamento. Os responsáveis pela volta da democracia e pela Constituição de 1988, citados por Motta em sua posse, jamais desejaram fazer do Congresso Nacional uma aberração entre as democracias. Os parlamentares brasileiros dão destino a 20% dos recursos livres do Orçamento. Os americanos a 2,4%, e os franceses a não mais que 0,1%. Que nenhum país tenha tentado até agora copiar essa jabuticaba brasileira prova quanto ela é nociva. A anuência do Executivo faz dele cúmplice na insanidade.

Plano de segurança federal requer uma visão realista sobre os custos

O Globo

Núcleo criado pelo governo busca inspiração nas UPPs. Mas não pode repetir erros que levaram a fracasso

O governo federal sempre preferiu manter distância do combate à violência, temendo desgaste em sua popularidade. Mas, diante do crescimento da preocupação da população com segurança — ela lidera a lista na última pesquisa Quaest — e do efeito negativo na aprovação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, finalmente começou a ensaiar medidas contra a criminalidade. Primeiro, o Ministério da Justiça propôs a PEC da Segurança, com ideias sensatas para facilitar o combate ao crime organizado. Os governadores, na defesa do controle sobre as polícias, rechaçaram a proposta. Em reação, o governo decidiu criar um núcleo contra o crime organizado, sob a coordenação do secretário Nacional de Segurança, Mário Sarrubbo. Não é a primeira vez que se cria algum grupo do tipo. Desta vez, é preciso que represente um passo decisivo para integrar as ações dos governos federal e estaduais.

O estágio a que chegou o poder das organizações criminosas comandadas por traficantes e milicianos requer articulação nacional, sob comando do governo federal, sem prejuízo à prerrogativa constitucional dos estados. O núcleo estratégico pretende definir um plano anual de operações integradas contra organizações criminosas a partir de informações sobre atuação, fonte de recursos e estrutura operacional. A ideia é que as operações para prender criminosos sejam feitas pelas polícias estaduais. “Não haverá interferência de força federal, a não ser no caso de operações integradas com as Forças Nacionais”, diz Sarrubbo. Os governos estaduais precisarão aceitar esse plano, para que ele seja viável.

Outro propósito do governo federal é, nesse trabalho conjunto, recuperar as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), criadas em 2008 no Rio de Janeiro. A ideia, sensata, era acabar com o entra e sai das investidas da polícia contra o tráfico nas favelas, quase sempre com vítimas inocentes. A proposta era entrar nessas áreas, expulsar os criminosos e mantê-las sob o controle do Estado. No início, a iniciativa foi bem-sucedida. Mas com o tempo as UPPs fracassaram, sobretudo porque o governo, por razões eleitorais, as ampliou de forma desmedida, sem dispor da infraestrutura e dos recursos humanos necessários para expandir seu papel social. O crime conseguiu se infiltrar nas organizações policiais e recuperou territórios.

O novo plano do Ministério da Justiça pretende criar um projeto-piloto do programa numa cidade do Nordeste. A intenção é transformar a economia da localidade, hoje abastecida pelo crime. Fazem parte do plano, além de programas sociais, a abertura de linhas de financiamento para negócios próprios e encaminhamento a cursos profissionalizantes. “Meu sonho é chegar ao Rio de Janeiro”, diz Sarrubbo. É importante que o plano produza efeitos rapidamente, devido ao estágio desesperador da violência no Brasil. Mas é essencial não recair no mesmo erro das UPPs, indo além das possibilidades. Sobretudo, é preciso manter uma visão realista do esforço necessário para conter o crime e respeitar os recursos disponíveis.

Janeiro quente surpreende La Niña e o mundo

Folha de S. Paulo

Fenômeno não arrefece aquecimento, como deveria; um negacionista como Trump no país que mais emite carbono é mau augúrio

Não faz ainda um mês confirmou-se a chegada de La Niña, estado das águas do oceano Pacífico que afeta todo o clima do planeta resfriando-o. Seria o tão esperado alívio para as condições escaldantes de 2024, ano de El Niño recordista de calor e eventos atmosféricos extremos, mas não foi o que se viu.

Janeiro terminou como o mais quente já registrado, segundo o consórcio europeu Copernicus. Na média mundial, a temperatura da atmosfera ficou 1,75ºC acima dos níveis estimados para a época pré-industrial e 0,79ºC acima do período 1991-2020.

É uma situação inédita em tempos de La Niña, caracterizados por janeiros bem mais frios que os meses inaugurais de cada ano sob o fenômeno oposto, El Niño. O fato de o mês passado não apenas deixar de esfriar como ainda revelar-se recordista oferece signo eloquente da perturbação profunda no clima global.

Foi o 18º mês, entre os 19 passados, em que termômetros marcaram temperatura superior a 1,5ºC na comparação com registros anteriores à Revolução Industrial. Com ela deslanchou a queima de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás natural), que emite o principal gás do efeito estufa, dióxido de carbono (CO2).

Não surgiu ainda boa explicação para a surpresa de janeiro. Já se previa que La Niña viria enfraquecida, com tendência a dissipar-se em poucos meses, mas isso está longe de acontecer, e não justificaria tanta quentura.

Uma hipótese reza que outros mares do globo, vários com temperaturas acima da média, tenham compensado o efeito arrefecedor do Pacífico. Ocupando 70% da superfície do planeta e contendo 97% de sua água, oceanos absorvem boa parte do calor acrescido pelo aquecimento global, mas essa transformação também altera os padrões de ventos e precipitação conhecidos.

Possibilidade mais sombria foi aventada pelo pesquisador James Hansen, que desde os anos 1980 denuncia perigos da mudança climática: seu impacto teria sido contrabalançado pela poluição do ar. Material particulado lançado na atmosfera atuaria barrando energia solar incidente sobre a superfície, mas tal efeito cortina de fumaça estaria em recuo com o controle de fontes poluidoras.

Registros do passado fornecem doravante indicativos pobres do que está por vir, acentuando riscos inerentes a atividades agrícolas. La Niña deveria trazer estiagens acentuadas para o Brasil meridional, porém janeiro foi mais chuvoso que o normal no Sul, e Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, voltou a ter enchentes nos primeiros dias de 2025.

Acordo de Paris, firmado entre países no ano de 2015, estipulou 1,5ºC como limite de segurança, até o fim do século, para evitar o pior. Uma década depois, sem contenção nas emissões mundiais de carbono e com um negacionista como o republicano Donald Trump no comando do maior emissor da história, os Estados Unidos, janeiro prenuncia maus augúrios para o clima global.

Cultura é mais que Lei Rouanet

Folha de S. Paulo

Disputa sobre diploma encobre outras atribuições da pasta; tragédia em igreja baiana acende alerta para gestão de verbas

Um dos ministérios mais afetados pelo fenômeno da polarização ideológica é o da Cultura.

Jair Bolsonaro (PL) o extinguiu na sua gestão, atacando a Lei Rouanet. Luiz Inácio Lula da Silva (PTtrouxe a pasta de volta, enquanto setores à esquerda se recusam a debater problemas na implementação do diploma.

Tal disputa politizada em torno da Rouanet encobre o fato de que o Ministério da Cultura possui atribuições bem mais palpáveis e de maior alcance social, como o fomento de atividades que não se inserem no modelo de mercado da indústria cultural —orquestras, museus, bibliotecas— e a preservação do patrimônio histórico.

O trágico desabamento do forro do teto da Igreja e Convento de São Francisco, que matou uma pessoa e deixou cinco feridas em Salvador na quarta (5), acende o alerta para as atribuições do ministério que ficam soterradas pela verborragia da guerra cultural.

Segundo a lei, o proprietário de um bem tombado, como é o caso, é responsável pela sua conservação, mas, se ele não tiver recursos, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) precisa executar as reformas necessárias.

Desde 2016, o Ministério Público Federal tenta fazer com que a Comunidade Franciscana da Bahia, gestora da Igreja e Convento de São Francisco, e o Iphan realizem obras estruturais no prédio. Somente em outubro de 2024, porém, as duas entidades firmaram acordo para o projeto de reforma, com aporte de R$ 1,2 milhão do órgão federal.

Não se trata de caso isolado. A Folha mostra que o instituto tem pelo menos 800 imóveis protegidos à espera de obras de conservação e é parte em diversos processos judiciais que exigem o restauro de bens tombados.

Em 2023, o Iphan selecionou 105 propostas de recuperação de bens acautelados por ele. A formulação dos projetos custará R$ 41 milhões, e, ao longo de quatro anos, R$ 730 milhões serão destinados à execução das obras.

O montante reservado para preservação do patrimônio histórico neste 2025 é de R$ 254 milhões —R$44 milhões a mais do que no ano passado e bem acima dos R$ 39 milhões por ano, em média, do governo anterior.

Diante de um Orçamento deficitário, a pasta precisa produzir diagnósticos para alocar recursos nos setores culturais que mais necessitam de recursos públicos e em projetos urgentes. Uma visão aberta em relação a parcerias com a iniciativa privada, considerando mecanismos de mercado, também seria fundamental.

 O boné lacrador do lulopetismo

O Estado de S. Paulo

Ver Lula e ministros com bonés azuis, onde se lê ‘O Brasil é dos brasileiros’, confirma não uma crítica a bajuladores de Trump, mas o marketing constrangedor de quem não sabe o que fazer

Os exegetas do Palácio do Planalto parecem ter encontrado uma solução para os problemas de ineficiência, governabilidade e popularidade que atormentam o presidente Lula da Silva: um boné e um slogan de linhagem provocativa. E, de quebra, provocam o presidente dos EUA, Donald Trump, o bolsonarismo e o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. Como se viu na eleição dos novos presidentes da Câmara e do Senado, ministros de Lula que se licenciaram para votar surgiram com bonés azuis, onde se lia “O Brasil é dos brasileiros”. Foi o caso de Alexandre Padilha (Relações Institucionais), Carlos Fávaro (Agricultura) e Camilo Santana (Educação), além do líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues. Depois, o próprio Lula embarcou na onda e apareceu com o boné em suas redes sociais.

O artifício saiu da cabeça de Padilha – ou melhor, de “um pessoal da periferia da zona sul de São Paulo”, segundo ele informou. Após acolher a sugestão, encomendou o slogan ao ministro da Secretaria de Comunicação Social, o marqueteiro de Lula e do PT, Sidônio Palmeira – um contraponto constrangedor aos bonés vermelhos “Make America Great Again” da campanha de Trump. Como é difícil acreditar que bonés ajudem a solucionar problemas que só boa gestão, liderança e sensatez são capazes de resolver, aos ministros que toparam a – vá lá – ideia restará apenas o constrangimento público.

Na ausência de atributos, o governo, sob inspiração onipresente de um marqueteiro, tem buscado incessantemente encontrar uma marca para chamar de sua. Mas, na falta de ter o que mostrar, sobra o que dizer. Com isso se ignora algo elementar: não há marketing, gesto, palavrório, slogan ou boné capazes de vender um produto ruim. Os bonés são um sintoma dessa deficiência lulopetista. Ademais, carente de substância, o governo recorre ao jogo de quem acredita numa máxima nascida da polarização, segundo a qual é preciso usar as armas do adversário para enfrentá-lo. A escolha animou os adversários. Na volta ao trabalho no Congresso, assistiu-se a uma risível guerra de bonés: os azuis lulopetistas contra parlamentares bolsonaristas com bonés em verde e amarelo e o slogan “Comida barata novamente. Bolsonaro 2026”.

Em tese, os bonés azuis aludem aos danos que o governo dos EUA pode causar ao Brasil, por meio de tarifas comerciais, de eventual humilhação imposta a brasileiros deportados ou dos vínculos estreitos com o bolsonarismo – como se sabe, enquanto esteve no Palácio do Planalto, Jair Bolsonaro costumava ignorar interesses nacionais para apresentar-se como um deslumbrado vassalo de sua contraparte americana. Em janeiro, o governador Tarcísio de Freitas parabenizou o presidente americano com o boné vermelho, e o coach Pablo Marçal postou um vídeo antigo com Trump como se tivesse estado na posse.

O lulopetismo mirou em todos eles, convicto de ter encontrado a fórmula para escancarar o “viralatismo de falsos patriotas que bajulam os EUA”, como definiu um site que defende o governo acima de tudo e de todos. Mas, na prática, produziu-se um viralatismo às avessas, não só ao replicar o modelo de Trump, como também ao escolher o azul, cor do Partido Democrata, como contraponto ao vermelho do Partido Republicano. O mais grave, contudo, é ver que os planos do governo se resumem a marotagens marqueteiras.

Enquanto embarca no populismo digital, o governo está às voltas com dois problemas gigantescos: sair das cordas na relação com o Congresso e segurar as rédeas de uma base heterogênea, fragmentada e indócil. Em vez de se concentrar nesses desafios, cria fantasias nacionalistas e aponta o dedo para o Centrão a fim de justificar os próprios fracassos. Mas, como ensinou a professora Maria Hermínia Tavares de Almeida, em entrevista ao Valor, o problema do governo é menos o fato de o Congresso ser majoritariamente de direita e mais a ausência de foco. Espremido entre a falta de clareza sobre o que quer e a incompetência para fazê-lo, só lhe resta promover meros atos de lacração, como se diz, forjados para gerar likes nas redes sociais e atiçar a militância.

Trump brinca com fogo no Oriente Médio

O Estado de S. Paulo

Sua proposta para Gaza é moralmente ultrajante e impraticável operacionalmente. Ainda que concebida como cortina de fumaça ou tática de negociação, pode desencadear uma catástrofe

Donald Trump chocou o mundo, de novo, mas desta vez um ponto acima na escala Richter geopolítica. A ideia de varrer 2 milhões de palestinos, apropriar-se de Gaza e transformá-la na “Riviera do Oriente Médio” foi moralmente a mais ultrajante de seu catálogo de ideias moralmente ultrajantes. Ao mesmo tempo, é tão impraticável que faz a anexação do Canadá, da Groenlândia e do Canal do Panamá parecer um negócio trivial. É uma bomba, mas uma bomba de efeito moral.

Os palestinos estão horrorizados; os israelenses estão confusos; os árabes, indignados; os analistas, atônitos. “Todo mundo com quem eu falei ama a ideia dos EUA possuindo aquele pedaço de terra”, disse Trump. Quem? Egito e Jordânia disseram que jamais receberão os palestinos. Junto a três países árabes aliados dos EUA, eles assinaram uma declaração alertando que a deportação “empurrará a região para mais tensão, conflito e instabilidade”. A Arábia Saudita reafirmou seu compromisso com um Estado palestino. Mesmo os fundamentalistas israelenses, eufóricos com a possibilidade de uma limpeza étnica, jamais aceitarão um resort americano, por exemplo, numa terra que consideram sua por mandato divino.

O mais estupefaciente na proposta – além de ser um crime contra a humanidade – é que parece minar os objetivos que Trump diz ter para o Oriente Médio, a começar pela manutenção dos Acordos de Abraão entre Israel e aliados árabes, a primeira conquista de Trump na região; a normalização das relações entre Israel e Arábia Saudita; os tratados de paz entre Israel e Egito e Jordânia; a consequente dissuasão do Irã; e a consumação do cessar-fogo com o Hamas. E o que dizer dos americanos que sufragaram seu voto pela promessa de que as aventuras americanas no exterior seriam sepultadas?

Qual pode ser a intenção de Trump? Será uma manobra diversionista ou uma tática de negociação? As duas possibilidades não se excluem.

A provocação pode ser uma distração da opinião pública doméstica ao assalto à burocracia federal. Pode ser também uma boia de salvação para o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, e uma cortina de fumaça para ele manobrar o cessar-fogo com o Hamas conforme seu interesse.

Trump pode ter concebido seus planos maximalistas como uma alavanca de negociação. Entre preservar seu controle de Gaza e manter a população palestina lá, o Hamas poderia abdicar da primeira opção. A Arábia Saudita poderia amolecer a sua posição e ceder sua pretensão a um território soberano dos palestinos em troca de sua mera permanência. “Trump está demonstrando pressão máxima contra o Hamas para assustá-los, para que façam concessões reais”, sugeriu o analista político palestino Mkhaimar Abusada ao The New York Times. “Ele também está impondo pressão máxima sobre a região, para que pactuem por menos em troca da normalização com Israel.”

Estas táticas disruptivas podem funcionar, mas também produzir resultados catastróficos. O Hamas está entocado, mas não está morto e detém dezenas de reféns. Diante de uma situação desesperada, pode mandar o cessar-fogo pelos ares. O ultraje dos árabes pode superar o pragmatismo e desencadear retrocessos nas tratativas com Israel. Seja como for, a credibilidade dos EUA com seus parceiros europeus e com o chamado Sul Global se deteriorará alguns graus a mais. Rússia e China terão novas justificativas para tomar territórios como acharem que lhes convêm.

O suposto sonho de Trump é um pesadelo para os palestinos. Após décadas sob o jugo dos terroristas do Hamas, após meses de destruição sob a artilharia de Israel, o deslocamento seria uma nova nakba (“catástrofe”), mais terrível do que aquela experimentada em 1948, quando os palestinos foram forçados a fugir de suas casas nas guerras em torno da criação do Estado judeu. Ainda que Trump realmente queira isso – o que é improvável –, não acontecerá, porque nem os países árabes, nem o povo americano, nem os palestinos o tolerarão. Mas, desde já, sua retórica inflamará mais antissemitismo e antiamericanismo pelo mundo. E, se a reação dos fanáticos do Hamas for ainda mais irracional e truculenta que a sua “proposta”, o sangue estará também nas suas mãos.

Tragédia anunciada no Pelourinho

O Estado de S. Paulo

Desabamento de forro do teto da ‘Igreja de Ouro’ evidencia estado de abandono do patrimônio nacional

O desabamento do forro do teto da Igreja de São Francisco de Assis, no Pelourinho, centro histórico de Salvador (BA), terminou em dupla tragédia. Uma jovem paulista de 26 anos perdeu sua vida e o Brasil perdeu parte de sua história. Triste constatar que tais perdas poderiam ter sido evitadas não fosse o desmazelo com a preservação do patrimônio nacional.

Conhecida como a “Igreja de Ouro”, o templo data de 1708 e é um marco barroco reconhecido como patrimônio da humanidade há 40 anos. Desponta ainda como um dos principais pontos turísticos da Bahia.

Nada disso é fruto do acaso, mas de muito descaso com bens de valor histórico, artístico e cultural. Prova disso é que, assim como ocorreu com a “Igreja de Ouro” agora, a negligência tem acarretado danos incalculáveis ao País, como os causados pelos incêndios no Museu Nacional, no Rio de Janeiro, e na Cinemateca Brasileira, em São Paulo.

No caso do patrimônio de Salvador, chama a atenção que vêm de longe os alertas para a deterioração do imóvel. Reportagem deste jornal de 2010 já denunciava problemas estruturais no prédio. Historiadores e especialistas cobravam havia anos medidas para a conservação dessa relíquia do Brasil Colônia.

Por meio de nota, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) informou que, em 2022, notificou a Província Franciscana de Santo Antônio do Brasil, proprietária e responsável pela Igreja de São Francisco de Assis, sobre o mau estado de conservação do imóvel. O fato é que, de lá para cá, obviamente nada foi feito para evitar a tragédia, independentemente de quem seja o “vencedor” em um jogo de empurra que se revelou mortal.

O presidente do Iphan, Leandro Grass, afirmou que a instituição foi alertada do estufamento do forro, mas, segundo ele, o frei que deu o aviso não havia pedido urgência, como se o longevo e conhecido estado de degradação da igreja não demandasse ações imediatas. Uma vistoria estava marcada para o dia seguinte ao acidente. Tarde demais.

O governo federal tem frisado que a igreja pertence à Ordem Primeira de São Francisco, ou seja, trata-se de uma propriedade particular. Mas, nesse tristíssimo episódio, não há lugar para se eximir de responsabilidades, mas sim para ações que impeçam a ocorrência de novas tragédias. A Arquidiocese de Salvador, o governo federal e demais órgãos públicos devem respostas à sociedade.

A ministra da Cultura, Margareth Menezes, disse que, “unindo forças, nós vamos reconstruir essa igreja”. Não basta, pois há muito trabalho a ser feito. Apenas em Salvador, segundo a Defesa Civil local, há 2,7 mil construções históricas em risco. Enquanto isso, o presidente Lula da Silva afirmou ter “bronca” de tombamento; para ele, não basta tombar, é “preciso colocar dinheiro”.

Não menos importante, deve-se também cobrar o engajamento das esferas municipal e estadual, haja vista que, no caso de Salvador, a igreja e os casarões públicos ou privados são engrenagem da indústria do turismo local. Só quando todos assumirem suas responsabilidades haverá preservação e, quiçá, tragédias evitáveis como essa deixarão de se repetir.

O mundo está se tornando uma caldeira

Correio Braziliense

Devemos ser um exemplo de combate ao aquecimento global. A transição para fontes de energia renovável, proteção das florestas e promoção de práticas sustentáveis em todos os setores da sociedade tornou-se uma questão existencial para a vida no planeta

A Terra está ficando cada vez mais quente. Os números não mentem. Desde a Revolução Industrial, a temperatura média da Terra subiu cerca de 1,1°C. Em 2024, registramos o ano mais quente já documentado, com temperaturas 1,46°C acima dos níveis pré-industriais. Esse aquecimento é resultado direto da concentração de gases de efeito estufa. Esses gases ficam na atmosfera do planeta e ajudam a mantê-lo aquecido, como uma coberta que segura o calor. Isso é importante para a vida na Terra, mas quando há muitos desses gases, o planeta esquenta demais.

A concentração de dióxido de carbono (CO²) na atmosfera atingiu 414 partes por milhão (ppm), a maior já registrada.  O dióxido de carbono (CO²) é produzido pela queima de carvão, petróleo e gás em fábricas, carros e na produção de energia e pelo desmatamento. É o gás de efeito estufa mais comum e contribui significativamente para o aquecimento global. Há outros gases. Muito mais potente para reter o calor, o metano é produzido pelo gado, o cultivo de arroz, aterros sanitários e extração de petróleo e gás. O óxido nitroso (N²O) é resultado do uso de fertilizantes e queima de combustíveis e certos processos industriais.

Quando se fala em transição energética e combate ao desmatamento, estamos tratando da redução da produção desses gases, cujo aumento é responsável por gravíssimos problemas. É o caso, por exemplo, do derretimento das calotas polares e geleiras, que eleva e aquece o nível do mar, com sérias consequências para a vida marinha e para a segurança das cidades costeiras e ilhas oceânicas. Muitas espécies correm risco de extinção devido à destruição de seus habitats naturais.

Os cientistas advertem que a emissão de fases de efeito estufa no ritmo atual fará com que a temperatura na terra aumente 2ºC até 2045, ultrapassando as metas do Acordo de Paris. Para se ter uma ideia, um aumento adicional de 0,5ºC  na atual temperatura global média pode triplicar as áreas já existentes inadequadas para a habitação humana por causa do calor.

Para enfrentar o problema, entretanto, é preciso combater o negacionismo. Alguns argumentam  que o clima muda naturalmente e que não precisamos nos preocupar; outros dizem que as mudanças não são tão graves quanto os cientistas afirmam. O negacionismo ganhou força novamente, com a posse do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris outra vez. Negam a existência do problema porque a transição energética pode afetar indústrias que trazem muito dinheiro, como petróleo e carvão. Grandes empresas que dependem de combustíveis fósseis tentam minimizar a preocupação com o clima para não prejudicar seus lucros.

Em novembro, sediaremos a próxima Conferência Global do Clima, a COP30, que se realizará em Belém. O Brasil tem um papel estratégico no combate ao aquecimento global e condições excepcionais para a transição energética, com utilização de fontes de energia limpa, como hidrelétricas, usinas solares e eólicas. Devemos ser um exemplo de combate ao aquecimento global. A transição para fontes de energia renovável, proteção das florestas e promoção de práticas sustentáveis em todos os setores da sociedade tornou-se uma questão existencial para a vida no planeta. 

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