Encenação no Congresso agride a democracia
O Globo
Parlamentares de oposição prestam desserviço
ao país paralisando as sessões em meio à tensão do tarifaço
Na véspera da entrada em vigor do tarifaço de
Donald Trump — penalizando o Brasil mais que quase todos os países —, era
esperado que o Congresso estivesse empenhado em buscar saídas para atenuar os
efeitos negativos. Em vez disso, parlamentares de oposição, revoltados com a
prisão domiciliar do ex-presidente Jair
Bolsonaro, armaram uma pantomima insólita. Ocuparam as mesas da
Câmara e do Senado e, com esparadrapos colados na boca, impediram o início de
sessões no plenário.
A obstrução é um dispositivo que faz parte do
regimento do Parlamento, mas ocupação e tumulto não. A chantagem da bancada
oposicionista não poderia ser mais clara: ou o Parlamento anistia Bolsonaro,
réu acusado de tentativa de golpe de Estado no Supremo Tribunal Federal (STF),
ou a pauta do Congresso ficará travada. A meta é ajudá-lo a escapar da Justiça
de qualquer maneira. Na atual conjuntura, a resposta daqueles que ocupam cargos
de comando na República precisa ser serena. O clima do “quanto pior, melhor”,
cevado pela investida para livrar Bolsonaro, nada de bom trará ao Brasil.
O modus operandi da família Bolsonaro é
conhecido. Os alvos mudam, mas a estratégia é a mesma: fazer todo tipo de
pressão para tentar salvá-lo de uma condenação praticamente inevitável diante
das provas acumuladas. Nos Estados Unidos, o deputado Eduardo
Bolsonaro (PL-SP) tentou convencer a Casa Branca a impor
sanções contra o ministro do Supremo Alexandre de
Moraes, visto como nêmesis pelo bolsonarismo. Colheu como resultado
não apenas isso, mas um tarifaço que traz prejuízo a todo o Brasil. “Dou graças
a Deus que ele [Trump] voltou suas atenções para o Brasil”, disse ao GLOBO.
“Acho que tem valido a pena.”
Não foi sua única declaração estapafúrdia.
Eduardo confirmou querer provocar nova reação do governo Trump diante da prisão
domiciliar do pai e ameaçou abertamente as lideranças do Congresso: “Uma vez
que não é pautado o impeachment do ministro Alexandre de Moraes no Senado, uma
vez que o presidente da Câmara não pauta anistia, eles estão entrando no radar
das autoridades americanas. As pessoas que estão em posição de poder têm
responsabilidades e estão sendo observadas pelas autoridades americanas”.
É evidente que as decisões de Moraes não
estão imunes a críticas — e têm sido defendidas e criticadas por juristas
respeitáveis. Mas seus eventuais desvios precisam ser corrigidos dentro dos
ritos jurídicos apropriados, não com ameaças ou encenações no Congresso. Vale
lembrar: Bolsonaro ainda não foi condenado. Tem — e terá — toda oportunidade de
se defender no processo.
As lideranças parlamentares têm respondido com a devida calma ao furor da bancada bolsonarista. Pautas descabidas, como anistia a golpistas, seguem na gaveta. Em nota oportuna, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), fez um chamado à serenidade, pedindo civilidade e diálogo. Marcou para hoje a retomada das sessões, de forma remota. O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), lembrou que não cabe a ele avaliar decisões judiciais. Sem ceder à chantagem, ameaçou suspender o mandato dos rebeldes e, depois de muita negociação, conseguiu abrir a sessão no plenário ontem à noite. Ambos estão certos. Regras e caminhos institucionais são claros e precisam ser respeitados. A balbúrdia só interessa a quem despreza a democracia.