domingo, 10 de agosto de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Impacto do tarifaço no Brasil pode não ser tão dramático

O Globo

Qualquer programa de ajuda do governo precisa ter foco e, sobretudo, ser temporário

Não era apenas bravata. O Brasil foi alvejado por Donald Trump com a maior punição em seu tarifaço, uma sobretaxa de 50% nas exportações aos Estados Unidos (se até o fim do mês a Índia não ceder à pressão para que pare de comprar petróleo russo, será o único país sujeito a taxação igual). A fúria tarifária de Trump, vale lembrar, tem escala planetária. Como tarifas subiram para praticamente todos os parceiros comerciais americanos, o resultado será um rearranjo da economia global. Para reduzir os danos aos exportadores brasileiros, o governo federal terá de analisar caso a caso suas demandas.

O Tesouro não tem recursos sobrando, e o Executivo não deveria aumentar ainda mais o endividamento para socorrer todos os que passarem por dificuldade. Qualquer programa de ajuda deve ter foco e, sobretudo, ser temporário — afinal, sabe-se lá quanto tempo durarão as tarifas. Para vários segmentos, o sobressalto agudo poderá ser passageiro. O deslocamento das mercadorias para o mercado interno é sempre uma saída, e há dezenas de compradores externos além dos Estados Unidos.

Exportadores de café estão entre os que sem dúvida conseguirão encontrar novos mercados. Há escassez nos estoques mundiais, e a demanda se mantém inalterada. O setor tem tudo o que é preciso para buscar alternativas: tradição exportadora, contatos em vários países e mão de obra especializada em comércio internacional. Esse também é o caso da indústria de carnes. Com atuação marcante de grandes grupos empresariais, ela na certa tem mais capacidade de enfrentar as adversidades.

Em setores como a indústria têxtil, de calçados, frutas ou pescados, a situação é outra. Há grande participação de pequenas e médias empresas, mais suscetíveis a problemas como falta de capital de giro. As próximas semanas e meses serão desafiadores, em especial para empresas que trabalham com produtos perecíveis. Mesmo para essas, porém, o governo não deve antecipar linhas de socorro, sob o risco de desestimular a procura por novos mercados. Com o rearranjo no comércio global, é provável que oportunidades surjam.

Pós-verdade trumpista - Merval Pereira

O Globo

Quando o presidente dos Estados Unidos Donald Trump, em seu primeiro mandato, lançou o conceito de “verdade alternativa”, estava aberta a temporada que seria identificada como a da “pós-verdade”, termo que já fora usado anteriormente, mas tornou-se oficial quando assessores do recém-eleito presidente afirmaram que o número de pessoas que assistiram à posse presidencial em janeiro de 2017 foi maior do que na de Obama em 2009. Ao serem confrontados com outros dados, eles afirmaram que não estavam mentindo, mas apresentando “fatos alternativos”.

A “pós-verdade”, que já virara palavra do ano do dicionário Oxford, passou a definir a ação política de Trump, inclusive com o uso de “fake news” para atingir objetivos. Mentir em política sempre foi uma arma utilizada, mas o advento das redes digitais potencializou a disseminação de notícias falsas que antigamente chamavam-se de boatos, e hoje transformaram-se em “pós-verdade”.

Guerra invisível no centro da Terra - Míriam Leitão

O Globo

A COP no Brasil precisa superar seus desafios e ser bem-sucedida para enfrentar a guerra invisível provocada pelas mudanças climáticas

O Brasil estará amanhã na constrangedora situação de participar de uma reunião convocada pela ONU para discutir o custo exorbitante da hospedagem em Belém. O assunto deixou de ser um problema logístico para estar no centro do debate sobre o sucesso ou não da COP 30. A ganância e a falta de gerenciamento da questão podem destruir nossa chance de tornar bem-sucedida a primeira Conferência do Clima na maior floresta tropical do planeta. Há outros problemas. O governo Donald Trump não mandou um representante sequer para as reuniões preparatórias, o que derruba a expectativa de haver alguma participação dos Estados Unidos.

A guerra é a continuação da política por outros meios? - Antonio de Aguiar Patriota*

O Globo

O relógio simbólico que marca o risco de conflito nuclear nunca esteve tão perto da meia-noite

O general prussiano Carl von Clausewitz, que ajudou a derrotar Napoleão em Waterloo, era também um teórico da guerra. Seu nome ficou associado ao adágio segundo o qual a guerra é a continuação da política por outros meios. Será que essa ideia ainda faz sentido?

Até 1914-1918, a guerra era considerada atividade legítima para aquisição de território ou implementação de política externa. Em 1928, o Pacto Briand-Kellogg preconizou sua ilegalidade. Isso não impediu que Mussolini implodisse a Liga das Nações, nem que Hitler desencadeasse a Segunda Guerra Mundial. Determinados a impedir a repetição da tragédia, em 1945 os fundadores da ONU estabeleceram um sistema pelo qual o uso da força seria admissível apenas em autodefesa ou mediante autorização do Conselho de Segurança.

A Ferrogrão completa dois anos de vida só no papel - Elio Gaspari

O Globo

Completam-se amanhã dois anos do lançamento do Novo Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC), joia da coroa do governo Lula 3.0. Previa R$ 1,8 trilhão de investimentos. Na cumbuca, entrou o projeto da Ferrogrão. Trata-se de uma ferrovia com mil quilômetros de extensão, ligando as cidades de Sinop (MT) e Miritituba (PA). Pelo andar da carruagem, era fake news, pois nenhuma folha de papel saiu do lugar para permitir a discussão ou a realização da obra, prevista no Novo PAC para ser concluída em 2030.

Na melhor das hipóteses, a Ferrogrão ficou no ar por conta de um governo que não se mexe. Na pior, ela entrou no PAC para enganar a turma do agro.

A ferrovia — paralela à rodovia BR-163 já existente e asfaltada —, permitirá o escoamento de 50 milhões de toneladas de grãos anuais, com o frete estimado em R$ 150 por tonelada, metade do custo do mesmo frete por transporte rodoviário.

Admitindo-se que não se tratou de uma brincadeira, em dois anos Lula 3.0 não mexeu um só papel, nem discutiu um só tema relacionado com essa obra.

São muitos e dormentes os interesses contra a abertura de qualquer ferrovia. Se o governo teve de fato algum interesse na obra, nada melhor que abrir a discussão do projeto. Como se sabe, a luz do Sol é o melhor detergente.

Agressão externa e radicalização interna, arma-se a tempestade perfeita - Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Comando da Câmara é presidencialista, essa autoridade não pode ser afrontada, ainda mais numa Casa cuja característica principal é o diálogo como método de formação de maiorias e não a força física

O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), não tem a dimensão da sua responsabilidade histórica diante do impasse institucional que se arma a partir da crise diplomática e comercial do Brasil com os Estados Unidos. Seu comportamento durante as 30 horas em que um grupo de parlamentares bolsonaristas sequestrou a Mesa Diretoras da Câmara, em protesto contra a prisão domiciliar de Jair Bolsonaro, revela isso.

Fosse qualquer um dos que o antecederam, a resposta seria dura e imediata, à altura do poder e da liturgia do cargo que exerce. O comando da Câmara é presidencialista, essa autoridade não pode ser afrontada, ainda mais numa Casa cuja característica principal é o diálogo como método de formação de maiorias e não a força física.

O golpe avança - Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Com dossiês e chantagens, os golpistas querem o Brasil refém de Donald Trump

O nosso Brasil, tão varonil, está se tornando refém da aliança Bolsonaro-Trump, que ataca e chantageia o Supremo, tenta controlar o Congresso, desqualifica a mídia, captura corações e almas na sociedade e joga o setor privado contra a parede, com o intuito cada vez mais claro de não só livrar Jair Bolsonaro da cadeia, mas de isolar o governo Lula e dominar o País em 2026. É um projeto muito mais ameaçador do que parece a olho nu.

Depois da Lei Magnitsky contra Alexandre de Moraes, promoveram ataques coordenados a ministros do Supremo: um post ultrajante e sem precedentes da embaixada americana sobre “monitoramento” de quem apoia Moraes e um vídeo indecente de Eduardo Bolsonaro citando Gilmar Mendes e Cristiano Zanin. A intenção é deixar no ar a existência de dossiês para amedrontar o STF.

Candidato a chefe do mundo tem apoio no Brasil - Rolf Kuntz

O Estado de S. Paulo

As semelhanças entre o 6 de janeiro de 2021 em Washington e o 8 de janeiro de 2023 em Brasília de nenhum modo são casuais

A ambição de mandar no mundo foi reafirmada pelo presidente americano, Donald Trump, com a imposição de um tarifaço de 50% à Índia, como “punição”, segundo se informou, por negócios com a Rússia. Muito usada nos últimos dias, a palavra punição é inadequada. Pode-se punir quem descumpre uma regra. Mas nenhuma norma internacional proíbe o comércio com a Rússia. Além disso, nenhum acordo atribui aos Estados Unidos o controle de parcerias comerciais de outros países. Desprezar o perigo de um pretenso castigo, no entanto, seria uma imprudência. Sem sujeitar suas decisões a controle estrangeiro, o presidente do Brasil deve estar atento a ameaças, um risco aumentado, agora, por alguns políticos – patriotas de quais países? – empenhados na busca de interferência externa.

Trump já atingiu seu objetivo no Brasil - Lourival Sant’Anna

O Estado de S. Paulo

Os dois lados do espectro político do Brasil trabalham pela escalada com os Estados Unidos

O governo americano não prepara novas sanções contra o Brasil. Donald Trump já atingiu o objetivo principal, de rebater para a esquerda o estigma autoritário. Diante disso, Lula e o grupo de Jair Bolsonaro voltaram a fomentar a escalada que interessa a ambos.

De acordo com minha apuração, o Departamento de Estado não tinha planos, até sexta-feira, de adotar novas medidas contra autoridades do STF e do Planalto. O Escritório do Representante de Comércio dos EUA também não recebeu instruções de estudar tarifa adicional contra o Brasil por importar da Rússia, como fez com a Índia.

Oposição se atrela a boia furada - Dora Kramer

Folha de S. Paulo

Ação de radicais desarruma a cena da direita, que precisará rever sua política de alianças para 2026

A direita, descontada a extrema que merece outro tipo de qualificação, estava dando andamento razoável aos seus planos eleitorais para 2026, até que se viu engolfada pela crise do tarifaço e demais sanções.

Antes, apresentou-se ao debate, elegeu porta-vozes do projeto, na forma de candidaturas prévias de governadores e, no aguardo do desfecho do julgamento no Supremo Tribunal Federal, vinha cozinhando a fictícia postulação de Jair Bolsonaro (PL) de liderar a chapa presidencial.

A partir daí, rearrumaria as peças e daria início ao jogo. Isso na dependência do aprofundamento, ou não, do desgaste do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

As condições estavam mais ou menos dadas para uma campanha em que a direita entraria com a missão de administrar a abundância e a esquerda na condição de refém da escassez de possibilidades, atada à decisão de Lula.

Dólar segura a onda do Brasil - Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Depois do choque do tarifaço, juros e moeda dos EUA voltam à tendência de queda, por ora

tarifaço Trump-Bolsonaro causou febre nos mercados financeiros do Brasil em julho. Parece estar passando. As taxas de juros de prazo de dois anos ou mais estão à beira de voltar à linha da tendência de queda que vinha desde fevereiro, como se observa no atacado do mercado de dinheiro. O preço do dólar parece voltar à tendência de queda que se via desde abril, grosso modo.

Essa calmaria relativa ocorre durante a ofensiva "Blitzkrieg" do "duce" Donald Trump e de novo surto da insurreição permanente dos Bolsonaros e cúmplices. Portanto, pelo menos na visão da maioria dos donos e dos negociadores de dinheiro grosso, o risco de agravamento da guerra econômica de Trump e o golpismo sem fim dos Bolsonaros não têm peso suficiente para "fazer preço", para alterar correntes maiores que influenciam preços (câmbio, juros). Números piorados nas contas externas, de entrada de dólar ("fluxo cambial"), a ruindade porém estagnada das contas públicas e o tumulto político-eleitoral ora não fazem coceira nesse cenário.

Xandão está 100% certo - Celso Rocha de Barros

Folha de S. Paulo

Críticos do ministro agem por mistura de miopia com mutreta

Alexandre de Moraes está obviamente certo em decretar a prisão domiciliar de Jair Bolsonaro.

Bolsonaro não foi preso porque tentou um golpe de Estado depois de perder a eleição de 2022. Esse processo ainda está em andamento. Bolsonaro só deve ser preso por isso depois de condenado.

Foi preso agora em outro inquérito, instaurado porque Jair cometeu, com seus cúmplices Eduardo e Donald, a mais clara e evidente tentativa de obstrução de Justiça da história moderna: a maior superpotência do mundo tomou a economia brasileira como refém até que o Judiciário brasileiro aceite entregar para os Estados Unidos o direito de dizer que leis valem ou não valem em nosso território.

Um diagnóstico com brilho de pirita - Muniz Sodré

Folha de S. Paulo

Ninguém duvida da importância da diversidade de cérebros, nem minimiza os desestímulos paralisantes de verbas

Nem tudo que reluz é ouro, nem tudo que brilha em Harvard deve ser levado, acriticamente, a sério. É o que vem à mente após a leitura de um texto do renomado professor de filosofia e teoria social daquela universidade, Roberto Mangabeira Unger, brasileiro-americano. Ele compartilha o bom senso já generalizado de que o Brasil precisa deslocar-se do fornecimento de commodities físicas para o de serviços de conhecimento. Nisso é fundamental universidade de alto nível.

Até aí, reluz o argumento. Em seguida, porém, sustenta que entrave para o nível desejado é a dificuldade brasileira na contratação de professores estrangeiros. Ninguém duvida da importância da diversidade de cérebros, nem minimiza os desestímulos paralisantes de verbas e burocracia. Mas, para quem chefiou por duas vezes uma Secretaria de Assuntos Estratégicos, é surpreendente desconhecer a excelência das instituições nacionais que combinam ensino, pesquisa e extensão. Cabe especular se, no exercício daquelas funções, alguma vez se cogitou definir universidade como recurso estratégico.

O bolsonarismo no assalto ao Parlamento – Juliana Diniz

O Povo (CE)

A política democrática convive com a resistência, a irresignação e o dissenso, mas tudo isso só pode se dar legitimamente nos limites que a Constituição permite, do contrário, é de golpe que estamos falando

Em política, mais grave do que ser um líder fraco, é parecer fraco. Foi o que mostrou Hugo Motta na última quarta-feira. As cenas do presidente da Câmara dos Deputados tentando atravessar um amontoado de colegas até sua cadeira na mesa diretora da casa legislativa foram uma das mais deploráveis demonstrações de fraqueza que já se viu no Parlamento brasileiro. Impossibilitado de assumir seu posto diante da negativa de Marcel van Hattem, que ocupava a cadeira, Motta recuou, desmoralizado, sob comemorações dos parlamentares da oposição. Um vexame.

Poesia | Palavra mágica, de Carlos Drummond de Andrade

 

Música | Moacyr Luz & Samba do Trabalhador - Beija-me (Ao Vivo No Bar Pirajá) ft. Rildo Hora