terça-feira, 5 de agosto de 2025

Opinião do dia – Ulysses Guimarães*

“A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca.

Traidor da Constituição é traidor da Pátria. Conhecemos o caminho maldito. Rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio e o cemitério.

Quando após tantos anos de lutas e sacrifícios promulgamos o Estatuto do Homem da Liberdade e da Democracia bradamos por imposição de sua honra.

Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo. (Aplausos)

Amaldiçoamos a tirania aonde quer que ela desgrace homens e nações. Principalmente na América Latina.”

*Do discurso de Promulgação da Constituição, 5 de outubro de 1988


O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

BC deve adotar mais rigor ao fiscalizar fintechs

O Globo

Uso de startups financeiras pelo crime organizado exige ação mais urgente ao disciplinar mercado

Banco Central (BC) tem o dever de aumentar a supervisão no mercado de startups e empresas voltadas para produtos financeiros digitais, as fintechs. O Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), as duas maiores organizações criminosas do país, têm usado bancos digitais para receber e lavar dinheiro do tráfico, fraudes e outros crimes. Nos últimos seis anos, R$ 28,2 bilhões passaram por oito fintechs investigadas pela polícia e pelo Ministério Público, como revelou reportagem do GLOBO. A quantia é apenas uma amostra de um fluxo maior. Ao crime organizado não faltam sofisticação nem versatilidade. Opera criptoativos, concede empréstimos de fachada e recebe pagamentos internacionais. O desafio diante do BC é coibir a ação criminosa, mas sem criar um ambiente regulatório que eleve custos de forma a asfixiar a inovação trazida por empreendedores idôneos.

Bolsonaro estica a corda - Merval Pereira

O Globo

Tudo faz crer que Bolsonaro queria que sua prisão fosse decretada, embalado pela suposição de que, vitimizado, ganhará força na disputa com o relator dos processos

No atual momento político do país, é lícito desconfiar, pelo menos, de que os bolsonaristas jogam no tumulto generalizado para resolver o caso do ex-presidente Jair Bolsonaro. Todas as manobras levam à conclusão de que não se preparam para disputar uma eleição presidencial em poucos meses, mas pretendem desestabilizar as instituições democráticas acreditando que o apoio do presidente dos Estados Unidos bastará para levá-los de volta ao poder.

Tudo faz crer que Bolsonaro queria que sua prisão fosse decretada, embalado pela suposição de que, vitimizado, ganhará força na disputa com o relator dos processos contra ele, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. É pouco provável que ele ou os filhos não soubessem que, divulgando os pronunciamentos de Bolsonaro durante as manifestações contra Moraes e a favor de Trump e suas sanções contra o Brasil, quebravam as limitações impostas pela Justiça depois da decisão obrigando-o a usar tornozeleira eletrônica.

Trump é um pesadelo - Fernando Gabeira

O Globo

As divergências não podem evitar o diálogo. Precisamos ampliar nosso conhecimento sobre o que se passa nos EUA

Estive em Paraty para falar de um belo livro de fotos de João Farkas: “Costa norte”. Escrevi um texto de apresentação e, no debate sobre manguezais, dunas e petróleo na Foz do Amazonas, um homem perguntou:

— E o fator Trump, que dizer sobre ele?

Fugia um pouco do tema, mas respondi com sinceridade que Trump me tirava algumas horas de sono. Sou jornalista, ele é o homem mais poderoso do mundo. Terei de falar sobre ele nos próximos anos, é um inescapável pesadelo.

Seu narcisismo e estreiteza de ideias colocam um perigo ao analista: cair na zona de conforto da crítica fácil e deixar de evoluir como faria se estivesse diante de alguém com ambiguidades e zonas de sombra típicas da riqueza humana.

Tensão máxima na semana decisiva - Míriam Leitão

O Globo

Negociação com EUA fica mais travada com prisão de Bolsonaro, e saída europeia fica mais difícil sem veto a PL do licenciamento

A semana já estava bem tensa quando o ministro Alexandre de Moraes decretou a prisão domiciliar de Jair Bolsonaro. O tarifaço está marcado para começar a valer amanhã e não há sinais de negociação. Se houvesse alguma brecha, ela desapareceria depois da decisão sobre o ex-presidente. Num outro campo, está correndo a contagem regressiva para o veto ou não do PL do licenciamento. Parece tema distante, mas está inserido no mesmo dilema das relações internacionais. Se não for vetado, o Brasil pode ter problemas com outros parceiros, como a Europa.

Como enfrentar o truculento Donald Trump? É preciso tentar negociar, apesar de parecer impossível. Mas também é necessário pensar estrategicamente em outros mercados. O problema é que a caminhada insensata rumo à destruição ambiental pode nos fechar mercados alternativos. A Europa como um bloco é o segundo maior mercado brasileiro. O projeto de aprofundar essa relação através de um acordo comercial Mercosul-União Europeia pressupõe que o Brasil cumpra sua legislação ambiental e não a destrua, como faz esse PL. O caminho do meio que o governo tenta, que é vetar em parte, fará de nossa lei para o licenciamento ambiental um Frankenstein.

Bolsonaro preso por que? - Pedro Doria

O Globo

O filho Zero Três, Eduardo, já disse em live pelas redes que não se importa que o país vire terra arrasada

Não foi sem razão que o ministro Alexandre de Moraes decretou a prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro. Sua primeira decisão estabelecendo medidas cautelares continha ambiguidades. Nos dias seguintes, quando jornalistas quiseram entrevistar Bolsonaro, e todos foram ao Supremo Tribunal Federal (STF) cobrar clareza, clareza veio. Pode-se questionar a ordem de Moraes, mas era evidente que o ex-presidente estava proibido de incitar seus opositores contra a Corte e que não havia simpatia pela ideia de que outros publicassem seus comunicados nas redes. Ora, o senador Flávio Bolsonaro pôs o pai em ligação direta com uma multidão no domingo, pelo celular. Depois, publicou o vídeo nas redes sociais. Numa manifestação contra o Supremo. Não há o que discutir. Bolsonaro violou a ordem do ministro que o julga. Sofria algumas restrições à liberdade, agora elas ficaram mais rígidas. Sobram duas perguntas. A primeira: por que Bolsonaro fez isso? E a segunda: por que Moraes proibiu seu acesso às redes?

Prisão domiciliar de Bolsonaro agrava confronto com STF e tensão com Trump - Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Liderado por Esperidião Amin (PP-SC), um grupo de senadores ameaça apresentar um pedido de impeachment contra o ministro do STF, com 35 assinaturas já confirmadas

A decisão do ministro Alexandre de Moraes de impor prisão domiciliar ao ex-presidente Jair Bolsonaro representa um novo patamar na espiral ascendente do embate entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e a extrema-direita brasileira. Com justificativas firmadas na reiteração de condutas ilegais e no uso de terceiros — inclusive os filhos parlamentares, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e o vereador carioca Carlos Bolsonaro (PL) — para driblar proibições judiciais, Moraes tomou medidas que já estavam previstas nas leis.

Entretanto, ao impor limites à mobilização de apoio ao ex- -presidente, adiciona combustível à disputa diplomática com os Estados Unidos, sob a presidência de Donald Trump, uma variável externa que ninguém controla. Não é um episódio judicial isolado. A prisão domiciliar de um ex-presidente da República, combinada com o uso obrigatório de tornozeleira eletrônica, bloqueio de comunicações e restrição de visitas, representa uma medida extrema, ainda que justificada pelo descumprimento de ordens judiciais, como a proibição de uso de redes sociais — burlada por meio da atuação ativa de seus filhos e aliados, que difundem mensagens com teor golpista e ataques abertos ao STF.

Até onde a prisão de Bolsonaro pode levar Donald Trump - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Oposição fica amarrada pela divisão da direita e aposta na resposta da Casa Branca

O enquadramento na Lei Magnitsky não deteve o ministro Alexandre de Moraes. Quando o julgamento, com provável condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro, acontecer, o réu já estará preso em casa. Pela escalada, não se pode descartar que, até lá, haja uma prisão preventiva.

A progressão deste caso mostra que os descumprimentos não têm se dado pelos deslocamentos de Bolsonaro, mas pelo uso que o ex-presidente, seus familiares e apoiadores fazem das redes sociais, que o ministro havia vedado na decisão anterior.

O cerceamento a essas publicações não tem se mostrado eficaz e nada indica que, com Bolsonaro agora em prisão domiciliar, outras mensagens suas não venham a ser veiculadas. É uma encruzilhada. A escalada empurra Moraes a dobrar a aposta e alimentar, na oposição, inclusive naquela que tem assento na Casa Branca, a acusação de que está a afrontar a liberdade de expressão.

Reforma do sistema monetário global? - Luiz Gonzaga Belluzzo

Valor Econômico

A ampliação dos déficits comerciais americanos que atormentam Trump teve como contrapartida a rápida acumulação de reservas na China superavitária

As idiossincráticas trumpadas de Trump mereceriam a explicitação das forças socioeconômicas que se movimentam nos subterrâneos das vidas de mulheres e homens.

Keynes, o John Maynard, dedicou-se à compreensão das relações complexas entre Estrutura e Ação, entre os papéis sociais e sua execução pelos indivíduos engalanados nos ouropéis da liberdade e racionalidade, mas, de fato, enredados nas forças sistêmicas. Keynes, na esteira de Freud, introduziu as configurações subjetivas produzidas pelas interações entre as formas sociais e seus indivíduos, inexoravelmente submetidos aos objetivos de acumulação de riqueza monetária.

O Bolsa Família em tempos de turbulência global - Luiz Schymura

Valor Econômico

O gasto fiscal direto do programa é expressivo: saiu de algo como 0,5% do PIB, em 2019, para 1,5% do PIB, em 2024


Em julho, as más notícias do front econômico internacional dispararam sinais de alerta no Brasil. Três medidas simultâneas da administração americana criaram ventos contrários para nossas exportações: a imposição de novas tarifas sobre produtos brasileiros; a abertura de investigação sob a Seção 301 da Lei de Comércio dos EUA - que pode classificar práticas brasileiras como barreiras discriminatórias; e a provável aprovação de sanções automáticas contra países que mantêm relações comerciais com a Rússia.

Política em tempos de grandes mudanças - Paulo Hartung

O Estado de S. Paulo

O chão da história de vocação iluminista não se pavimenta com soluções fáceis nem episódicas, muito menos fratricidas, ditatoriais ou radicais

Vi vemos uma contemporaneidade convulsiva, transformada pela incidência das novas tecnologias, pela emergência climática e por movimentos desafiantes aos laços politicamente estruturados. Acrise desencadeada pelo governo norte-ameri canoco mo tari faço aprofunda esse quadro. E ocadinho que amalgama tantos problemas tem ingredientes vários. Experimentamos uma era de fluidez vertiginosa, que soma as dimensões presencial e digital para uma existência em dupla ambiência, atravessada por desprezo à factualidade, como bem mostra o fenômeno dramático das fake news.

Temos um crítico momento em que as bases democrático-republicanas de nossa civilização sofrem ataques ao redor do planeta, sombreado por retrocessos patrocinados por radicalidades do espectro político. No rastro da pandemia e feroz disputa por hegemonia global, geraramse efeitos danosos inegáveis, como a desorganização de diversificadas cadeias de suprimento. Guerras, ataques ao multilateralismo e a emergência climática adicionam complexidades a uma fase histórica de enfraquecimento do sistema internacional erigido no pós-1945, ora inclinado a ser suplantado por crescente beligerância, recrudescente protecionismo e preocupante negacionismo.

A dinâmica do caos - Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Bolsonaro confronta, Moraes radicaliza e as armas de Trump miram o Brasil

Quanto mais Jair Bolsonaro estica a corda e confronta, mais o ministro Alexandre de Moraes reage endurecendo as medidas cautelares. É assim que os dois vão acostumando a sociedade com a possibilidade de prisão do ex-presidente após a condenação final pelo Supremo, prevista para setembro, por tentativa de golpe. Quando, e se, ocorrer, a prisão definitiva já terá sido “naturalizada” até pelos bolsonaristas.

Há, porém, um obstáculo no meio do caminho: a chantagem de Donald Trump, exigindo o fim imediato dos processos contra Bolsonaro, em troca do recuo da tarifa de 50% para grande parte de produtos exportados pelo Brasil para os EUA. Moraes não tem alternativa. Ceder a Trump está fora de cogitação.

Em resumo - Carlos Andreazza

O Estado de S. Paulo

O cronista, sabidamente prolixo, inicia este artigo com um resumo do anterior: a aplicação deturpada, para coagir, da Lei Magnitsky contra Alexandre de Moraes tem a mesma natureza viciada da gestão anômala dos inquéritos de Xandão, infinitos e onipresentes. Em outras palavras: Moraes, criador do Direito, aplicaria a Magnitsky da mesma forma desvirtuada – constante e intimidadora – como Donald Trump, criador do Direito, faz. Em suma: Xandão aplicaria a Magnitsky contra Moraes.

Estacionadas sobre o País, uma alimentando a outra, as naves autoritárias xandônica e trumpista. Nenhuma delas capaz de resolver o nosso problema, senão agravá-lo. A uma, vale tudo para punir o golpista Bolsonaro. À outra, vale tudo para livrar o golpista Bolsonaro.

Escalada desatrosa - Joel Pinheiro da Fonseca

Folha de S. Paulo

A prisão domiciliar de Bolsonaro é choque de visões inconciliáveis que promete escalar ainda mais

A prisão domiciliar de Bolsonaro —não por algum crime que tenha cometido, e sim por ter feito uma mensagem para as redes sociais— ilustra uma dinâmica comum: o Supremo impõe restrições abusivas e a direita desafia o Supremo porque quer derrubá-lo. Estamos vendo o choque entre duas visões inconciliáveis que promete escalar ainda mais.

Para uma, vivemos o ataque constante à democracia pela extrema direita. Contra isso, o Supremo não pode assistir inerte enquanto as instituições do país são nocauteadas. Lugar de golpista é na cadeia e quem se indignar com isso é porque está do lado do golpe.

Datafolha é banho de realidade para Lula - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Tarifaço prejudicou bolsonarismo, mas não resultou numa volta por cima política para o governo

A mais recente pesquisa Datafolha deveria funcionar como um "reality check", um banho de realidade, para o governo Lula. Pelo que o instituto apurou, a crise em torno do tarifaço de Trump contra produtos brasileiros beneficiou o petista, mas de forma menos direta e menos definitiva do que se poderia supor.

O bolsonarismo sofreu abalo importante com a estripulia de Dudu, se é lícito chamar assim a campanha contra o Brasil que Eduardo Bolsonaro deslanchou nos EUA. É de 57% a proporção de brasileiros que repudia a tentativa de interferência da Casa Branca no sistema de Justiça brasileiro.

Outro dado interessante é que 61% dos entrevistados dizem que não votariam de jeito nenhum num candidato que prometesse livrar o capitão reformado e seus apaniguados de punições pelo 8/1. Mas isso nem de longe significa um golpe fatal no bolsonarismo. Nada menos do que 36% apoiam as ações do presidente americano. E, como vimos no domingo, a direita radical ainda é capaz de levar bastante gente às ruas.

Longe do insensato mundo – Dora Kramer

Folha de S. Paulo

O erro de cálculo dos extremistas oferece a chance de a política se livrar da armadilha do populismo

Aquilo que o bom senso não conseguiu, a insensatez dos operadores brasileiros de Donald Trump pode alcançar, proporcionando um respiro na divisão política local lastreada na radicalização e no personalismo, irmão gêmeo do populismo que nos torna refém do atraso.

Antagonistas sempre haverá, embates entre governo e oposição são da essência da democracia. Sem eles o que se tem é a ausência do contraditório, fator imprescindível ao exercício do espírito crítico numa sociedade plural e vigilante na cobrança ao atendimento de suas demandas por parte das lideranças.

A poção mágica da direita - Alvaro Costa e Silva

Folha de S. Paulo

O mais significativo do ato pró-Bolsonaro foi a ausência dos governadores de direita

Os governadores de direita (ou de extrema direita, hoje no Brasil é difícil demarcar a linha entre as duas vertentes) sabem que dependem do voto bolsonarista para o projeto de concorrer à Presidência. Mas estão aos poucos tentando camuflar a herança tóxica do ex-presidente, a qual afasta uma enorme parcela de eleitores. Em busca da poção mágica que transforma o dr. Jekyll no mr. Hyde, esforçam-se para construir a imagem de um candidato híbrido, de dupla personalidade. Um líder que, conforme a ocasião, aja como democrata ou como ditador.

Poesia | Rios sem discurso, de João Cabral de Melo Neto

 

Música | Roberta Sá - Quem te viu, quem te vê