Não pode prosperar a barganha para blindar congressistas
O Globo
Fim do ‘foro privilegiado’ e
PEC da Blindagem são despropósitos. País tem pautas mais urgentes a tratar
Foi nefasta a barganha
costurada para pôr fim à inaceitável ocupação da Câmara e do Senado em protesto
contra a decretação da prisão domiciliar do ex-presidente Jair
Bolsonaro. O pacote negociado envolve a votação de projetos com o
objetivo indisfarçável de blindar deputados e senadores de ações do Judiciário.
Se já eram ideias ruins, ficaram piores quando líderes bolsonaristas admitiram
terem sido objeto de negociação para acabar com o motim que paralisou o
Parlamento.
Várias propostas já haviam
sido discutidas quando o deputado Arthur Lira presidiu a Câmara. É o caso da
PEC da Blindagem, que, além de exigir aval do Congresso para um parlamentar ser
investigado, estabelece que sua prisão só pode acontecer em casos de flagrante
ou crime inafiançável. Ideias dessa natureza não foram adiante por falta de
apoio, porque são despropositadas e porque o país tem pautas mais urgentes. É
lamentável que retornem agora.
O projeto de maior destaque
tenta mudar o foro em que são julgados os políticos — tecnicamente chamado
“foro por prerrogativa de função” e popularmente conhecido como “foro
privilegiado”. A Constituição estabelece que presidente, ministros,
parlamentares, governadores e outras autoridades sejam submetidos a julgamento
em instâncias específicas, para evitar que processos judiciais se transformem
em arma política. No início, o foro era especial até se o político já tivesse
saído do posto, mas em 2018 o Supremo determinou que deve valer apenas para
crimes cometidos no cargo e em razão dele. Em março, fez um ajuste na
interpretação, estabelecendo que o processo deve ser mantido no tribunal em que
começou a ser julgado mesmo depois de a autoridade deixar o cargo. A decisão
foi sensata, pois era comum a autoridade renunciar quando estava prestes a ser
julgada, para o processo recomeçar na primeira instância.
Agora, um dos objetivos da
tentativa de extinguir o “foro privilegiado” é favorecer Bolsonaro, tirando do
STF o processo em que é réu por tentativa de golpe de Estado. A estratégia não
funcionará, pois a jurisprudência assevera que julgamentos em fase avançada não
mudam de tribunal. Mas não há dúvida de que tiraria congressistas da mira da
Corte, levando à primeira instância dezenas de processos — há 80 inquéritos só
sobre emendas parlamentares.
As propostas estapafúrdias
para blindar parlamentares podem abrir caminho a outros desvarios. É o caso da
descabida anistia aos condenados pelo 8 de Janeiro ou de mudanças nas regras
para impeachment de ministros do Supremo. No entender de oposicionistas, caso
sejam aprovadas as mudanças no foro, uma vez longe da mira do STF, os
parlamentares se sentiriam mais à vontade para aderir à agenda mais radical.
Não pode haver
condescendência com a balbúrdia encenada no Congresso. A ocupação foi um
atentado ao regimento e uma agressão à democracia. “Não vamos permitir que atos
como esses possam ser maiores que o plenário e a vontade desta casa”, afirmou o
presidente da Câmara, Hugo Motta.
“A presidência da Câmara é inegociável.” É fato que, segundo os próprios
bolsonaristas, ele não participou das negociações para o fim da ocupação.
Deputados e senadores precisam ter a responsabilidade de barrar no nascedouro pautas oportunistas, fruto de chantagem. Se a pantomima juvenil de ocupar o Congresso já foi um absurdo, a imposição de uma agenda legislativa sem cabimento é ainda mais nociva.