O Globo
Sequência de problemas na investigação começa a ser questionada após meses de silêncio na esquerda
No último domingo, reportagem do Fantástico exibiu pela primeira vez os vídeos da delação premiada do ex-policial militar Ronnie Lessa, assassino confesso da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, em 2018. Com o depoimento, a Polícia Federal (PF) indiciou, e a Procuradoria-Geral da República (PGR) denunciou como mandantes do atentado, os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão, além do delegado da Polícia Civil do Rio Rivaldo Barbosa. Os três estão presos desde o fim de março, acusados pelo crime. Uma voz solitária começou a expor nesta semana a verdade incômoda só reconhecida pela esquerda em conversas reservadas. Enquanto celebravam o encerramento do caso em entrevistas e postagens na internet, parlamentares do PT ao PSOL admitiam privadamente que há uma série de problemas no fato de a investigação estar toda baseada na delação de Lessa.
— Achamos a conclusão do inquérito um pouco
precipitada, inclusive porque os irmãos Brazão e o Rivaldo não foram ouvidos.
Há ainda muitos elos e cumplicidades a desvendar. A PF não conseguiu comprovar
vários fatos narrados por Lessa — afirmou o deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ)
ao blog da jornalista Malu Gaspar.
Na próxima segunda-feira, quando finalmente
deverá prestar depoimento, Rivaldo terá muito a explicar na PF. Suas passagens
nos comandos das delegacias de Homicídios e da Polícia Civil fluminense
coincidem com uma sequência de assassinatos impunes envolvendo milícias e jogo
do bicho no Rio. Além disso, são injustificáveis as falhas na investigação do
caso Marielle, em particular na requisição das imagens do sistema de câmeras da
cidade, enquanto Rivaldo era chefe de polícia do Rio. Como ressaltado na página
12 de uma manifestação da PGR de março, as filmagens “poderiam revelar a rota
de fuga tomada pelos executores, foram deliberadamente ignoradas, deixando de
ser salvas”.
O delegado não é acusado de atrapalhar as
investigações, mas sim de planejar o assassinato com os irmãos Brazão. Partem
daí as interrogações que constrangem a esquerda no debate público. Qual a outra
prova contra Rivaldo, além do relato de Lessa de que ouviu os irmãos Brazão
dizerem que o atentado não deveria ser feito perto da Câmara dos Vereadores? Se
o elemento que o coloca na cena do crime é a armação anterior de incriminar o
vereador Marcello Siciliano pelo assassinato, por que não foram investigados os
três delegados federais (Helio Kristian, Lorenzo Martins Pompilio e Felício
Laterça) que levaram para depor a testemunha da falsa tese?
Mais lacunas incomodam PT e PSOL nas resenhas
longe dos microfones e gravadores. Marielle foi então assassinada por um perfil
combativo na grilagem de terras sem nunca ter sido protagonista nesse debate na
Câmara Municipal? Lessa, experiente matador do submundo do crime carioca,
aceitou uma promessa futura de negócios em dois loteamentos de Jacarepaguá por
inverossímeis R$ 100 milhões? A PF descobriu via depoimento de Lessa que a
família Brazão tinha um infiltrado no PSOL chamado Laerte Silva de Lima e nunca
o intimou a depor?
O dedo da falta de provas na ferida da
esquerda produz dois argumentos difíceis de sustentar. O primeiro diz respeito
a informações que só PF, PGR e Alexandre
de Moraes, relator do caso no Supremo Tribunal Federal (STF),
poderiam ter e que ainda não teriam vindo a público. Se tais evidências
contundentes existissem contra os mandantes — e elas não existem —, deveriam
estar nas 479 páginas do relatório final da polícia ou nas 34 páginas da
denúncia do Ministério
Público Federal.
A ausência de uma bala de prata esclarecedora
também estimula a retórica de que o crime aconteceu faz muito tempo e de que é
difícil descobrir elementos confirmando a confissão de Lessa. Ontem, mais uma
vez, a PF buscou emplacar a versão num relatório divulgado no portal g1 sobre
as poucas mensagens encontradas no celular apreendido de Domingos
Brazão:
— A análise de tal aparelho é o exemplo de
enorme dificuldade que esta equipe encontrou para o resgate de elementos de
convicção que possam auxiliar na presente investigação.
Como a esquerda martelou durante a Operação
Lava-Jato, é preciso prova, e não apenas convicção, para encerrar uma
investigação policial.
*Thiago Prado é editor de Política e Brasil do
GLOBO
Um comentário:
Excelente!E o ministro da Justiça, Lewandowski, dava o caso por encerrado quando divulgou as conclusões (convicções) da PF...
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