quarta-feira, 29 de maio de 2024

Vera Magalhães - A segurança no palanque de 2026

O Globo

Lula escolhe rivalizar com Tarcísio em tema no qual o governo não sofre derrotas no parlamento

A segurança pública será um dos temas centrais da campanha presidencial de 2026, e Lula parece decidido a encarar a disputa com a direita bolsonarista por alguns aspectos espinhosos de um dos temas mais suscetíveis aos vieses ideológicos do eleitorado. Pisa em campo minado, portanto.

A sessão de votação dos vetos presidenciais pelo Congresso ontem escancarou a polarização em torno do assunto, e o placar evidenciou as dificuldades da esquerda para fazer seu discurso ganhar aderência entre os parlamentares — e, portanto, na sociedade, pois o Parlamento nada mais é que uma antena que capta movimentos com grande precisão.

O contraste entre a manutenção de um veto de Jair Bolsonaro à nova Lei de Segurança Nacional que considerava crime a disseminação em massa de notícias falsas em período eleitoral e a derrubada de outro veto, de Lula, à proibição da “saidinha” de presos para visitar familiares, ambos por placares para lá de dilatados, foi uma derrota acachapante para o governo.

Ficou claro que, até aqui, tem prevalecido a visão “linha dura” da segurança, que destoa fortemente do discurso que o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, vem entoando e fez questão de reforçar no mesmo dia da votação dos vetos, com a divulgação da portaria que estabelece balizas para o uso de câmeras corporais pelos policiais.

Não foi aleatória a escolha desse assunto para marcar uma das primeiras iniciativas da gestão Lewandowski à frente da pasta que também comanda a segurança. Tem sido um tema em que um dos nomes mais citados como provável oponente de Lula em 2026, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, tem sido mais questionado por entidades ligadas à defesa dos direitos humanos e especialistas em segurança.

Depois de idas e vindas em relação às câmeras nos uniformes, estabelecidas na gestão João Doria, Tarcísio decidiu trocar os dispositivos atuais por outros, com a possibilidade de que os próprios policiais liguem ou desliguem os equipamentos.

Essa possibilidade não é de todo vedada pela norma do governo federal, que permite ao usuário desligar o dispositivo para preservar sua intimidade durante as pausas de trabalho. Esse item deu a Tarcísio a deixa para dizer que as diretrizes adotadas por São Paulo não contradizem em nada o que estipulou a portaria federal.

Como ela não obriga estados a adotar as câmeras, e ainda são poucos os que adotam, nem estabelece que elas passarão a ser obrigatórias na Polícia Federal, fica evidente que a entrada do governo Lula no assunto atende primordialmente ao objetivo de polarizar com Tarcísio, bolsonarista mais cotado para a disputa presidencial. O que torna a decisão um risco considerável, ainda mais num cenário de derrotas recentes nessa seara.

Até aqui, Lula vem demonstrando ter muitas dúvidas sobre até que ponto pretende assumir protagonismo num tema que a Constituição de 1988 definiu como prerrogativa dos governos estaduais, mas em que, cada vez mais, a União é foco de cobranças do público para uma atuação mais direta.

O limite entre liderar o debate e assumir pepinos que não são da alçada federal é quase imperceptível, e, num ambiente em que pesquisas mostram a guinada do eleitor em defesa do punitivismo mais radical, fazer disso uma pauta de disputa com o bolsonarismo tanto tempo antes da campanha eleitoral pode não ser muito inteligente ou frutífero.

A questão das câmeras é relevante, e as mudanças que Tarcísio quer fazer em seu uso são claramente um retrocesso em termos de transparência e combate à letalidade policial. Um modo mais eficaz de travar a discussão seria inserir o tema num conjunto mais amplo de iniciativas, que constitua um plano nacional para a segurança, com recursos, comandos e coordenação com os estados, em vez de chamar o provável opositor para dançar e para os holofotes com tanta antecedência.

 

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