Suspensão unilateral de planos de saúde desrespeita usuários
O Globo
Diante da omissão de ANS e Executivo, Lira
negocia acordo capaz de satisfazer a cidadãos sem desequilibrar empresas
Daniel Simões, de 9 anos, fazia sessões semanais de fisioterapia e fonoaudiologia, por sofrer de paralisia cerebral. Até que seu plano de saúde foi cortado pela operadora sem motivo. Não se trata de caso isolado. Desde o início do ano, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) recebeu quase 6 mil queixas sobre a rescisão unilateral de contratos. Diante da multiplicação de episódios e da omissão incompreensível da ANS e do Executivo, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tomou a iniciativa de negociar um acordo para que os planos revoguem o cancelamento de contratos cujos usuários estejam em tratamento, enquanto esperam uma solução legislativa.
Pelos dados da ANS, no início do ano 51
milhões de brasileiros tinham planos de
saúde, 1,8% mais que no início de 2023. Qualquer alteração nesse
sistema afeta, portanto, a saúde de parcela significativa da população. Há uma
longa lista de reclamações das operadoras sobre decisões que têm prejudicado
seu equilíbrio financeiro. É o caso da lei que, depois de decisão contrária do
Supremo Tribunal Federal, passou a considerar meramente “exemplificativa” a
relação de procedimentos médicos que elas têm de cobrir. Com isso, argumentam,
são obrigadas também a pagar tratamentos caros imprevisíveis, com impacto no
preço cobrado de todos. Há, ainda, reclamações pertinentes sobre fraudes
cometidas para obtenção de reembolsos ou atendimentos especiais.
Por mais que tais queixas façam sentido, o
rompimento unilateral de contratos por parte das operadoras é inaceitável. Quem
paga regularmente um plano de saúde não pode arcar com as consequências de
desvios cometidos por criminosos. Cabe aos planos, também, gerir com eficiência
seu risco, como toda seguradora, e preparar-se para atender às necessidades de
uma população que envelhece.
Não se trata apenas de empresas, mas de
serviços essenciais para a saúde pública. Muita gente tem nos planos a única
alternativa para financiar o tratamento de doenças crônicas ou graves na
família. “A rescisão imotivada é prática abusiva generalizada, que deve ser
vedada a todos os contratos, por ameaçar princípios da boa-fé, da dignidade da
pessoa humana, da sociedade e do mutualismo, que embasam o direito do
consumidor”, afirma Lucas Andrietta, coordenador do programa de Saúde do
Instituto de Defesa de Consumidores (Idec).
O cancelamento unilateral de contratos é
apenas um dos problemas enfrentados pelos clientes dos planos. Com frequência
preocupante, os usuários precisam acionar a Justiça para obter o pagamento por
alguma medicação ou tratamento mais caros. Isso deveria fazer parte do cálculo
de risco do plano, com custo diluído entre os participantes. Além da
judicialização, as operadoras também são acusadas de recorrentes aumentos
abusivos de mensalidades. Nenhuma dessas questões foi tratada a contento pela
ANS ou pelo governo federal.
Agora, Lira pretende buscar uma solução que
satisfaça aos usuários e aos planos. É preciso atender às necessidades dos
cidadãos sem sufocar seu orçamento e, ao mesmo tempo, garantir o equilíbrio
financeiro das seguradoras. Seja qual for a proposta, elas precisam ter
consciência de que a saúde é um valor essencial para a sociedade brasileira,
não pode ser tratada como um negócio qualquer.
Assinar memorando chinês sobre Ucrânia foi
decisão descabida
O Globo
Mais uma vez, assessor internacional Celso
Amorim alinhou Brasil a um dos lados do conflito — o lado agressor
A guerra entre Ucrânia e Rússia é o maior
conflito armado na Europa desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Numa reunião
recente em Pequim, o
ex-chanceler Celso Amorim, assessor especial do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva para assuntos internacionais, assinou uma proposta conjunta com a China
para negociações de paz entre Ucrânia e Rússia. Foi uma decisão
descabida, que alinha o Brasil com uma das partes do conflito — a Rússia,
justamente a parte agressora.
O Congresso deveria convocar Amorim para dar
explicações à opinião pública brasileira. Platitudes ditas na capital chinesa —
como “o importante é as pessoas pararem de morrer” — não dizem muito. Em Kiev,
o ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba, fez uma leitura
mais próxima da realidade. Sem citar Lula,
disse que o desejo de todo líder é receber os créditos por ter ajudado a obter
um cessar-fogo. Se for essa a intenção, a pretensão é desmedida, e as ações são
mal calibradas.
O Brasil não tem histórico de protagonismo em
negociações de paz fora da América Latina. É uma potência regional, com poder
de influência inferior ao da China ou da própria
Rússia. Não é ouvido como país de relevo sobre a guerra. Nem deveria. Está
geograficamente longe do conflito, não reúne grande contingente de cidadãos de
origem ucraniana ou russa. Na melhor das hipóteses, seu uso serve apenas ao
interesse de Pequim de fazer repercutir seu memorando em que, para alcançar o
cessar-fogo, concede à Rússia o domínio sobre territórios que, de direito, são
da Ucrânia.
Na busca irrealista por protagonismo, Amorim
arrisca piorar ainda mais a imagem externa do Brasil, já prejudicada pela
deferência do governo anterior com os desmandos de Vladimir Putin. Não apenas a
assinatura no documento elaborado pela China, aliada imprescindível da Rússia,
alinha o Brasil a um dos lados. Até agora, o Itamaraty reluta em participar em
cúpula patrocinada pela Ucrânia na Suíça nos dias 15 e 16 de junho.
Com as tropas russas dispostas a conquistar
parcelas maiores do território ucraniano no verão europeu, são baixas as
chances de negociações de paz ganharem tração. A ênfase dos ucranianos é a
defesa. Tentam mobilizar mais tropas e obter mais armamentos. Por enquanto, o
governo de Volodymyr Zelensky sustenta como meta recuperar todas as regiões
invadidas, ainda que isso pareça a cada dia mais difícil. Mas também é difícil
acreditar que Putin respeitaria um acordo de cessar-fogo, mesmo que assinasse
um.
Não há como arriscar prever quando os dois
lados baixarão as armas. O mais provável é o Brasil não ter nenhuma influência
sobre isso. Lula e Amorim podem até acreditar que têm alguma relevância na
busca pela paz na Europa. Fora do Planalto, a realidade é outra.
Congresso conservador, governo sem estratégia
Folha de S. Paulo
Derrubada de vetos remonta a reacionarismo de
fatia do Legislativo e à frustração da promessa de gestão moderada de Lula
Um misto de desorientação política do
Executivo e inclinação conservadora do Congresso manifestou-se na sessão da
terça-feira (28) que apreciou vetos presidenciais. O resultado foi
um lamentável êxito de pautas retrógradas.
Contra a orientação e a atuação do governo,
mais de 60% dos deputados e senadores derrubaram o veto de Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) ao dispositivo
que proíbe a saída temporária de presos no regime semiaberto —condenados
por crimes menos violentos e com bom comportamento— em ocasiões como festas de
fim de ano.
Em um sistema prisional apinhado e operando
como universidade do crime, estimular a conduta disciplinada de detentos menos
perigosos com o bônus da saída temporária atende a critérios de razoabilidade.
O populismo penal recebe aplausos fáceis, mas arrisca-se a produzir
consequências danosas.
Motivações impróprias também parecem ter
presidido a derrubada de outro veto do chefe do Executivo, que havia barrado
trecho da Lei de Diretrizes Orçamentárias proibindo o emprego de recursos
públicos em ações que estimulem aborto, transição de gênero, ocupação de terras
e atentem contra a "tradicional família brasileira".
São bandeiras tão genéricas —e extravagantes
para constar de uma lei orçamentária— que não é implausível que venham a ser
empunhadas por grupos reacionários e ultrarreligiosos contra programas
pedagógicos nas escolas e procedimentos de saúde na rede pública.
Se não há dúvidas de que o pendor conservador
de uma fatia relevante dos parlamentares conduziu ao resultado desta terça,
tampouco se pode deixar de imputar a devida parcela de culpa à descoordenação
política do governo petista.
A retórica da frente ampla, que ajudou Lula a
vencer um pleito apertadíssimo ao atrair eleitores moderados, jamais se
concretizou na prática do terceiro mandato. O facciosismo do PT continua a ter
muito mais peso no Executivo e na distribuição dos ministérios do que seu
escasso apoio na sociedade e nas casas do Legislativo.
Basta notar o bate-cabeças na economia.
Nem bem assumiu, Lula insurgiu-se contra decisões recentes e enraizadas em
maiorias sólidas do Congresso. Ataca a
independência do Banco Central e tenta melar a privatização da
Eletrobras e reintroduzir regras trabalhistas enterradas pela história.
Os representantes do centro moderado, o
vice-presidente Geraldo
Alckmin e as ministras Simone Tebet (Planejamento)
e Marina Silva (Meio
Ambiente), foram isolados e influenciam menos os rumos do governo do que a
primeira-dama.
As pontes que Lula prometeu para pacificar o
país não passaram de conversa fiada de campanha.
Câmeras ligadas
Folha de S. Paulo
Diretriz sobre dispositivos da PM pode
expandir uso, que precisa ser monitorado
É bem-vinda a política
federal que estipula regras sobre as câmeras em uniformes policiais,
anunciada na terça-feira (28) pelo ministro da Justiça, Ricardo Lawandowski.
A diretriz pode contribuir para padronizar o
uso nos estados que adotaram a tecnologia e
estimular outros a implantarem o dispositivo.
As regras preveem que a câmera esteja ligada
obrigatoriamente em 16 situações, que incluem operações policiais, atuações
ostensivas e contatos com presos.
É prioritário o acionamento automático do
equipamento —quando registra-se todo o turno de serviço. Mas não se excluem a
ligação remota por decisão de autoridade competente ou pelo próprio policial. A
diferença entre esses protocolos é alvo de disputas.
Especialistas preferem o acionamento
automático para que não haja risco de manipulação. Esse foi o motivo da crítica
ao edital lançado pelo governo Tarcísio de
Freitas (Republicanos), no estado de São Paulo,
segundo o qual cabe ao
agente de segurança ligar o equipamento, ou a uma central da PM.
O programa nacional incentiva a a implantação
da tecnologia com ajuda financeira do Fundo Nacional de Segurança Pública e do
Fundo Penitenciário. Para receber os recursos, os estados precisam seguir as
regras federais. Levantamento da Folha de agosto de 2023 apontou que
apenas sete estados haviam adotado as câmeras.
Ademais, o fato de as normas do Ministério da
Justiça serem obrigatórias para as forças federais pode servir
de exemplo para as polícias estaduais. Cabe ao governo federal monitorar o
cumprimento das regras para comprovar, com indicadores, os resultados da
política.
Experiências estaduais mostram que as câmeras
tendem a reduzir a letalidade policial, mas o protocolo de uso da tecnologia
pode melhorar a eficácia do programa.
"Queremos uma população segura, não um policial vigiado", disse o governador de São Paulo na quarta (29). Os contribuintes de fato querem segurança, mas também serviços públicos de qualidade, monitorados com transparência e baseados em evidências, ainda mais em setor que pode ser letal, como a atividade das polícias.
O liberalismo sob seu maior teste de estresse
O Estado de S. Paulo
Uma renhida disputa entre a ordem liberal e o
autoritarismo está sendo travada no mundo. Lula da Silva não deveria ter a mais
tênue dúvida de que lado posicionar o País nessa contenda
O apelo eleitoral do populismo de viés
autoritário, que nega ou enfraquece a política como meio civilizado de
concertação entre interesses sociais divergentes, tem crescido
significativamente nos últimos anos. O fenômeno não conhece fronteiras
geográficas nem barreiras culturais, sendo observado em países de marcadas
distinções históricas, políticas, sociais e econômicas entre si, como Brasil,
Índia, Argentina e El Salvador, por exemplo, ou ainda Hungria e Estados Unidos
– que neste ano pode levar de volta à Casa Branca um picareta mendaz como
Donald Trump, talvez a face mais reconhecível dessa nova horda de inimigos da
democracia.
Para tornar o cenário geopolítico global
ainda mais sombrio, o ganho de força desses novos populistas autoritários –
além da consolidação de regimes de exceção como os da China, Irã e Coreia do
Norte, classificados pela revista Foreign Affairs como o “Eixo da
Revolta”, que fortalecem a Rússia do tirano Vladimir Putin para confrontar
abertamente os valores ocidentais – vincula-se ao agravamento da crise de
representação por que passa a ordem liberal democrática consagrada ao final da
2.ª Guerra.
Essa dicotomia foi bem resumida no que David
Brooks, articulista do jornal The New York Times, classificou como “a luta
central do planeta” hoje: uma renhida disputa entre o liberalismo e o
autoritarismo, “entre quem acredita nos valores democráticos e os que não
acreditam”, como o autor escreveu, há poucos dias, em texto reproduzido
pelo Estadão (A luta central no mundo de hoje é entre liberalismo e autoritarismo. Os
autoritários estão ganhando, 20/5/2024).
Não seria exagero dizer que o liberalismo
está sob seu maior teste de estresse desde ao menos o fim da guerra fria, há
mais de três décadas. Alguns acadêmicos, jornalistas e analistas internacionais
chegam a sublinhar que a ordem liberal, que tanta prosperidade gerou para o
mundo nos últimos 80 anos, jamais passou por uma crise como a que ora
atravessa. O modelo de representação política e desenvolvimento econômico tem
sido contestado justamente naquilo que é o seu grande diferencial em relação
aos regimes autoritários: a capacidade de conciliar a garantia política das
liberdades individuais com a geração de bem-estar social e econômico para
todos, reduzindo as desigualdades.
Uma pesquisa realizada em 24 países pelo Pew
Research Center em 2023, publicada em fevereiro deste ano, revelou que a
democracia representativa ainda figura no imaginário popular como o “modelo
ideal” de organização política de uma sociedade. Contudo, o entusiasmo com esse
modelo tem caído desde 2017. Por outro lado, os diagnósticos feitos pelo
instituto devem ser vistos como um farol a iluminar a construção de saídas para
essa decepção com a democracia liberal. O Pew constatou que, em média, 59% dos
entrevistados não se sentem contemplados pelo progresso que a ordem liberal, em
tese, deveria proporcionar. Para 74%, os políticos eleitos não são empáticos,
como se vivessem alheios aos interesses da sociedade. Por fim, 42% disseram não
encontrar em seus países partidos que representem suas visões de mundo e ideias
para construção de agendas programáticas.
Como se vê, esse misto de frustração e
desesperança – húmus do qual brotam os aventureiros que enumeram entre os
ingredientes de suas receitas falaciosas o cerceamento das liberdades
democráticas – pode ser superado com maior grau de aproximação das agremiações
políticas com os eleitores. Em particular, de políticos genuinamente
comprometidos com os valores democráticos nesse momento em que o liberalismo é
atacado como ideia, como o grande norte moral para o progresso da humanidade.
Para ser fiel aos valores que constituíram
esta nação, o presidente Lula da Silva não deveria ter qualquer dúvida sobre de
que lado posicionar o País nessa “luta central”. Porém, recalcitrante em se
libertar do ranço ideológico anti-EUA, o petista tem demonstrado que, entre os
interesses nacionais e a visão de mundo do PT, sua escolha foi feita.
O potencial de crescimento do Nordeste
O Estado de S. Paulo
Bons projetos e marcos regulatórios são
suficientes para atrair investimentos da iniciativa privada para a região, além
de mais efetivos que subsídios e políticas de desenvolvimento regional
Um estudo realizado pela consultoria
Tendências projeta que a economia da Região Nordeste deve crescer 3,4% ao ano
entre os anos de 2026 e 2034, mais que a média nacional de 2,5% prevista para o
período. A notícia se deve a uma estimativa de investimentos da ordem de R$ 750
bilhões nos próximos anos, segundo o Estadão.
A maioria diz respeito a investimentos no
âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Parte será viabilizada
por meio de concessões e parcerias público-privadas (PPPs). Há investimentos
relevantes em gás natural, petróleo, energia e aeroportos, bem como
privatizações de estatais na área de saneamento. A indústria automotiva também
deve impulsionar a região, segundo a consultoria.
São perspectivas interessantes, mas que
dependem de muitas circunstâncias para se tornarem realidade, entre as quais
melhorias na execução de obras públicas. Basta lembrar que alguns dos
empreendimentos do novo PAC já integraram edições anteriores do programa e, por
uma série de problemas, permanecem inacabados até hoje. É o caso da Refinaria
Abreu e Lima e da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), prometidas,
respectivamente, no primeiro e no segundo mandatos do petista Lula da Silva.
Abreu e Lima e a Fiol são exemplos célebres,
mas não únicos. Há uma miríade de obras públicas abandonadas em razão de
projetos mal elaborados em todo o País. No fim do ano passado, o Nordeste, em
particular, concentrava a maioria das obras canceladas, inacabadas e
paralisadas com recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
(FNDE), segundo relatório do Tribunal de Contas da União (TCU). Milhares de
escolas, creches e quadras esportivas jamais saíram do papel.
Em vez de contribuir para uma solução
definitiva para um problema estrutural, ou seja, assessorar os municípios para
evitar desperdícios, o governo federal preferiu agradar aos prefeitos e ao
Congresso em ano eleitoral. O pacote, anunciado durante a Marcha dos Prefeitos,
na semana passada, acelera o repasse de recursos e reduz o controle sobre o
dinheiro.
Hoje, o envio é gradual e está atrelado ao
cumprimento de etapas. O novo modelo, segundo o Estadão, permite o envio
da verba de uma só vez, antes do início das obras e sem análise prévia dos
projetos apresentados, o que amplia o risco de desvios e a chance de as obras
ficarem pelo caminho, segundo especialistas consultados pelo jornal.
Felizmente, parte relevante do crescimento do
Nordeste se dará por meio de investimentos privados. Depois da PPP no Ceará,
estão previstas concessões de saneamento em Pernambuco, Maranhão e Piauí, com
investimentos estimados em R$ 24,8 bilhões, R$ 19 bilhões e R$ 9,9 bilhões,
respectivamente, prova do sucesso do marco do saneamento.
Investimentos em energias renováveis
confirmam a vocação do Nordeste há anos. São R$ 21 bilhões previstos em parques
eólicos já em construção e R$ 60 bilhões em energia solar, somando projetos de
geração distribuída e centralizada, segundo associações que representam o
setor.
Até mesmo a indústria automotiva anunciou
investimentos planejados na região. Neste caso, no entanto, são empreendimentos
atrelados a benefícios fiscais vultosos. São escolhas que refletem as
preferências dos gestores públicos, cujos resultados nem sempre compensam o
gasto tributário.
Crescer não é o suficiente. Entre 2002 e
2020, os Estados do Nordeste cresceram mais do que a média nacional, mas o
desempenho não diminuiu uma defasagem histórica em termos de renda per capita
ante o restante do País.
Nesse sentido, a região seria favorecida por
uma divisão mais justa dos recursos do Fundo de Participação dos Municípios
(FPM), que priorizasse municípios médios e suas periferias, segundo o
economista Marcos Mendes. Mais anos de escolaridade e uma educação pública de
melhor qualidade também fariam a renda per capita aumentar.
Os Estados do Nordeste têm muito potencial
econômico. Projetos robustos e marcos regulatórios bem-feitos são mais do que
suficientes para atrair investimentos da iniciativa privada, além de mais
efetivos que subsídios e políticas de desenvolvimento regional.
Judiciário custoso e voraz
O Estado de S. Paulo
Relatório do CNJ mostra peso dos gastos com
juízes e reforça necessidade de se acabar com a farra
Não há, sob nenhuma perspectiva, argumento
plausível que justifique a gastança do Judiciário brasileiro demonstrada pelo
mais recente relatório Justiça em Números 2024, do Conselho Nacional de Justiça
(CNJ). A título de sumário executivo, basta dizer que o cenário ali traçado
mostra uma elite do serviço público que só falta cobrar laudêmio para completar
o rol de benefícios extravagantes que recebe à custa dos plebeus.
O peso da Justiça brasileira chegou a R$
132,8 bilhões no ano passado, um recorde desde 2009, quando esse Poder custava
R$ 85,4 bilhões. No acumulado, a alta ultrapassa 55%. A monta corresponde a
1,2% do PIB.
A comparação com outros países envergonha.
Nações em desenvolvimento, como o Brasil, gastam 0,5% do PIB, enquanto
economias avançadas despendem 0,3% do PIB com o Judiciário, segundo estudo do
Tesouro feito com base em dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O Brasil é o
líder da gastança entre 53 países.
Segundo o Justiça em Números, 90,2% (R$ 119,7
bilhões) dos recursos bancam despesas com pessoal. O fato estarrecedor é que os
18,2 mil magistrados do País – das Justiças Estaduais, Federal, do Trabalho,
Eleitoral, Militar e dos tribunais superiores – custam aos cofres públicos, em
média, R$ 68 mil por mês – um evidente drible no teto constitucional, que hoje
está em R$ 44 mil. Poucos trabalhadores no Brasil ganham R$ 20,1 mil mensais,
mas essa é a despesa média com servidores do Judiciário.
A sociedade arca, ainda, com benesses que só
fazem aumentar. São penduricalhos criados por vias administrativas, em
conselhos superiores, que irrigam os já generosos contracheques dos colegas de
toga, como bônus por acúmulo de funções administrativas ou processos.
Benefícios como auxílio-alimentação e
auxílio-saúde, entre outros, somam R$ 11,1 bilhões por ano. Indenizações como
diárias, passagens e auxílio-moradia – isentas de pagamento de impostos –
drenam R$ 4,7 bilhões.
Apenas a título de comparação, as três
universidades estaduais paulistas (USP, Unesp e Unicamp), incumbidas de
formação profissional, produção científica e projetos de extensão, deverão ter
orçamento de R$ 16 bilhões em 2025.
Segundo o CNJ, os magistrados estão
produzindo a contento. A alta de 7% no número de processos baixados em 2023
(34,9 milhões) é digna de avaliação positiva para o órgão, em um ano no qual os
casos em tramitação chegaram a espantosos 84 milhões.
Ainda que a Justiça brasileira fosse exemplar e expedita, o que não é, está claro que há exagero nos gastos com a máquina do Judiciário – e ainda há quem defenda uma emenda constitucional que estabeleça um aumento de 5% a cada cinco anos aos magistrados independentemente de sua capacidade e de seu mérito – e, claro, ignorando olimpicamente o teto do funcionalismo, esse limite que só serve para servidores de fora da casta jurídica.
Mesmo com receita crescente, déficit primário
anual piora
Valor Econômico
Não é improvável que, diante da iminência de
um fracasso em atingir a meta fiscal, o governo a mude de novo
As receitas federais estão crescendo em um
forte ritmo - só são superadas, por boa distância, pelo avanço das despesas. O
governo central (Tesouro, Banco Central e Previdência Social) teve superávit de
R$ 11,1 bilhões em abril, com a arrecadação subindo 7,8%, já descontada a
inflação. Mesmo assim, esse foi o quarto pior resultado mensal de toda a série
histórica. Nos primeiros quatro meses do ano, com a boa dose de arrecadação
obtida, o déficit das contas, que incluem a Previdência, está subindo. O resultado
negativo em 12 meses em dezembro de 2023 foi de R$ 230,5 bilhões (2,12% do PIB)
e se elevou agora para R$ 253,4 bilhões (2,23% do PIB). O motivo é a corrida
dos gastos, que no quadrimestre subiram 12,6% acima da inflação, na comparação
com os 8,9% das receitas líquidas (exclui transferências) no mesmo período.
O peso maior do ritmo de elevação das
despesas recai sobre os regimes previdenciários, cujo rombo, de janeiro a
abril, aumentou para R$ 92,9 bilhões, 12,6% acima da inflação. Os rombos dos
regimes previdenciários civis, dos servidores públicos e dos militares, em 12
meses encerrados em abril, atingiram R$ 435,8 bilhões (4,1% do PIB). A pressão
maior veio do regime geral, cujo pagamento de benefícios foi R$ 85,3 bilhões
maior, enquanto a arrecadação própria não evoluiu nem a metade disso (R$ 36,4
bilhões).
O nível atual de despesas, em 12 meses, é de
20,1% do PIB, já superior ao do período pré-pandemia - o mesmo ocorreu com os
gastos obrigatórios, de 18,1% do PIB. Segundo o secretário do Tesouro, Rogério
Ceron, a antecipação do pagamento do 13º salário dos aposentados elevou as
despesas em R$ 38 bilhões no primeiro quadrimestre. No ano, fora os benefícios
previdenciários, outros gastos têm realce. O governo antecipou o pagamento dos
precatórios, cuja conta foi de R$ 30,7 bilhões. Esses gastos estão excluídos da
meta fiscal até 2026, inclusive. Os benefícios de prestação continuada da Loas
consumiram no período R$ 35,5 bilhões, com avanço real de 17,6%.
O início do ano foi o melhor período da
arrecadação federal, com crescimento do emprego, da massa salarial e do
consumo, desempenho que não deve se repetir. A economia deve esfriar um pouco
nos próximos meses, ainda como efeito das altas taxas de juros. Mesmo a
previsão mais otimista, a do governo, indica um crescimento de 2,5%, inferior
aos 2,9% de 2023. Boa parte das apostas para o PIB do primeiro trimestre é
positiva, com evolução de até 0,8%. Se, em um período favorável para a
atividade, conjugado ao aumento de impostos aprovado pelo Congresso, as contas
públicas não estão caminhando para o déficit zero, as chances de que o farão no
resto do ano são bem menores.
O governo conta com outras receitas, fruto do
pacote de medidas para elevar a arrecadação. A volta do voto de minerva para a
Receita nas decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que
reverteria parte dos julgamento desfavoráveis ao Tesouro, e a criação de
mecanismos para a realização de acordos com grandes devedores, as transações
tributárias, deveriam trazer para os cofres públicos R$ 97,8 bilhões. A lei
orçamentária estimava ganhos de R$ 54,7 bilhões no caso da mudança no Carf e de
R$ 43,1 bilhões no caso das transações. Até o fim de abril, porém, ingressaram,
respectivamente, R$ 6 bilhões e R$ 13 bilhões (O Globo, 28 de maio),
confirmando provisoriamente a avaliação de analistas privados de que as
previsões de receitas oficiais estão superestimadas.
A evolução das contas públicas mostra o ponto
fraco do regime fiscal, concebido desde o início para impulsionar gastos,
dentro de certos limites (0,6% a 2,5% reais). A troca do teto de gastos, que
não permitia aumento real das despesas, a despeito do desempenho das receitas,
pelo novo regime fiscal, que não controla despesas e as estimula quanto maior
for a arrecadação, piorou o resultado fiscal. O novo esquema trouxe a impressão
inicial, que desvanece, de que o aumento do endividamento público cresceria menos
e mais devagar. Mas as despesas apresentam agora crescimento real superior ao
da média do período 1996-2014 (entre 6,2% e 7% acima da inflação, segundo o
Ipea).
Para 2025, as despesas possivelmente serão
corrigidas pelo teto. A receita ajustada, que serve de parâmetro para o
percentual de aumento real de gastos, calculada entre julho de 2023 e junho de
2024 está em alta e registrou até abril avanço de 5,22%. Dificilmente cairá
abaixo de 3,7%, limiar que ratifica os 2,5%. Isso só não ocorrerá se o governo
descumprir sua meta de déficit zero, o que o obrigará a reduzir a proporção de
aumento das despesas em relação ao aumento de receitas a 50% em 2025. Antes de
completar o primeiro ano de vigência, o governo afrouxou a meta de 0,5% de
superávit a valer em 2025, para zero de novo.
Não é improvável que, diante da iminência de um fracasso em atingir a meta - os analistas privados não contam com um déficit inferior a 0,25% do PIB e preveem resultados negativos em todos os anos até o fim do mandato de Lula -, o governo faça nova mudança que o desobrigue de conter as despesas. Afinal, essa nunca foi a função do novo regime fiscal.
Queda do IDH e os desafios pós-pandemia
Correio Braziliense
Um ano após o fim da emergência sanitária, o
país precisa recuperar a educação, garantir a qualidade e a expectativa de
vida, assegurar trabalho digno e bem remunerado
Em 5 de maio do ano passado, o diretor-geral
da Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou o fim da covid-19 como
emergência pública, encerrando a condição de pandemia que as nações
enfrentavam. Mas a doença não foi extinta e, muito menos, os efeitos danosos
provocados pela infecção nos meses em que o mundo ficou paralisado diante da
avalanche de casos e mortes. No Brasil, o coronavírus derrubou a expectativa de
vida, a frequência escolar e a renda do trabalhador.
Entre 2020 e 2021, a esperança de vida da
população caiu de 76 para 74 anos. A presença nas salas de aula de crianças e
jovens entre 6 e 14 anos passou de 99,27% para 98,84%. Já a renda per capita
saiu de R$ 814 para R$ 723. Os dados estão no relatório divulgado nesta
terça-feira pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Essa
realidade determinou o recuo do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal
(IDHM) — índice brasileiro que segue as mesmas dimensões do IDH Global —
em pelo menos seis anos em 2021: 0,766, patamar próximo ao de 2015, quando
ficou em 0,765.
As perdas humanas e materiais marcaram as
famílias, as cidades, os estados brasileiros. Conforme consta do documento, o
retrocesso "pode ser visualizado, de forma mais significativa, em um
conjunto de estados das regiões Norte, Nordeste, Sudeste e Sul". Ao todo,
entre 2019 e 2021, em seis estados o índice passou do nível alto para o médio:
Pará, Bahia, Paraíba, Piauí, Roraima e Amapá. Quando analisados outros quatro,
a queda foi da posição de muito alto para alto — Rio de Janeiro, Rio Grande do
Sul, Santa Catarina e Paraná.
A retomada social e econômica vem ocorrendo e
apresentando sinais animadores, com o curso da sociedade voltando ao
considerado normal. Porém, algumas situações se transformaram em desafios para
as pessoas, as empresas e os governos. A regressão do IDHM escancara justamente
os pontos sensíveis que necessitam de intervenções.
A crise sistêmica implantada pela covid-19
atingiu dimensões do desenvolvimento de maneira abrupta, porém é preciso
implementar medidas eficientes de recuperação. O reparo na área educacional,
por exemplo, é urgente. Alunos de todas as etapas tiveram o aprendizado
prejudicado, e um número preocupante abandonou os estudos. Resgatar essas
crianças e jovens é uma tarefa que as prefeituras e os governos estaduais
precisam cumprir com eficiência. A defasagem decorrente do fechamento das
instituições de ensino durante a pandemia é outro fator que precisa ser
combatido. Com planejamento dos programas das disciplinas, ampliação da carga
horária e oferta de aulas de reforço, é possível avançar e superar o atraso.
No mercado de trabalho, as dificuldades são
anteriores ao coronavírus, porém foram agravadas com o confinamento. A retomada
dos negócios e das oportunidades ocorre gradativamente, e indicadores mostram a
retomada. O brasileiro tem conseguido se levantar do tombo, no entanto,
diferenças continuam marcantes. As variações de rendimento das famílias entre
as cidades e os estados são significativas, dificultando o crescimento do país.
As políticas de incentivo e de amparo precisam mirar no combate à desigualdade
social, um desafio complexo que exige união de esforços.
O Brasil só vai obter conquistas relevantes — que resolvam as dívidas criadas antes e durante a pandemia — se diversificar sua produção, levar em conta a transição ecológica, lidar com o envelhecimento da população e investir na preparação dos jovens, além de estabelecer ações públicas eficazes na educação, saúde e segurança. Os desajustes provocados pela pandemia foram grandes e visíveis. Agora, um ano após o fim da emergência sanitária, é fundamental propor soluções que promovam melhorias duradouras e que levantem o IDH. O país precisa recuperar a educação, garantir a qualidade e a expectativa de vida, assegurar trabalho digno e bem remunerado. A pandemia passou, e os tempos difíceis no Brasil também precisam ser superados.
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