quarta-feira, 29 de maio de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Justiça também precisa aprender a conter gastos

Folha de S. Paulo

É inaceitável que Judiciário, protegido pelo corporativismo, mantenha conduta perdulária com o dinheiro do contribuinte

As despesas do Brasil com o Poder Judiciário atingiram no ano passado a cifra exorbitante de R$ 132,8 bilhões, um recorde na série histórica documentada pelo Conselho Nacional de Justiça desde 2009.

Excessivo em si, o montante torna-se abusivo quando comparado aos R$ 84 bilhões registrados pelo CNJ no início da compilação —cujos valores anuais são corrigidos. Seria despiciendo pesquisar um ganho de eficiência que pudesse justificar essa expansão da ordem de 60% no orçamento do Judiciário.

Segundo o CNJ, 90% do custo se dá com pagamentos a funcionários, juízes, desembargadores e ministros de cortes superiores. Vale lembrar, os magistrados percebem a maior remuneração média entre 427 ocupações em um ranking publicado pela Folha em 2023.

Por mais que se possa —e se deva— questionar o salário elevado das carreiras judiciais, esse dado explica apenas a menor parte do problema. Enquanto a renda média considerada para a categoria nessa classificação ficou em R$ 24.732, o gasto efetivo com tais profissionais se aproxima dos R$ 70 mil.

Por trás da disparidade entre as duas cifras está o verdadeiro absurdo. São os abonos, auxílios, indenizações, diárias e demais manobras às quais os juízes recorrem para ultrapassar o teto salarial do serviço público, hoje de R$ 44 mil.

Dotado de enorme poder de barganha, o setor nunca dá por saciado o espírito perdulário e corporativista. Tome-se a atual discussão sobre a chamada PEC do Quinquênio, uma infame proposta de emenda à Constituição que estabelece acréscimos periódicos aos vencimentos de magistrados e integrantes do Ministério Público.

Ao que parece, o pouco caso com o dinheiro do contribuinte contamina os mais diversos funcionários que, de alguma forma, integram o sistema de Justiça. Em São Paulo, por exemplo, a Assembleia Legislativa acaba de aprovar projeto de lei apresentado pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) que turbina a remuneração dos procuradores do estado.

Em outras situações, a desfaçatez é tamanha que os envolvidos nem se dão o trabalho de prestar contas à sociedade. É o caso da Procuradoria-Geral da República (PGR), que omite informações de diárias e passagens do chefe do órgão, Paulo Gonet, de subprocuradores gerais e de seguranças.

Mesmo o Supremo Tribunal Federal, que sempre esteve na vanguarda da Lei de Acesso à Informação, tirou do ar neste mês seu portal de transparência. Por coincidência, a medida ocorreu após a Folha questionar pagamentos de diárias para viagens internacionais.

O órgão se justificou pela necessidade de atualizar a plataforma de dados. Pode ser. Mas, se a resposta soa a desculpa esfarrapada, isso é por culpa do próprio sistema de Justiça, que dilapida sua credibilidade junto com o dinheiro público.

Sangue, suor e ouro

Folha de S. Paulo

Garimpos ilegais da Amazônia proliferam com brechas e deficiências da regulação

Um analista ignorante dos escaninhos de Brasília poderia imaginar que, após os desastres ambientais de Mariana e Brumadinho e o escândalo humanitário do garimpo em terras Yanomami, o exercício do poder público sobre o setor minerário estaria fortalecido. Pois aparentemente não está.

Assim indica o completo desarranjo da mineração de ouro na Amazônia, dominado por garimpos ilegais. Reportagem publicada pela Folha mostrou que cooperativas e empresários contornam restrições legais para explorar áreas descomunais da região.

Só a Cooperativa de Pequenos Mineradores de Ouro e Pedras Preciosas de Alta Floresta (Cooperalfa) tem direitos registrados de exploração do metal em 2.078 km² de Mato Grosso, território maior que o município de São Paulo.

São 48 requerimentos de lavra ativos nos arquivos da Agência Nacional de Mineração (ANM), órgão regulador do setor. A Cooperativa dos Garimpeiros do Vale do Rio Peixoto (Coogavepe) não fica atrás, com 2.074 km² reconhecidos.

A ANM tem se mostrado incapaz de cumprir a contento suas tarefas de fiscalização, possivelmente pela perda de servidores e verbas.

A impunidade só se torna possível porque vigora um absurdo regime de autodeclaração sobre origem do outro comercializado. As pepitas ilegalmente extraídas terminam legalizadas porque o garimpeiro declara que as escavou nessa profusão de áreas registradas de modo irregular.

Um certo doutor José Antunes, ligado à Associação dos Mineradores de Ouro do Tapajós (Amot), acumularia 161 requerimentos em 80,5 km² no Pará. A regra vigente estipula que cada CPF só pode ser usado para registrar cinco garimpos, cada um com mero 0,5 km².

Diversas cooperativas já foram alvo de investigações da Polícia Federal, por suspeitas de comercialização de ouro ilegal e de participação em lavagem do minério.

Nem a mais draconiana redução da máquina estatal justificaria tamanho fiasco de regulação.

Produtividade da Justiça deve levar a redução de gastos

O Globo

Apesar de mais agilidade nos processos, Brasil ainda tem o Judiciário mais caro do mundo

As despesas do Judiciário somaram R$ 132,8 bilhões no ano passado, o maior número da série histórica compilada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A cifra é espantosa quando comparada aos R$ 85,4 bilhões de 2009. Os gastos correspondem atualmente a 1,2% do PIB ou 2,3% das despesas totais da União, dos estados e dos municípios. Não há Justiça mais cara no mundo. O gasto do Brasil com tribunais e atividades jurídicas supera o de outros 36 países analisados pelo Tesouro Nacional numa pesquisa publicada em janeiro. Como proporção do PIB, é mais que o quádruplo do que gastam África do Sul, Espanha, Alemanha, Portugal, Itália, Israel, Austrália, Tailândia, Estônia ou França.

No Judiciário, as despesas com pessoal são responsáveis por 90% do total. Nessa conta estão a remuneração de magistrados, servidores, inativos, terceirizados, uma infinidade de auxílios, diárias, passagens ou gratificações. Somente em 2023 foram gastos R$ 11,1 bilhões em benefícios, como auxílio-alimentação e auxílio-saúde, algo inimaginável para a imensa maioria dos servidores públicos (que dizer para o setor privado?).

Apesar de esse ser um quadro conhecido, tramita no Congresso uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) restaurando reajustes automáticos a cada cinco anos para juízes e promotores, a PEC do Quinquênio. A prática foi extinta há 18 anos por boas razões. As duas categorias estão entre as mais bem remuneradas do serviço público. O reajuste automático, sem relação com desempenho, não tem cabimento. Se a PEC for aprovada como está, o governo estima um impacto de R$ 82 bilhões nas contas públicas em quatro anos. Em qualquer circunstância, a voracidade do Judiciário por recursos seria injustificável. É ainda mais agora, com o país enfrentando uma crise fiscal grave. A população brasileira não cresce na mesma proporção do gasto com a Justiça. Em 2009, ele era de R$ 447,52 per capita, segundo o CNJ. De lá para cá, subiu na maioria dos anos até chegar a R$ 653,70.

É indiscutível que a Justiça brasileira recebe um volume descomunal de processos a cada ano — foram 35 milhões em 2023, sobretudo na esfera estadual. Também é fato que a Constituição judicializa toda sorte de comportamento ou atividade. Por fim, é notável que, com quase 84 milhões de processos em tramitação, o Judiciário tenha obtido um salto nada desprezível de 6,9% na produtividade em 2023. Mesmo assim, apenas 30% dos processos são encerrados no ano em que são abertos. Os ganhos de produtividade não justificam a gastança. O ritmo de crescimento dos gastos desde 2009 é superior ao do aumento anual de decisões.

A iniciativa do CNJ de publicar números anuais sobre o Judiciário é um passo indispensável. A maioria dos juízes são servidores comprometidos com um serviço público de qualidade e empenhados no trabalho. É importante que prossigam na conquista necessária de mais produtividade e agilidade. Mas é fundamental que essa produtividade também reverta em redução de custos, como em qualquer organização do setor privado. Entre as medidas desejáveis estão o fim de regalias, como férias de mais de 30 dias, folgas estendidas, auxílios e penduricalhos salariais de todo tipo. A agilidade maior nos processos deveria se refletir na redução do custo da Justiça.

Câmara do Rio nem deveria discutir proposta que legaliza ilegalidade futura

O Globo

Regularizar projetos mediante taxa conhecida por ‘mais valerá’ é incentivo ao caos urbano e ao desrespeito à lei

Depois de aprovar um novo Plano Diretor com diretrizes para nortear o crescimento do Rio por dez anos, a Câmara Municipal carioca volta a debater um Projeto de Lei Complementar (PLC) que autoriza a regularização de construções irregulares com o pagamento de contrapartidas. A proposta beneficia não só o que foi construído violando a lei (mediante a taxa conhecida como “mais valia”), mas até ilegalidades futuras (pagando outra taxa batizada “mais valerá”). Além do desatino urbanístico, trata-se de incentivo evidente à ilegalidade.

O rol de irregularidades que poderão ser legalizadas inclui pavimento extra de cobertura, ampliação de áreas e potencial construtivo, inclusão de unidades habitacionais em edifícios, fechamento de varandas etc. Como o projeto permite legalizar o que ainda será construído, a Prefeitura passa a lucrar com a desordem futura. A tentativa de aumentar a arrecadação deteriora, portanto, a qualidade de vida na cidade. Os parâmetros estabelecidos pelos legisladores levando em conta densidade demográfica, fluxo de trânsito, infraestrutura, meio ambiente ou paisagem poderão ser desprezados se o proprietário ou construtor tiverem dinheiro para pagar pela ilegalidade. Para quem não tiver, valerá o rigor da lei.

“Mais valia e mais valerá são aberrações do ponto de vista urbanístico. A mais valerá então é bizarra”, diz o presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro (CAU), Sydnei Menezes. “Para a arrecadação pode ser bom, mas o impacto urbanístico é terrível.” Costuma-se alegar que o objetivo dessas leis recorrentes é permitir legalizar construções sem necessidade de demolição. Mas a Prefeitura não parece preocupada com quem ergueu um “puxadinho” — que dificilmente teria dinheiro para pagar a contrapartida —, e sim com as incorporadoras que poderão construir além do permitido pagando pela ilegalidade futura. “Por que não inclui tudo isso na regra geral?”, questiona o vereador Pedro Duarte (Novo), integrante da comissão especial que discutiu a revisão do Plano Diretor. “Cria-se uma barreira, depois libera-se pensando apenas na arrecadação. Mais valerá é um absurdo. Causa insegurança jurídica e atrapalha o panejamento da cidade.”

Um dos muitos problemas do projeto é reforçar a cultura da ilegalidade. Não há estímulo para o cidadão respeitar a lei. Ao contrário, a própria Prefeitura mostra que não há problema em desrespeitar as regras, pois cedo ou tarde é possível regularizar o caos pagando contrapartidas. De forma errática, o poder público transfere ao morador o ônus de planejar e ordenar a cidade.

A Câmara de Vereadores precisa barrar esse descalabro. A cidade necessita de leis claras, duradouras e abrangentes, que priorizem a qualidade de vida. Não faz sentido existir uma lei permissiva para quem pode pagar e outra para quem não pode. A Prefeitura, que deveria combater a desordem, é a primeira a abrir as portas à bagunça. Degradar a cidade anistiando irregularidades pode render dinheiro aos cofres municipais, mas o prejuízo urbanístico recai sobre o cidadão. E o pior: para sempre.

Mesmo com receita crescente, déficit primário anual piora

Valor Econômico

Não é improvável que, diante da iminência de um fracasso em atingir a meta fiscal, o governo a mude de novo

As receitas federais estão crescendo em um forte ritmo - só são superadas, por boa distância, pelo avanço das despesas. O governo central (Tesouro, Banco Central e Previdência Social) teve superávit de R$ 11,1 bilhões em abril, com a arrecadação subindo 7,8%, já descontada a inflação. Mesmo assim, esse foi o quarto pior resultado mensal de toda a série histórica. Nos primeiros quatro meses do ano, com a boa dose de arrecadação obtida, o déficit das contas, que incluem a Previdência, está subindo. O resultado negativo em 12 meses em dezembro de 2023 foi de R$ 230,5 bilhões (2,12% do PIB) e se elevou agora para R$ 253,4 bilhões (2,23% do PIB). O motivo é a corrida dos gastos, que no quadrimestre subiram 12,6% acima da inflação, na comparação com os 8,9% das receitas líquidas (exclui transferências) no mesmo período.

O peso maior do ritmo de elevação das despesas recai sobre os regimes previdenciários, cujo rombo, de janeiro a abril, aumentou para R$ 92,9 bilhões, 12,6% acima da inflação. Os rombos dos regimes previdenciários civis, dos servidores públicos e dos militares, em 12 meses encerrados em abril, atingiram R$ 435,8 bilhões (4,1% do PIB). A pressão maior veio do regime geral, cujo pagamento de benefícios foi R$ 85,3 bilhões maior, enquanto a arrecadação própria não evoluiu nem a metade disso (R$ 36,4 bilhões).

O nível atual de despesas, em 12 meses, é de 20,1% do PIB, já superior ao do período pré-pandemia - o mesmo ocorreu com os gastos obrigatórios, de 18,1% do PIB. Segundo o secretário do Tesouro, Rogério Ceron, a antecipação do pagamento do 13º salário dos aposentados elevou as despesas em R$ 38 bilhões no primeiro quadrimestre. No ano, fora os benefícios previdenciários, outros gastos têm realce. O governo antecipou o pagamento dos precatórios, cuja conta foi de R$ 30,7 bilhões. Esses gastos estão excluídos da meta fiscal até 2026, inclusive. Os benefícios de prestação continuada da Loas consumiram no período R$ 35,5 bilhões, com avanço real de 17,6%.

O início do ano foi o melhor período da arrecadação federal, com crescimento do emprego, da massa salarial e do consumo, desempenho que não deve se repetir. A economia deve esfriar um pouco nos próximos meses, ainda como efeito das altas taxas de juros. Mesmo a previsão mais otimista, a do governo, indica um crescimento de 2,5%, inferior aos 2,9% de 2023. Boa parte das apostas para o PIB do primeiro trimestre é positiva, com evolução de até 0,8%. Se, em um período favorável para a atividade, conjugado ao aumento de impostos aprovado pelo Congresso, as contas públicas não estão caminhando para o déficit zero, as chances de que o farão no resto do ano são bem menores.

O governo conta com outras receitas, fruto do pacote de medidas para elevar a arrecadação. A volta do voto de minerva para a Receita nas decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que reverteria parte dos julgamento desfavoráveis ao Tesouro, e a criação de mecanismos para a realização de acordos com grandes devedores, as transações tributárias, deveriam trazer para os cofres públicos R$ 97,8 bilhões. A lei orçamentária estimava ganhos de R$ 54,7 bilhões no caso da mudança no Carf e de R$ 43,1 bilhões no caso das transações. Até o fim de abril, porém, ingressaram, respectivamente, R$ 6 bilhões e R$ 13 bilhões (O Globo, 28 de maio), confirmando provisoriamente a avaliação de analistas privados de que as previsões de receitas oficiais estão superestimadas.

A evolução das contas públicas mostra o ponto fraco do regime fiscal, concebido desde o início para impulsionar gastos, dentro de certos limites (0,6% a 2,5% reais). A troca do teto de gastos, que não permitia aumento real das despesas, a despeito do desempenho das receitas, pelo novo regime fiscal, que não controla despesas e as estimula quanto maior for a arrecadação, piorou o resultado fiscal. O novo esquema trouxe a impressão inicial, que desvanece, de que o aumento do endividamento público cresceria menos e mais devagar. Mas as despesas apresentam agora crescimento real superior ao da média do período 1996-2014 (entre 6,2% e 7% acima da inflação, segundo o Ipea).

Para 2025, as despesas possivelmente serão corrigidas pelo teto. A receita ajustada, que serve de parâmetro para o percentual de aumento real de gastos, calculada entre julho de 2023 e junho de 2024 está em alta e registrou até abril avanço de 5,22%. Dificilmente cairá abaixo de 3,7%, limiar que ratifica os 2,5%. Isso só não ocorrerá se o governo descumprir sua meta de déficit zero, o que o obrigará a reduzir a proporção de aumento das despesas em relação ao aumento de receitas a 50% em 2025. Antes de completar o primeiro ano de vigência, o governo afrouxou a meta de 0,5% de superávit a valer em 2025, para zero de novo.

Não é improvável que, diante da iminência de um fracasso em atingir a meta - os analistas privados não contam com um déficit inferior a 0,25% do PIB e preveem resultados negativos em todos os anos até o fim do mandato de Lula -, o governo faça nova mudança que o desobrigue de conter as despesas. Afinal, essa nunca foi a função do novo regime fiscal.

Vem aí a Arrozbrás

O Estado de S. Paulo

A título de baratear o arroz, o governo, tomado de saudade do controle artificial de preços nos anos 80, vai importar o produto e vendê-lo, com sua logomarca, diretamente nos supermercados

O Brasil vai importar 1 milhão de toneladas de arroz para vender o produto diretamente nos supermercados, a preços tabelados e subsidiados, em uma embalagem própria com a logomarca do governo federal. Poderia ser a principal notícia de um jornal publicado na década de 1980 – época em que se tentava conter a inflação desembestada por meio da mágica do controle de preços –, mas foi a manchete do Estadão na última terça-feira.

Essa incrível volta ao passado é mais uma realização do presidente Lula da Silva. O petista disse que ficou “nervoso” e “um pouco irritado” com o avanço dos preços do arroz nos supermercados e resolveu agir intempestivamente para evitar que as cheias no Rio Grande do Sul esvaziassem as prateleiras dos mercados. “Arroz e feijão é uma coisa que nós, brasileiros, não sabemos e não queremos abrir mão”, disse Lula da Silva.

Como se sabe, o Rio Grande do Sul é o maior produtor de arroz e responde por 70% do abastecimento nacional, e havia o receio de que o caos que se instalou no Sul poderia afetar a safra e levar os preços do produto às alturas. Nada disso se materializou. A escassez de arroz nas gôndolas foi algo momentâneo, fruto do pânico de parte da população, das barreiras em estradas e das dificuldades para emissão de notas fiscais no auge das inundações. Todas as questões já foram sanadas, razão pela qual os preços já começaram a recuar.

Ademais, quase toda a safra gaúcha já havia sido colhida antes das chuvas, e a própria Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) já havia apontado que a produção deste ano iria superar a do ano passado em mais de 600 mil toneladas. Havia excedente, inclusive, para exportar o grão para outros mercados.

Mas o governo federal, movido por voluntarismo e interesses eleitoreiros, não poderia permanecer inerte. Nas últimas semanas, editou várias medidas provisórias para fazer da crise uma oportunidade política. Destinou R$ 6,7 bilhões à Conab e autorizou a estatal, pela primeira vez em sua história, a fazer a operação completa – desde a importação de arroz até a venda do produto diretamente aos supermercados.

Com essa decisão tresloucada, o Executivo conseguiu o oposto do que queria. De imediato, os preços do arroz dispararam 30% por culpa do próprio governo, que elevou artificialmente a demanda do produto ao anunciar que faria leilões públicos para comprar o equivalente a 10% do consumo anual brasileiro.

Incapaz de reconhecer o nexo causal entre uma coisa e outra, o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, acusou os países do Mercosul de especular com a tragédia, gerando um incidente internacional completamente dispensável com o Uruguai. Irrefreável, o governo anunciou a isenção do imposto de importação sobre o arroz produzido fora do bloco comercial até o fim deste ano, sem ao menos ter o cuidado de estabelecer uma cota.

As entidades do setor arrozeiro pediram ao Ministério da Agricultura que revisse suas decisões, mas o apelo não comoveu o governo, a despeito dos prováveis efeitos negativos para os produtores gaúchos.

Zerar a alíquota de importação e anunciar leilões públicos sem cota já seria suficiente para desestimular plantios futuros, mas tabelar o arroz em R$ 4 por quilo, valor inferior ao preço médio do produto, vai derrubar a rentabilidade dos produtores gaúchos, sobretudo os pequenos e médios.

Entre as várias medidas que o Executivo poderia adotar para ajudar a economia gaúcha a se recuperar, o governo parece ter escolhido as piores. Não parece ser algo acidental.

O Executivo já tinha manifestado a intenção, em meados do ano passado, de intervir nos preços de alimentos por meio da retomada da política de estoques reguladores pela Conab, como destacou o economista-chefe da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul), Antonio da Luz, em entrevista à Globonews. Como ele mesmo disse, é até cruel utilizar a tragédia gaúcha como pretexto para fazer o que já se pretendia.

Não faltará arroz no mercado, garantem os produtores gaúchos, mas falta muito pudor ao governo federal. Agora, para completar o revival dos anos 80, só falta mesmo convocar a população a denunciar os estabelecimentos que praticarem preços mais altos.

Educação errática em São Paulo

O Estado de S. Paulo

Avaliação das escolas estaduais mostra piora da educação paulista em 2023 e inspira dúvidas sobre a natureza e a eficácia das mudanças que o governo tem feito pela aprendizagem

O Estadão mostrou esta semana que o Estado mais rico do Brasil, onde estão as melhores universidades do País e alguns dos mais renomados especialistas em educação, tem falhado gravemente na formação de seus estudantes. Os resultados da avaliação da rede estadual de São Paulo, o Saresp, demonstram que o desempenho piorou no primeiro ano da gestão do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) na educação básica: a média dos alunos em 2023, nos anos finais do ensino fundamental (do 6.º ao 9.º ano), caiu dez pontos em Português e três pontos em Matemática, se comparados a 2022. Também aumentou o número de alunos nos níveis básico e abaixo do básico, considerados insuficientes, enquanto a maioria dos estudantes no 9.º ano não consegue nem localizar os argumentos de um artigo de opinião nem resolver equações de 2.º grau, competências apontadas como adequadas para a série.

Ainda não é possível saber se os números desabonadores de São Paulo seguem uma tendência nacional, se são um (mau) resultado isolado ou qual o patamar relativo em relação ao restante do País. Afinal, a avaliação nacional da educação básica de 2023 ainda não foi divulgada pelo Ministério da Educação. À essa altura, no entanto, isso importa menos. É mais grave saber que, passado o vendaval da pandemia de covid-19 (quando o Brasil foi o País que mais tempo deixou as escolas fechadas, causando prejuízos incalculáveis para a aprendizagem de crianças e jovens), São Paulo não apenas não conseguiu voltar aos padrões pré-pandemia, como viu seus números se agravarem: por aqui, os resultados voltaram a patamares de dez anos atrás e ainda são piores do que os registrados imediatamente após a pandemia.

Como afirmaram especialistas insuspeitas ouvidas pela repórter Renata Cafardo, mesmo que outros Estados tenham piorado, São Paulo tinha a obrigação de exibir melhores números – ainda que, como conforme destacou o governo estadual, tenha havido melhora nos anos iniciais do fundamental, uma responsabilidade dos municípios. A inquietação, contudo, vai além dos números. Desde o início do atual mandato, a gestão educacional de São Paulo tem colecionado polêmicas questionáveis. Propostas singulares, de eficácia incerta e típicas de quem deseja selar uma marca própria, somam-se a simples estultices. Exemplo disso foi o empenho do secretário estadual de Educação, Renato Feder, de abolir os livros didáticos tradicionais. Comparando a sala de aula a “uma grande TV” – expressão que usou em entrevista ao Estadão, em agosto do ano passado –, Feder pregou a sua substituição por slides em PowerPoint, convertidos numa espécie de apostila online para que os alunos se saiam bem nas provas.

Outra “marca” da gestão até aqui foi a ideia, já transformada em lei sancionada pelo governador, de instituir as escolas cívico-militares na rede estadual. Pelo projeto, os municípios ficam autorizados a adotar o modelo em suas próprias redes, além de permitir que policiais militares da reserva possam desenvolver “atividades extracurriculares” nas escolas. Trata-se de um agrado evidente ao ex-presidente Jair Bolsonaro e ao bolsonarismo, convictos que são de que a condução pedagógica militar é a mais conveniente para os jovens brasileiros. Para esses saudosos da ditadura, as escolas públicas de hoje são antros de indisciplina e incubadoras de esquerdistas, e só a rigidez militar seria capaz de pôr ordem nessa balbúrdia e instilar valores como respeito à hierarquia e à disciplina.

Em contrapartida, pouco ou nada se viu sobre outras prioridades que reconhecidamente têm efeito positivo sobre a aprendizagem, como o aumento das escolas em tempo integral, o foco na recuperação da aprendizagem abalada pela pandemia e o diálogo com professores e coordenadores das escolas públicas. Em nota, o governo estadual garante que tem realizado “mudanças importantes para melhorar o processo de aprendizagem”. Não há razão para duvidar. O problema a discutir agora é a natureza e a eficácia de tais mudanças, porque, segundo os números apresentados, a qualidade tem sido obliterada por uma estratégia que decididamente não está dando certo.

Educação errática em São Paulo

O Estado de S. Paulo

Avaliação das escolas estaduais mostra piora da educação paulista em 2023 e inspira dúvidas sobre a natureza e a eficácia das mudanças que o governo tem feito pela aprendizagem

O Estadão mostrou esta semana que o Estado mais rico do Brasil, onde estão as melhores universidades do País e alguns dos mais renomados especialistas em educação, tem falhado gravemente na formação de seus estudantes. Os resultados da avaliação da rede estadual de São Paulo, o Saresp, demonstram que o desempenho piorou no primeiro ano da gestão do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) na educação básica: a média dos alunos em 2023, nos anos finais do ensino fundamental (do 6.º ao 9.º ano), caiu dez pontos em Português e três pontos em Matemática, se comparados a 2022. Também aumentou o número de alunos nos níveis básico e abaixo do básico, considerados insuficientes, enquanto a maioria dos estudantes no 9.º ano não consegue nem localizar os argumentos de um artigo de opinião nem resolver equações de 2.º grau, competências apontadas como adequadas para a série.

Ainda não é possível saber se os números desabonadores de São Paulo seguem uma tendência nacional, se são um (mau) resultado isolado ou qual o patamar relativo em relação ao restante do País. Afinal, a avaliação nacional da educação básica de 2023 ainda não foi divulgada pelo Ministério da Educação. À essa altura, no entanto, isso importa menos. É mais grave saber que, passado o vendaval da pandemia de covid-19 (quando o Brasil foi o País que mais tempo deixou as escolas fechadas, causando prejuízos incalculáveis para a aprendizagem de crianças e jovens), São Paulo não apenas não conseguiu voltar aos padrões pré-pandemia, como viu seus números se agravarem: por aqui, os resultados voltaram a patamares de dez anos atrás e ainda são piores do que os registrados imediatamente após a pandemia.

Como afirmaram especialistas insuspeitas ouvidas pela repórter Renata Cafardo, mesmo que outros Estados tenham piorado, São Paulo tinha a obrigação de exibir melhores números – ainda que, como conforme destacou o governo estadual, tenha havido melhora nos anos iniciais do fundamental, uma responsabilidade dos municípios. A inquietação, contudo, vai além dos números. Desde o início do atual mandato, a gestão educacional de São Paulo tem colecionado polêmicas questionáveis. Propostas singulares, de eficácia incerta e típicas de quem deseja selar uma marca própria, somam-se a simples estultices. Exemplo disso foi o empenho do secretário estadual de Educação, Renato Feder, de abolir os livros didáticos tradicionais. Comparando a sala de aula a “uma grande TV” – expressão que usou em entrevista ao Estadão, em agosto do ano passado –, Feder pregou a sua substituição por slides em PowerPoint, convertidos numa espécie de apostila online para que os alunos se saiam bem nas provas.

Outra “marca” da gestão até aqui foi a ideia, já transformada em lei sancionada pelo governador, de instituir as escolas cívico-militares na rede estadual. Pelo projeto, os municípios ficam autorizados a adotar o modelo em suas próprias redes, além de permitir que policiais militares da reserva possam desenvolver “atividades extracurriculares” nas escolas. Trata-se de um agrado evidente ao ex-presidente Jair Bolsonaro e ao bolsonarismo, convictos que são de que a condução pedagógica militar é a mais conveniente para os jovens brasileiros. Para esses saudosos da ditadura, as escolas públicas de hoje são antros de indisciplina e incubadoras de esquerdistas, e só a rigidez militar seria capaz de pôr ordem nessa balbúrdia e instilar valores como respeito à hierarquia e à disciplina.

Em contrapartida, pouco ou nada se viu sobre outras prioridades que reconhecidamente têm efeito positivo sobre a aprendizagem, como o aumento das escolas em tempo integral, o foco na recuperação da aprendizagem abalada pela pandemia e o diálogo com professores e coordenadores das escolas públicas. Em nota, o governo estadual garante que tem realizado “mudanças importantes para melhorar o processo de aprendizagem”. Não há razão para duvidar. O problema a discutir agora é a natureza e a eficácia de tais mudanças, porque, segundo os números apresentados, a qualidade tem sido obliterada por uma estratégia que decididamente não está dando certo.

Metrô desafia a paciência

O Estado de S. Paulo

Se tudo der certo, a Linha 6 será entregue com quase dez anos de atraso, um evidente absurdo

Ainda carente de uma rede metroviária à altura do tamanho, da importância e do poder econômico da cidade de São Paulo, o paulistano poderá ter de esperar mais tempo para entrar na Estação Brasilândia, na região noroeste, e desembarcar 23 minutos depois na Estação São Joaquim, no centro. A demora se deve a mais um entre tantos entraves para o andamento das obras da Linha 6-Laranja do Metrô, que deveria ter sido entregue em 2018 e agora só deve ficar pronta, se nada mais acontecer, talvez em 2027.

Segundo a concessionária Linha Uni – referência ao fato de o ramal passar por universidades como PUC, Faap, Mackenzie e FGV –, o empreendimento enfrenta problemas geológicos não previstos. Com isso, somam-se 1.096 dias de atraso sobre o cronograma – ou seja, mais três anos, o que pode jogar a conclusão para 2028.

Há 20 anos já se falava da Linha-6 nos noticiários, quando a Prefeitura de São Paulo transferiu recursos ao Estado para serem usados no projeto. Vencedor da licitação da parceria público-privada para construir e operar a linha, o consórcio Move São Paulo assinou o contrato em 2013 com o governo estadual. As escavações foram iniciadas em 2015, mas paralisadas no ano seguinte. Formado por Odebrecht, Queiroz Galvão, UTC Engenharia e um fundo de investimentos, o consórcio ficou sem caixa e linhas de crédito após as construtoras protagonizarem o escândalo revelado pela Lava Jato. Em 2019, o conglomerado espanhol Acciona Construcción, que lidera o atual consórcio, assumiu o empreendimento.

Rompimento de contrato, acidente em canteiro, achados arqueológicos pelo caminho e agora, segundo a Linha Uni em documento enviado à gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos), rochas e condições de solo não abordadas pelos estudos de geologia realizados para lançar a licitação estão entre os obstáculos para o cumprimentos de prazos. E são muitos os prazos. Ao longo de todo o histórico da Linha 6, registram-se ao menos cinco diferentes previsões de entrega: 2018, 2020, 2021, 2025 e, agora, 2027. Não se pode condenar quem esteja cético quanto a este novo prazo.

A gestão Tarcísio tenta mitigar o atraso, com a entrega de um primeiro trecho (de Brasilândia a Perdizes) em 2026, e o restante ficaria para o ano seguinte. A Linha Uni já pediu ao Estado um adicional de R$ 230 milhões. Toda a obra custará mais de R$ 18 bilhões.

Com o pleito da Linha Uni e a ideia de reduzir o prazo, o custo vai aumentar. O secretário executivo da Secretaria de Parcerias em Investimentos, André Isper Rodrigues Barnabé, afirmou ao Estadão que o dinheiro não sairá só dos cofres públicos, uma vez que o contrato prevê compartilhamento de riscos. “A concessionária só vai ter receita quando começar a operar. Se, por um lado, a obra vai custar mais caro, por outro, encurtando o prazo, a concessionária começa a ter receita antes. A alternativa de acelerar o cronograma é vantajosa para o Estado, a concessionária e o usuário”, disse Barnabé. Gasto no escuro, uma vez que, segundo ele, não é possível estimar custos.

A Linha 6 terá 15,3 km e 15 estações. A estimativa é atender 633 mil passageiros, que, enquanto esperam, continuarão a gastar 90 minutos para fazer o mesmo trajeto de ônibus – perda de tempo, de dinheiro e de paciência.

Jovens brasileiros ansiosos

Correio Braziliense

A dependência digital merece atenção dentro e fora de casa. O equipamento que facilita o acesso a informações e conteúdos didáticos também alimenta o vício em outros conteúdos acessados pela internet

Eles são maioria quando o tema é ansiedade. Os números vêm mostrando isso, e é preciso tentar entender as razões e evitar que fiquem ainda piores. A pesquisa nacional desenvolvida em 2023 pelo Inquérito Telefônico de Fatores de Risco para Doenças Crônicas não Transmissíveis em Tempos de Pandemia (Covitel 2023) mostrou que um terço (31,6%) de jovens entre 18 e 24 anos é ansioso, o que chancela essa geração como a líder da ansiedade entre todas as faixas etárias no Brasil. Foram ouvidas 9 mil pessoas por telefone entre janeiro e abril do ano passado, das quais 12,7% relataram terem sido diagnosticadas com depressão. Já entre as mulheres, a porcentagem é de 18,1%.  

Mas o que poderia explicar essa explosão de ansiosos nos últimos anos? Para os especialistas, dois fatos estão intrinsecamente ligados. São eles: a pandemia da covid-19 e o excessivo uso de telas. Diariamente, um brasileiro gasta, em média, 9 horas e 32 minutos em frente a celulares, tablets, computadores ou qualquer outra tecnologia que emite imagens.  

Se pararmos para pensar que o isolamento social durou cerca de dois anos (entre idas e vindas) e que os brasileiros ocupam o segundo lugar no ranking de maiores usuários de telas do mundo, perdendo apenas para os sul-africanos, talvez consigamos entender as estatísticas envolvendo jovens e a relação entre quadros de ansiedade, síndrome do pânico, depressão e até mesmo suicídio. 

O ambiente escolar, espaço de interação e troca de vivências entre crianças e adolescentes, foi transferido para um quarto habitado muitas vezes por apenas uma pessoa que se comunicava com o professor e parte dos colegas digitalmente. E muitos sequer abriam suas câmeras, ou seja, preferiam permanecer invisíveis. Quantos pais foram obrigados a participar mais ativamente da alfabetização dos próprios filhos no pico da pandemia, quando não havia nenhuma sinalização de que a covid-19 se transformaria em doença crônica?  Outro dado que mostra essa relação é que de 2019 a 2022 (fim do isolamento social) houve um crescimento de 89% de brasileiros entre 9 e 17 anos usando a internet constantemente. 

Os prejuízos vieram a galope. Estudiosos sempre citam o conteúdo disponibilizado pelos meios eletrônicos como altamente viciante e envolvente - seja por meio de games, vídeos ou outros temas que apelam para a violência e para as bizarrices. No caso de crianças mais novas, as telas coloridas tornam-se fascinantes, o que leva os pais a adquirirem algum equipamento eletrônico para "entreter" o filho recém-chegado ao mundo digital.

Não é à toa que neurologistas, psicopedagogos e pesquisadores relatam prejuízos causados pelo uso exacerbado de telas, como pesadelos, falta de sono, angústia, problemas visuais (inclusive miopia), auditivos, de postura, transtornos alimentares, distúrbios mentais e, por que não, ansiedade. Em casos mais graves, assistimos a episódios corriqueiros de ciberbullying e, em menor grau, de estresse pós-traumático.  

A dependência digital merece atenção dentro e fora de casa. O equipamento que facilita o acesso a informações e conteúdos didáticos também alimenta o vício em outros conteúdos acessados pela internet. Discussões sobre restrições ao uso de celular em sala de aula, por exemplo, não podem ser ignoradas. Incentivo a atividades ao ar livre e em grupos também não. São questões já bastante conhecidas e defendidas por especialistas, que soam até como ladainha. 

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