Economia ilegal afeta país de forma implacável
O Globo
Pirataria, contrabando, sonegação, desvio de
água, luz, TV e internet drenam recursos de áreas essenciais
Práticas criminosas como pirataria,
contrabando, sonegação fiscal, furto de serviços como água, luz, TV e internet
têm custo alto para o país, apontou o evento “Caminhos do Brasil”, iniciativa
dos jornais O GLOBO e Valor Econômico e da rádio CBN, com o patrocínio de
entidades vinculadas ao setor comercial. Pelas contas do levantamento “Brasil
ilegal em números”, produzido pelas maiores associações industriais
brasileiras, o prejuízo chegou a R$ 454 bilhões em 2022, ou quase 5% do PIB. As
perdas registradas por 16 setores econômicos somaram R$ 297 bilhões.
Os tributos que deixaram de ser arrecadados são estimados em R$ 136 bilhões. São recursos que poderiam ser destinados a setores prioritários como educação, saúde ou segurança. Só os furtos de água — equivalentes a 2,6 vezes o volume armazenado no sistema Cantareira, em São Paulo — representaram R$ 14 bilhões. Os de energia alcançaram R$ 6,3 bilhões.
Há um pensamento equivocado disseminado na
população de que essas ilegalidades são um mal menor. Não são. Afetam de forma
implacável a todos. O produto pirateado, aparentemente semelhante ao original,
representa riscos, pois não segue as normas impostas à indústria legal. Perdas
em serviços básicos geram impacto nas tarifas, encarecendo as contas pagas por
toda a sociedade. No setor de combustíveis, em que as fraudes somam R$ 15
bilhões, produtos adulterados danificam veículos. Reflexo óbvio dessas práticas
é o desemprego. Em 2022, elas resultaram em 370 mil vagas com carteira assinada
a menos.
É preciso levar em conta também que grande
parte dessas práticas está associada ao crime organizado. Em São Paulo, redes
de postos ilegais são controladas pela principal facção criminosa do estado, o
PCC. Em comunidades do Rio, quadrilhas de milicianos e traficantes se
especializaram em vender serviços ilegais à população. Empresas operando dentro
da lei são impedidas pelos criminosos de atuar nessas áreas. A ilegalidade vai
dos sinais furtados de TV e internet a serviços essenciais como água ou luz.
O enfrentamento à ilegalidade é desafiador.
Há avanços, ainda que tímidos. O combate à sonegação é parte importante na
discussão da reforma tributária em regulamentação no Congresso. A estimativa é
que, dos R$ 454 bilhões perdidos para a ilegalidade, 30% correspondam a
impostos não recolhidos. Além da reforma, vários projetos de lei poderiam
contribuir para reduzir as perdas. O setor produtivo defende uma política
integrada para combater o problema de forma mais célere e a redução de tributos
para desestimular o comércio ilegal, que oferece preços mais baixos.
Está claro que, a despeito de operações
policiais realizadas de tempos em tempos, ainda há muito a fazer para coibir as
práticas ilegais. É preciso atuar em várias frentes, aperfeiçoando a
legislação, ampliando a fiscalização, atuando no combate às quadrilhas. Além
disso, é necessário esclarecer à população que ela não leva nenhuma vantagem ao
comprar produtos ou serviços falsificados, furtados ou contrabandeados. O país
perde recursos e empregos que beneficiariam a todos. Quem lucra com a
ilegalidade são apenas os bandidos. A sociedade fica com o prejuízo.
Congresso tem de aprofundar debate sobre PEC
das Praias antes de votá-la
O Globo
Não faz sentido promover mudança tão ampla
sem entender todas as implicações, sobretudo as ambientais
A Proposta de Emenda à Constituição 3/2022,
conhecida como PEC das Praias, ganhou impulso ao ser debatida na Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Relatada pelo senador Flávio
Bolsonaro (PL-RJ), ela revoga um inciso do artigo 20 da
Constituição que atribui à União a propriedade das áreas situadas numa faixa de
33 metros do mar, contados a partir da linha traçada com base na média da maré
cheia de 1831 (são os “terrenos de marinha”). A PEC transfere gratuitamente a
estados e municípios a propriedade desses terrenos — ou então a entes privados
que já os ocupem, mediante pagamento.
O governo assumiu posição contrária, alegando
que a PEC abre espaço à privatização de praias e favorece a exploração
imobiliária sem preocupação com os riscos ambientais. De acordo com a
secretária adjunta da Secretaria de Gestão do Patrimônio da União (SPU),
Carolina Gabas Stuchi, ela extingue o conceito de faixa de segurança e permite
alienação e transferência do domínio das áreas, prejudicando o Plano Nacional
de Gerenciamento Costeiro. A oposição nega que a mudança permita criar praias
privadas e afirma que a propriedade da União é um dispositivo anacrônico que
não tem impedido estragos na costa brasileira.
No passado, a presença do Estado no litoral
se justificava pela necessidade de defender o Brasil das tentativas de invasão
pelo mar. Mas a defesa deixou de fazer sentido como justificativa para a
propriedade dos terrenos da costa. Vigora hoje uma situação conveniente para o
governo, que se beneficia de taxas sobre toda negociação imobiliária nessas
áreas. Segundo Gabas, a União arrecada R$ 1,1 bilhão por ano com tais imóveis.
No Balanço Geral da União (BGU), eles representam um ativo de R$ 213 bilhões (excluindo
2,9 milhões de imóveis ainda sem cadastro).
Apesar da oportunidade financeira, não está
claro que a transferência a estados e municípios ou a venda a entes privados
seja uma solução adequada se adotada sem as devidas precauções. Há risco de
povoamento desordenado do litoral, com consequências ambientais drásticas caso
as regras de ocupação dependam apenas dos grupos políticos locais. As
implicações da PEC são amplas o bastante para justificar menos açodamento em
sua tramitação.
O aumento no nível dos oceanos parece
irreversível, e uma das frentes de trabalho estratégicas em tempos de
aquecimento global será a preparação da costa brasileira para conter um mar
muito diferente daquele de 1831. Só isso já desaconselharia tirar o litoral da
jurisdição da União. Há, ainda, áreas de manguezais, necessários à reprodução
da vida marinha, que precisam de proteção. Além das dificuldades para a
população e colônias de pescadores.
Em vez de fragmentar a propriedade dos
terrenos no litoral e dificultar o controle da ocupação da costa, o Congresso
deveria pedir transparência na aplicação do dinheiro que eles rendem. E a
proximidade das eleições municipais recomenda cautela. Não faz sentido aprovar
PEC tão transformadora sem que haja mais tempo para entender todas as suas
repercussões.
Boulos e Nunes lideram com números modestos
Folha de S. Paulo
Segundo o Datafolha, cerca de metade do
eleitorado de SP prefere outras opções; debate precisa ser melhor que o de 2020
A pouco mais de quatro meses do primeiro
turno das eleições municipais,
nenhum dos principais pré-candidatos em São Paulo demonstra
especial vigor nas intenções de voto apuradas pelo Datafolha.
Segundo pesquisa divulgada nesta quarta-feira
(29), Guilherme
Boulos (PSOL), com 24%, e o atual prefeito, Ricardo Nunes (MDB), com 23%,
seguem empatados, na margem de erro, como ocorreu em março, quando obtinham
marcas maiores, de 30% e 29%, respectivamente —há dois meses, a relação de
postulantes era diferente.
Em cenário alternativo também considerado
agora, com dois nomes a menos na lista, a disputa no topo pouco se altera:
Nunes passa a ter 26%, e Boulos, os mesmos 24%.
Nas duas hipóteses da sondagem, portanto,
cerca de metade do eleitorado paulistano tem outra preferência, ainda está
indeciso ou não pretende votar em ninguém. Nesse vasto contingente, as
intenções são bastante pulverizadas.
No rol mais amplo de pré-candidatos, os mais
bem posicionados, muito atrás dos líderes, são José Luiz Datena (PSDB,
8%), Tabata Amaral (PSB, 8%)
e Pablo Marçal (PRTB,
7%) —todos consideravelmente abaixo do índice de votos em branco e nulos, de
13%.
Quando se excluem Datena, um contumaz
desistente de eleições, e Kim Kataguiri (União Brasil, 4%), Tabata e Marçal
passam aos 9%, e brancos e nulos, a 15%.
Se quiser analisar os números com um viés
otimista, Boulos, apoiado por Luiz Inácio Lula da Silva (PT), verá a
confirmação de sua ascensão à esquerda na maior cidade do país, onde já
disputou o segundo turno em 2020 —ou pode torcer para que a rejeição de
61% a nomes apoiados por Jair Bolsonaro (PL) contamine seu
principal rival.
Já Nunes, que assumiu a prefeitura três anos
atrás com a morte de Bruno Covas (PSDB), conseguiu se fazer mais conhecido dos
paulistanos e equilibrar as avaliações de sua gestão de 2022 para cá.
Ademais, sua taxa de
rejeição, de 24%, é inferior à do psolista, de 32%, o que em tese
constitui vantagem num segundo turno.
Há muito a ocorrer na disputa, porém. As
convenções partidárias para a oficialização de candidaturas só terão início em
20 de julho, e a propaganda no rádio e na televisão, em 16 de agosto. Ainda não
se tem ideia de como se comportarão os eleitores de candidatos derrotados na
primeira votação.
Os postulantes devem à população um debate
mais qualificado sobre as prioridades municipais que o do pleito passado,
realizado no período atípico da pandemia. Para tanto, os programas de governo
das forças locais precisam ter mais peso e consistência do que as bandeiras
ideológicas de seus padrinhos políticos nacionais.
Eleições de araque
Folha de S. Paulo
Ao desconvidar observadores da UE, Maduro
reitera que comanda uma ditadura
A Venezuela é
uma ditadura que
infringe direitos
humanos e destruiu a economia do país a ponto de instalar uma
crise humanitária que gerou cerca de 7,7 milhões de refugiados. Mas o
déspota Nicolás
Maduro finge que está numa democracia e ainda tem a petulância
de pretender que a comunidade internacional acredite nessa farsa.
Na terça-feira (28), seu Conselho Nacional
Eleitoral informou que o convite para que observadores da União
Europeia (UE) monitorem a eleição presidencial, marcada para o
dia 28 de julho, foi
cancelado.
O órgão justificou-se com discurso rançoso
sobre um fantasioso imperialismo: "Seria imoral permitir sua participação,
conhecendo suas práticas neocolonialistas e intervencionistas contra a
Venezuela".
De fato, a UE mantém sanções contra a nação
sul-americana, do mesmo modo que os EUA, mas como mecanismo de pressão contra
atrocidades notórias cometidas pelo regime, notadamente a partir da onda de
protestos de 2017.
Investigação conduzida pelo Tribunal Penal
Internacional em curso desde 2021 já levantou 1.746 denúncias de abusos contra
os os direitos humanos. Em 2022, gabinete da ONU instalado
na Venezuela divulgou um relatório com 122 casos de tortura e de violência
sexual. Desde 2017, ao menos 125 pessoas foram mortas.
Em fevereiro deste ano, Maduro expulsou do
país os funcionários da repartição das Nações Unidas.
A proibição de observadores da UE no pleito é
mais uma infração ao Acordo de Barbados, pelo qual a Venezuela se comprometia a
realizar eleições justas,
livres e abertas ao escrutínio externo.
O Judiciário cooptado pela ditadura já havia
interditado as candidaturas dos principais oponentes do caudilho. Esse
movimento gerou a primeira crítica do Itamaraty ao regime —não
de Luiz Inácio Lula da
Silva (PT), que em suas falas ainda coloca panos quentes sobre a barbárie
venezuelana.
Em 28 de julho, a população do país irá às urnas numa pantomima. Sem oposição política, liberdade de expressão e direitos humanos, não se pode considerar que tal evento seja a expressão de um regime democrático.
Dia de 7 a 1
O Estado de S. Paulo
Ao impor derrota fragorosa ao governo, o
Congresso reforça a natureza instável e fragmentada das relações entre ambos.
Superá-la exigiria uma sabedoria que falta hoje ao Planalto
Ignorando os prognósticos mais realistas, o
governo do presidente Lula da Silva apostou alto nas votações que enfrentaria
no Congresso e encerrou a terça-feira com uma coleção eloquente de fracassos.
Em sessão conjunta da Câmara e do Senado, deputados federais e senadores
impuseram derrotas significativas ao Palácio do Planalto, derrubando vetos de
Lula e mantendo todos os vetos do ex-presidente Jair Bolsonaro.
O governo saiu derrotado por larga margem na
derrubada dos vetos presidenciais à chamada “saidinha” de presos do regime
semiaberto e a trechos da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que proíbem o
uso de recursos públicos para ações que supostamente ferem os valores da
“família tradicional”. Também perdeu no caso da possível criminalização
de fake news em contexto eleitoral, que Bolsonaro vetara ainda em
2021. Triunfou, porém, ao evitar um calendário fixo para pagamento de emendas
impositivas que havia sido aprovado na LDO, sonho de consumo de congressistas
que desejam irrigar suas bases eleitorais – a bem da verdade, uma vitória
favorecida pelo pagamento de verbas para redutos indicados pelos parlamentares.
Um acordo entre Lula e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), permitiu
ainda a aprovação do Imposto de Importação sobre as compras internacionais de
até US$ 50, tema que o PT enxergava com reticência, e o Ministério da Fazenda,
com certa ambiguidade.
Os reveses ruidosos e os triunfos
acabrunhados inspiram conclusões relevantes. A primeira é que nos embates
regidos por pragmatismo e realismo, Executivo e Legislativo tendem a estar
alinhados. A cisão se dá nas pautas que são mais caras à direita hoje hegemônica
no Congresso, incluindo temas de costumes, valores e cláusulas pétreas do
conservadorismo, como o tratamento mais duro dado a presidiários. Nelas, as
derrotas impostas ao governo provavelmente continuarão a se repetir com
intensidade. Chama a atenção, no caso da noite de terça-feira, o otimismo
delirante demonstrado por articuladores políticos do Palácio do Planalto (não
se sabe se verdadeiro ou mero artifício retórico para convencer parlamentares
da frágil base governista). Os vetos que retomavam a “saidinha” de
presidiários, por exemplo, foram apresentados como “uma questão de honra” para
o governo. Debalde. O resultado foi, isso sim, uma desonra política em alto
grau, adornada até mesmo por partidos que ocupam espaços na Esplanada dos
Ministérios.
A terça-feira não só demonstrou a força da
oposição, como reafirmou a natureza instável e fragmentada das relações entre
governo e Congresso. Há algum tempo se registram mudanças significativas no
presidencialismo de coalizão no Brasil, mas o governo ainda não parece
habituado à nova realidade. Ou melhor, parece estar perdido sobre quais
ferramentas dispõe para fazer valer sua agenda. Historicamente a estrutura
multipartidária e federativa na qual o presidencialismo se assenta decorre de
uma premissa: a existência de uma coalizão de governo majoritária e coerente, e
um presidente forte com poder de definir a agenda legislativa. Para exercer tal
força, o presidente precisa ter o controle do Orçamento, popularidade alta que
lhe garanta capital político e um ambiente legislativo dotado de partidos com
um mínimo de coerência interna e liderança firme capazes de assegurar o bom
fluxo das negociações.
Nada disso parece existir hoje. Ao contrário,
tem-se um Congresso com poderes inquestionáveis sobre o Orçamento, partidos
tradicionais com bancadas reduzidas (fora outros que deixaram de existir ou
foram desfigurados), profusão de bancadas temáticas (ruralistas, evangélicos e
armamentistas, por exemplo) e um Centrão nascido de um emaranhado de interesses
dispersos. Tudo somado, tornou-se inviável a formação de coalizões mais
estáveis, como nos primeiros mandatos de Lula e nos governos de Fernando Henrique
Cardoso. A dispersão de forças é o pior dos mundos para qualquer governo, pois
exige mais tempo, energia, capital político e recursos orçamentários para
conquistar o voto de parlamentares. Exige, por fim, uma sabedoria hoje ausente
no Palácio do Planalto, de onde grassa um governo medíocre e sem agenda clara
para apresentar ao Congresso – e ao País.
A confusão dos planos de saúde
O Estado de S. Paulo
Lira faz acerto verbal para que operadoras
suspendam cancelamentos unilaterais de planos de usuários, enquanto governo
federal assiste ao debate como se fosse mero observador
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL),
anunciou ter feito um acordo com operadoras de planos de saúde para suspender
rescisões unilaterais de contratos. Beneficiários respiram aliviados. Deveriam?
Nada indica que sim.
O Estadão mostrou nas últimas
semanas que houve uma escalada do número de cancelamentos por parte das
empresas. A reportagem comparou números de março deste ano com os do mesmo mês
do ano passado e revelou que ao menos 80 mil clientes deixaram de ser atendidos
pelos planos coletivos por adesão no período.
É possível que uma parte desse universo tenha
deixado as operadoras por vontade própria. Esse é um esclarecimento que as
empresas deveriam fazer, mas elas se recusam. Oficialmente, a Agência Nacional
de Saúde Suplementar (ANS) informa ter recebido mais de 15 mil reclamações
sobre rescisão contratual unilateral por parte das empresas em 2023, 37% a mais
que no ano anterior.
Na maioria dos casos, justificam as empresas,
a carteira é deficitária e não pode mais ser mantida, o que desampara pacientes
em tratamento. Mencionam atuar dentro da legalidade e informam que os clientes
têm direito a trocar de plano sem carência, embora migrar, a depender do estado
de saúde do usuário, possa ser uma tarefa impossível.
Parlamentares começavam a se mobilizar para
criar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar as
operadoras. Lira, no entanto, decidiu atuar. Por meio de suas redes sociais,
informou que as operadoras se comprometeram a “suspender cancelamentos recentes
relacionados a algumas doenças e transtornos”.
A quais doenças e transtornos e a que período
Lira se referia não se sabe, uma vez que o acerto foi verbal. Como bem observou
a advogada Giselle Tapai a este jornal, acordo não é lei. Mas, enquanto isso, a
abertura da CPI é adiada, e o projeto de lei que altera o marco atual de saúde
suplementar, de 1998, continua em discussão.
Até lá, permanecem o confuso estado de coisas
e a angústia dos clientes dos planos. Diante disso, é espantosa a ausência do
governo federal nessa discussão.
O Ministério da Justiça e Segurança Pública,
por meio da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), pediu explicações às
empresas pelos cancelamentos unilaterais. É pouco. Já a ANS divulgou longa nota
com as principais regras a que as operadoras estão sujeitas. Reafirmou que é
proibida a prática de seleção de riscos, ou seja, a exclusão de clientes por
condição de saúde ou idade – algo que as operadoras asseguram não fazer.
Mas a ANS ressaltou que é lícita a rescisão
de contrato de plano coletivo quando o beneficiário está em tratamento ou
internado, desde que a empresa arque com todo o atendimento até a alta
hospitalar. Eis um dos principais pontos do imbróglio. Órgãos de defesa do
consumidor e o Judiciário têm entendimento diferente e consideram a situação
ilegal, com base em precedente julgado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Do Ministério da Saúde não se ouviu uma
palavra até agora, e não é por acaso. Trata-se de um verdadeiro vespeiro, e é
difícil vislumbrar uma solução equilibrada, que preserve os interesses dos
usuários e a sustentabilidade econômica das empresas. Debatê-la, no entanto, é
urgente.
Os planos de saúde individuais e familiares
oferecem mais proteção ao usuário e reajustes regulados pela ANS, mas são
poucas as operadoras que oferecem a modalidade atualmente – sobretudo, a preços
acessíveis.
À maioria, resta apelar a planos coletivos,
que possuem regras bem mais flexíveis e que têm gerado tanta insatisfação –
tanto por parte dos clientes, que se sentem abandonados no momento em que mais
precisam, quanto por parte das empresas, que reclamam de fraudes e de custos
excessivos.
Não basta ao governo assistir a esse debate a
distância, como se fosse um mero observador, delegando a responsabilidade à
Câmara. Cada cliente que deixa de fazer parte da carteira dos planos de saúde
onera e sobrecarrega o Sistema Único de Saúde (SUS). Passou da hora de o
Executivo assumir a liderança dessa discussão.
Receita de um liberticida
O Estado de S. Paulo
Questionado sobre sua viagem para enxovalhar
o Brasil no exterior, deputado bolsonarista prefere o deboche
Com bastante tempo ocioso em Brasília e
dinheiro dos contribuintes à disposição, uma comitiva de parlamentares
bolsonaristas viajou a Washington, no início de maio, para difamar o Brasil na
capital dos Estados Unidos. Durante uma audiência na Câmara dos Representantes
daquele país, entre a gravação de um vídeo e outro para as redes sociais, o
grupo alardeou que aqui haveria “perseguição” e “censura” contra opositores do
governo Lula da Silva sob o tacão de uma assim chamada “ditadura do
Judiciário”.
Tudo isso é mentira, claro, como este jornal
já sublinhou há cerca de um mês (ver editorial Não, o Brasil não está sob uma ditadura, de 23/4/2024). Mas a
verdade factual é irrelevante para o bolsonarismo – movimento que, entre outras
trapaças retóricas, vive de abastardar o conceito de liberdade de expressão
para levar a cabo uma campanha de desinformação e desqualificação de adversários
políticos e instituições democráticas, particularmente o Supremo Tribunal
Federal (STF).
Dos nove parlamentares que embarcaram nessa
excursão infame – os deputados federais Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Bia Kicis
(PL-DF), Nikolas Ferreira (PL-MG), Gustavo Gayer (PL-GO), Marcos Pollon
(PL-MS), Filipe Barros (PL-PR), Cabo Gilberto Silva (PL-PB) e Rodrigo Valadares
(União-SE), além do senador Eduardo Girão (Novo-CE) –, ao menos cinco, até o
momento, pediram ressarcimento das despesas de viagem, como revelou o Estadão.
Entre passagens aéreas e diárias para os que alegaram cumprir “missão oficial”
no exterior, a Câmara já desembolsou quase R$ 53 mil.
Questionados pela reportagem sobre a natureza
dos gastos realizados às expensas dos contribuintes – ou seja, nada mais do que
a imprensa profissional fazendo o seu trabalho –, nenhum dos parlamentares se
dignou a responder, numa inequívoca demonstração de descaso com a sociedade. Só
Gustavo Gayer se manifestou: à guisa de “resposta” a este jornal, o deputado
goiano enviou uma receita de bolo. Segundo consta, o sr. Gayer é useiro e
vezeiro em debochar de jornalistas quando instado a prestar contas do mandato.
Durante um dos períodos mais violentos da
ditadura militar, em 1973, tanto o Estadão como o Jornal da
Tarde (JT) foram impedidos de publicar aquilo que o regime preferia manter
ao abrigo do escrutínio público. Como forma de protesto contra a censura –
esta, sim, real e violenta –, o Estadão passou a publicar poemas no
espaço reservado aos textos censurados pelos militares e o JT, receitas
culinárias. Foi a isso que o sr. Gayer aludiu com sua infame resposta a este
jornal, bem ao gosto do cinismo bolsonarista.
Agindo dessa forma indigna, o sr. Gayer se
engana se acredita estar ridicularizando a história de resistência do Grupo
Estado. E nem teria como fazê-lo, pois oito anos antes de ele nascer os
jornalistas desta casa já lutavam contra as barreiras à liberdade de imprensa
impostas por uma ditadura que ele nem conheceu e pela qual nutre escancarada
simpatia.
O sr. Gayer, a bem da verdade, debocha mesmo
é do Congresso Nacional. E debocha mesmo, e principalmente, é dos eleitores
goianos que o honraram com um mandato parlamentar.
Atividades no campo reduzem o bioma Cerrado
Correio Braziliense
A região mais afetada pelo desmatament foi a
de Matopiba — Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia —, com 47% de perda de
vegetação nativa, para as atividades agropecuárias, que ocupam 98% da área
desmatada no bioma
O Cerrado perdeu 1,11 milhão de hectares de
vegetação nativa em 2023, um aumento de 67,7% em relação a 2022 (662.186
hectares), conforme o Relatório Anual do Desmatamento no Brasil, divulgado pelo
MapBiomas. A devastação segue a todo vapor. Em fevereiro deste ano, 3.798 km²
foram desmatados, segundo o monitoramento do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (Inpe).
Enquanto, na Amazônia, houve uma retração de
40% no primeiro trimestre deste ano, no Cerrado, o desmatamento registrou um
avanço comprometedor do bioma, considerado o Berço das Águas, devido ao avanço
das fronteiras agrícolas. A região mais afetada foi a de Matopiba — Maranhão,
Tocantins, Piauí e Bahia —, com 47% de perda de vegetação nativa, para as
atividades agropecuárias, que ocupam 98% da área desmatada no Cerrado. Entre
esses estados, o Piauí foi o único a reduzir o desmatamento em 2023.
O Cerrado abriga nascentes de nove das 12
principais bacias hidrográficas do país e que contribuem para cursos hídricos
de países vizinhos, como o Rio do Prata, e essenciais ao agronegócio e à vida
humana. A supressão da vegetação compromete a perenidade dessas fontes de água
potável, dos rios e dos lagos. Os impactos dessa escalada de destruição do
Cerrado chegam às terras dos povos originários. É o caso da Terra Indígena
Porquinhos dos Canelas-Apãjekra, no Maranhão, que teve 2.750 hectares de
vegetação devastados. O que ocorre, hoje, com o povo Canelas tende a se
estender por outros territórios,
Mas a repercussão não se restringe às aldeias
indígenas e quilombolas, mas afetará outras comunidades e populações urbanas. A
intervenção predatória destoa de quaisquer esforços e políticas ambientais
voltadas à redução da emissão de gases que contribuem para o aquecimento global
e para os fenômenos climáticos extremos.
Ao participar de uma audiência sobre mudanças
climáticas, no Senado Federal, a bióloga e professora da Universidade de
Brasília (unB) Mercedes Bustamante, anos atrás, alertava sobre os efeitos da
substituição da cobertura vegetal do Cerrado pela pecuária e pelo plantio de
grãos e de cana-de-açúcar. A alteração implicaria facilitar a liberação do
carbono presente no solo e aquecer o ar. Embora o bioma seja um sumidouro de
carbono no período chuvoso, torna-se fonte de emissão durante a seca,
principalmente devido às queimadas.
A Amazônia tem 50% do seu território
protegido, o Cerrado apenas 12%. No ano passado, o governo federal propôs um
pacto com os governadores para conter o desmatamento do Cerrado, que ocorre em
propriedades privadas, sobre as quais não cabem intervenções do Estado. No
encontro, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, apresentou o Plano de Ação
para Prevenção e Controle do Desmatamento no Cerrado (PPCerrado), lançado em
novembro último. Diante dos recentes dados, se houve algum avanço, ele foi
insuficiente para conter o desmatamento no bioma.
As catástrofes que ocorrem no Sul do país deveriam ser encaradas como alertas de que é necessário mudar a relação das atividades econômicas com o meio ambiente. O atual comportamento dos produtores rurais do Centro-Oeste ocorreu nos Pampas gaúchos. A perda de proteção da vegetação nativa está entre uma das causas da tragédia sulista. O momento exige reflexão e a adoção de um relacionamento harmonioso com o patrimônio natural, em defesa da vida.
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