Valor Econômico
O impasse a respeito da repactuação dos acordos de leniência da Lava-Jato deve ter um desfecho em junho, a se cumprir os prazos estabelecidos pelo ministro André Mendonça para decidir sobre a ação apresentada pelo Psol e PC do B a favor das empreiteiras. Independentemente do que se resolva, há indícios de que os acordos, do ponto de vista de ressarcimento de danos ao erário, passaram longe de ser o retrato do “pau de arara do século 21”, para se usar a imagem criada pelo ministro Dias Toffoli ao invalidar o uso das provas produzidas pelo acordo da ex-Odebrecht em processos judiciais. Foram, em um certo sentido, não injustos, mas inúteis.
Não há número público do total que foi
efetivamente pago pelas empresas que celebraram os acordos ora questionados,
mas o Tribunal de Contas da União trabalha com a informação de que muito pouco
ou quase nada foi honrado. Caso se estabelecesse um imperativo de ressarcimento
às empresas por valores indevidamente pagos o resultado seria mais
constrangedor do que comprometedor ao Tesouro.
No afã de se obter elementos para processos
criminais contra os operadores e agentes políticos, o foco dos acordos foi
identificar valores pagos em vantagens indevidas, e não medir o
superfaturamento dos contratos, como se eles não tivessem existido. Existiram,
segundo indícios levantados pelo TCU. Um estudo já velho de funcionários da
autarquia, publicado em 2017, analisou 135 contratos da Petrobras e
identificou que nos 48 com atuação do cartel de empresas o desconto nas
licitações foi 17% menor. No universo pesquisado, nada extensivo diante de
todos os casos apurados na década passada, isso somava R$ 5,8 bilhões.
Ou seja, pela tese que circula dentro da
corte de contas, durante o auge da Operação Lava-Jato o Estado teria pegado
leve com as empresas. Um ministro usa uma expressão forte para definir o que
aconteceu: compraram as delações com dinheiro público. Quanto mais arrasadora
era a confissão contra pessoas físicas, maior a chance de não se ir a fundos
nos aditivos assinados pelas empresas protagonistas.
O revisionismo sobre os acordos teve a porta
aberta em fevereiro, com a decisão de Toffoli de suspender o pagamento das
multas da ex-Odebrecht firmadas no acordo de leniência fechado com o Ministério
Público Federal. A partir de então outras empreiteiras pediram a extensão do
mesmo benefício. A celeuma provocada pela decisão acelerou a tramitação da Ação
de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1051, que Psol e PC do B,
representadas pelo advogado Walfrido Warde, tinham apresentado em abril do ano
passado, pedindo a anulação de tudo.
O relator André Mendonça iniciou então um
processo de conciliação para renegociar novas condições com CGU, AGU, MPF e
empresas. O prazo terminava em 26 de abril, e foi prorrogado para 26 de junho.
Até onde se sabe, um acordo está distante. Segundo noticiou “O Globo” no mês
passado, a CGU trabalha com a hipótese de um desconto de 50% nos valores
atuais.
Ciro Gomes, opção da direita?
O professor de Harvard e filosófo Roberto
Mangabeira Unger, ex-ministro no governo Lula, diz que imaginar um cenário em
que o ex-presidente Jair Bolsonaro apoie em 2026 na eleição presidencial o
ex-governador cearense Ciro Gomes (PDT) “não é nenhum absurdo”. “Bolsonaro já
declarou publicamente que no passado chegou a votar em Ciro para presidente”,
lembra. Mangabeira colaborou para as campanhas presidenciais de Ciro em 2018 e
2022.
Segundo Mangabeira, que encontrou-se com
Bolsonaro no ano passado, o ex-presidente dificilmente irá reverter sua
inelegibilidade e tem três opções: uma é apoiar alguém de seu círculo íntimo, o
que seria interpretado “como uma recusa de avanço”, com baixa perspectiva de
sucesso eleitoral.
A outra, que ele reputa como “mais factível”,
seria apoiar alguém de seu agrupamento político, como os governadores de São
Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), ou de Goiás, Ronaldo Caiado (União
Brasil). E por fim, o que ele chama de “melhor opção”: “ Optar por alguém não
só fora de seu círculo íntimo e de seu agrupamento político, “alguém que desse
condições de interpretar para o país uma proposta produtivista e nacionalista e
de ser apoiado pelo líder da direita”. E Ciro, segundo Mangabeira, “continua a
ser um dos intérpretes mais críveis dessa alternativa”.
Ciro hoje se diz sem planos eleitorais e o
professor está mais para livre pensador do que para articulador político. Mas
Mangabeira tem um ponto: “Bolsonaro é o líder não de uma maioria, mas de uma
grande minoria dentro do país, assim como Lula é o líder de outra facção quase
majoritária”. Dentro dessa lógica, se partisse de Bolsonaro a iniciativa de
quebrar a polarização, abriria-se um terreno para se construir uma maioria.
Para o ex-ministro de Lula, o atual
presidente é vulnerável. “Em condições normais, Bolsonaro teria sido reeleito.
Há muita chance de Lula ser derrotado”, comenta. O que teve de anormal em 2022,
segundo o professor, foi produzido pelo próprio ex-presidente, que quebrou a
cultura republicana.
César Felício
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