sexta-feira, 28 de setembro de 2018

Fernando Abrucio: O papel do centro no futuro do país

- Eu & Fim de Semana | Valar Econômico

A disputa eleitoral ainda não acabou, mas os candidatos de centro estão, por ora, bem mais distantes do segundo turno do que Jair Bolsonaro e Fernando Haddad. Sempre é possível que o imponderável apareça numa eleição, como ocorreu no caso da morte de Eduardo Campos em 2014 e no atentado recente contra o candidato do PSL, que inegavelmente o fortaleceu nas pesquisas.

Mas, se nada de muito surpreendente acontecer, a polarização vai ser o signo definidor do pleito presidencial de 2018. Só que vencer é uma coisa, governar, outra. Indo mais direto ao ponto: o centrismo tende a ser uma peça-chave num país dividido, quem quer que seja o eleito.

Ressaltar a importância do centro na política brasileira contemporânea não quer dizer que seus partidos e líderes estão sendo agora injustiçados pelo eleitor. O centrismo cometeu um erro atrás do outro nos últimos anos. Sem dúvida, foi importante no período do presidente Fernando Henrique Cardoso e quando uma parte dele foi atraída para o governo de Lula, cumpriu um papel importante para a governabilidade e para moderar certas correntes radicais do petismo. No entanto, a partir de 2014, o centro perdeu o rumo.

O primeiro passo em falso do centro ocorreu quando Aécio Neves questionou judicialmente a vitória de Dilma - e soubemos depois, pela própria fala do tucano, que ele fizera aquilo "só para encher o saco".

A saga continuou com o caminho tortuoso adotado no processo de impeachment. O fato é que o PSDB e os centristas sérios e não corruptos de outros partidos foram comandados pelo deputado Eduardo Cunha e por uma voz difusa das ruas que já namorava com a antipolítica e o autoritarismo. Continuaram essa trilha apoiando o presidente Temer nos momentos mais constrangedores, como as duas votações que o salvaram da perda do mandato, e não tiveram a atitude adequada quando Aécio mostrou que não tão diferente daqueles que acusara. Com esse comportamento, não conseguiram descolar a sua imagem de um governo cuja popularidade está no subsolo.

O enredo centrista continuou com a apresentação de várias candidaturas para a eleição presidencial. Essa fragmentação dificulta a chegada ao segundo turno. A divisão de forças atrapalha, porém, não explica por completo o fraco desempenho até agora dos candidatos de centro. Tem-lhes faltado a capacidade de perceber quais são as maiores angústias da população, seja da classe média, seja, sobretudo, dos segmentos mais pobres da população. Eis aí uma lição fundamental da democracia: não se pode vencer sem entender o que o povo soberano quer.

Se é verdade que ainda há tempo e munição para o centro se recuperar, mesmo que seja uma tarefa bem difícil, também é fato que isso somente será possível com a união de duas ou mais candidaturas centristas. Claro que o eleitor pode fazer esse processo via voto útil, mas, com certeza, tal tarefa seria facilitada pela aliança explícita de candidatos. De todo modo, a dificuldade em produzir essa somatória revela o quanto o centro não sabe, no momento, qual é efetivamente o seu lugar no sistema político.

Com base na fotografia das pesquisas de hoje, a hipótese com maior chance de realização é um segundo turno entre Bolsonaro e Haddad. Caso se confirme esse resultado, muitos analistas vão dizer que ambos não precisam do centro para ganhar. De fato, é possível vencer o pleito presidencial sem uma guinada ao centrismo, pois o país se dividirá entre o bolsonarismo e o petismo, semelhante à disputa de 1989, e um deles poderá ter uma vitória provavelmente bem apertada.

O que estaria em jogo, numa disputa tão polarizada, não seria apenas a vitória, mas o tipo de triunfo obtido. Nesse sentido, quanto mais cedo forem capazes de agregar elementos do centro às suas campanhas, mais terão chances de conseguir dois resultados: vencer com maior folga e sinalizar para uma coalizão governamental mais estável.

No caso de Haddad, se continuar sua curva de crescimento até a última semana da campanha, ele já poderia, antes do fim do segundo turno, fazer uma sinalização a grupos mais centristas - partidos, políticos e atores sociais. É o que provavelmente Lula faria se estivesse em tal situação. Para Bolsonaro, talvez não seja possível fazer isso agora, uma vez que Alckmin se colocou no meio desse caminho. Entretanto, o candidato do PSL precisará trilhar essa direção na etapa final com palavras e atos, pois do contrário correrá o risco de perder para uma polarização democracia versus autoritarismo.

O caminho para o centro, todavia, tem sua maior importância vinculada à governabilidade futura. Os líderes das pesquisas de hoje deveriam lembrar do que ocorreu em 2014. O grau de virulência e polarização produziu um cenário em que os dois lados, com votações muito próximas, trataram-se ao final como inimigos de guerra. O resultado desse acirramento, com erros de ambos os lados, foram quatro anos de crise, tendo como consequência política o enfraquecimento do núcleo duro do sistema partidário do qual faziam parte.

O PT sofreu mais ao início, com o processo de impeachment. E o PSDB está repetindo em 2018 o pesadelo petista das eleições municipais de 2016. Assim, tanto brigaram que podem abrir as portas para a vitória de um candidato que se declara antissistema - apesar de ser parlamentar faz 30 anos - e que tem levado parcelas da sociedade a acreditar numa narrativa em que há um salvador da Pátria contra todos os políticos.

O país está numa situação econômica e social muito complicada. Isso em si já torna a tarefa do próximo presidente da República extremamente difícil. Para piorar, quem ganhar estará a muitas léguas de distância da maioria parlamentar. De início, Haddad talvez tenha um pouco mais de parlamentares do que a aliança PSL-PRTB, embora seja possível que Bolsonaro consiga uma primeira base de cerca de cem deputados - no Senado ele terá mais obstáculos que o presidenciável petista.

De qualquer forma, ambos estarão bem longe da maioria necessária para aprovar reformas no Congresso. Precisarão de um apoio mais institucionalizado, de cunho partidarizado, com compromissos estabelecidos publicamente e com ganhos políticos para todos os lados.

A aposta num apoio construído caso a caso ou, muito pior, numa pressão social contra o Congresso que não tem dado certo na história brasileira. Jânio, Collor e a desarrumação política de Dilma nos ensinaram que quanto antes o eleito acenar, de forma institucionalizada, para o centro em relação ao seu espectro político, mais chances tem de governar com estabilidade. Deixar essa decisão para mais tarde ou para o primeiro momento de crise é um passo certeiro para o precipício. É bom que fique claro que isso significa negociar parte de sua agenda referendada pelas urnas.

O quanto deve ceder, de que maneira, como compartilhar as perdas e os ganhos com os novos aliados, em suma, como criar uma identidade entre diferentes dentro da coalizão, são essas as perguntas básicas da liderança presidencial em nosso sistema político.

Muitos analistas e atores políticos dão de barato que qualquer coalizão que seja formada é espúria de antemão, porque envolverá negociatas e a politização dos cargos técnicos do governo. Bolsonaro expressa isso de forma mais clara que todos os outros presidenciáveis. E pode ser mesmo que o eleito encontre um outro receituário para o funcionamento do presidencialismo de coalizão brasileiro, nada é impossível na história humana. Só que essa aposta é, no mínimo, temerária, não apenas por conta das características institucionais do país, mas especialmente em razão do fato de que o Brasil estará completamente dividido e, provavelmente, num tom extremamente beligerante no dia seguinte da eleição.

A tendência é que se forme um cenário mais polarizado do que Collor e Dilma enfrentaram. Tomando isso como um evento muito provável, não há como Bolsonaro e Haddad ficarem longe do centro e comandarem, a partir dessa decisão, algum tipo de pacificação da sociedade brasileira.

Caso se neguem a acreditar nas lições da história, ambos terão enorme dificuldade para governar o país. E aqui vale um raciocínio que tente captar o pior cenário para cada um deles. Se tudo der errado para Haddad como presidente, o mais provável é que ele seja enredado em algum tipo de impeachment, como ocorreu com Dilma Rousseff. Se tudo der errado para Bolsonaro como presidente, o mais provável é que ele tente algum tipo de golpe institucional - e aí o país vai relembrar o que é efetivamente um golpe de Estado.

Isso se deve, em parte, às ideias políticas que ambos tem expressado, mas também às condições políticas, principalmente as características e a força de seus apoiadores.

A chegada a uma dessas situações extremas dependerá obviamente do governante eleito e de seu grupo de apoio. No entanto, o centro poderá ter um papel aqui para evitar qualquer aventura institucional, resguardando a democracia. Para cumprir essa função, os centristas terão de se mostrar efetivamente democráticos, e não apenas opositores ou oportunistas que se aproveitam dos candidatos do modelo polarizado. Será que os políticos e os eleitores de centro estão preparados para resguardar o regime democrático brasileiro? Em 1964 não estavam.
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Fernando Abrucio, doutor em ciência política pela USP e chefe do Departamento de Administração Pública da FGV-SP

Um comentário:

Unknown disse...

Realmente. Meu maior temor é que no segundo turno, a disputa entre Hadadd é Bolsonaro fortaleça o anti- esquerdismo. Por que a disputa entre Freixo e Crivela deu Crivela como prefeito?? ARG!