O Globo
Nem novas retaliações contra
ministros do STF devem mudar rumos do processo contra ex-presidente, e
Congresso não parece disposto a comprar 'pacote da paz'
Decretada a prisão
domiciliar de Jair Bolsonaro, algumas perguntas imediatamente dominaram o
debate público. Alexandre de Moraes ainda está amplamente respaldado pelo
Supremo Tribunal Federal? A pressão da direita sobre o comando do Congresso por
medidas de retaliação ao STF terá chance de avançar? E novas sanções aos
ministros da Corte e mesmo ao Brasil, na esfera comercial, poderão ser
determinadas pelo governo dos Estados Unidos?
A resposta à primeira
questão é a mais fácil: sim. O placar no Supremo segue amplamente favorável a
Moraes. Se a prisão domiciliar fosse submetida a referendo do plenário, o que
não acontecerá, seria confirmada por pelo menos 8 votos a 3. Isso ocorre por
coerção de algum tipo do relator da trama golpista sobre os pares? Não.
Ainda que alguns ministros desejem, e muitos desejam, um caminho para distensionar as relações institucionais entre os Poderes e tirar o Judiciário dos holofotes, a maioria entende que não se fará isso condescendendo com claras afrontas a decisões judiciais como as perpetradas por Bolsonaro e seus apoiadores, de forma sistemática, deliberada, com a clara intenção de forçar Moraes a escalar as sanções e vender à sociedade, aos Estados Unidos e à classe política a narrativa da perseguição.
Um magistrado propõe um
exercício simples: fosse qualquer outro o investigado sob medidas cautelares
como o uso da tornozeleira eletrônica e as demais restrições impostas a
Bolsonaro que as descumprisse de forma acintosa como fez o ex-presidente,
alguém questionaria se caberiam medidas mais severas?
Para juízes, inclusive
criminalistas que atuam na defesa de acusados da trama golpista, tecnicamente
Bolsonaro já cometeu atos que justificam sua prisão preventiva, e a retirada da
publicação nas redes sociais pelo senador Flávio Bolsonaro é uma prova incontestável
de que eles próprios sabem ter infringido os termos das medidas cautelares
determinadas por Moraes.
A resposta do Congresso é
mais difícil de cravar, mas, ainda assim, ninguém aposta que Hugo Motta ou Davi
Alcolumbre estejam dispostos a partir para uma “guerra total” contra o STF,
como sugerem os bolsonaristas mais empedernidos. O conjunto de medidas apresentado
pelo PL, intitulado não ironicamente “pacote da paz”, não tem chance de ir
adiante.
Nunca na História não só do
Brasil, mas de qualquer democracia, se consumou um impeachment de ministro de
Corte superior. Se, por hipótese, Alcolumbre resolvesse ir adiante com a
medida, quem presidiria o processo seria o presidente do STF, provavelmente já
Edson Fachin na ocasião. O vice-presidente, então, seria… Alexandre de Moraes.
Alguém aposta nesse cenário?
Por fim, mais difícil ainda
de prever é a reação do governo Donald Trump, agora autodesignado como
corregedor-geral das leis, do Judiciário e até do sistema de pagamentos do
Brasil. Não é minimamente razoável que novas sanções econômicas sejam ditadas,
depois de os Estados Unidos penalizarem o Brasil com a mais alta tarifa de
exportação do mundo sem uma mísera razão comercial sequer. Mas a razoabilidade
há tempos deixou de ser a moeda em vigor nessas tratativas.
Quanto à possibilidade de
novas investidas contra ministros do STF, essas parecem não só possíveis, como
prováveis. Mas, de novo, se vierem, não terão o condão de alterar os rumos dos
processos que correm na Corte.
Não se pode pedir ao
Judiciário que adote qualquer tipo de contenção quando alguém que comandou um
golpe de Estado frustrado investe continuamente para o desmonte das
instituições republicanas, incitando até outro país a investir contra elas.
Defender que se adote — aí
sim — uma condescendência com Bolsonaro que jamais valeria para um investigado
comum significaria passar a cada juiz em cada Vara do Brasil o recado de que
deve temer julgar poderosos. Das muitas tentativas de solapar a democracia,
essa talvez seja das mais insidiosas.
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