Luiz Carlos Mendonça de Barros
DEU NO VALOR ECONÔMICO
Em novembro passado descrevi um cenário tentativo para a economia mundial em 2009. Nos trinta dias que transcorreram até nosso encontro de hoje os números sobre produção, emprego e expectativas surpreenderam negativamente. Nos EUA e na Europa os indicadores antecedentes mostram quedas de PIB (em termos anualizados) no último trimestre do ano de 6,5% e 3,5%, respectivamente, números bem abaixo das projeções que vigoravam há poucas semanas; e as expectativas para o primeiro semestre de 2009 são apenas um pouco melhores. Desta forma, o cenário é hoje um pouco pior, com as expectativas de uma retomada do crescimento mundial sendo empurradas para 2010.
A súbita e profunda deterioração da economia mundial nos últimos meses mostrou de forma inequívoca que o funcionamento normal da moderna economia de mercado depende crucialmente da disposição (e capacidade) do sistema financeiro em manter o fluxo de crédito para empresas e consumidores. Para o terror das autoridades, os eventos recentes mostraram a insuficiência das ferramentas tradicionais para lidar com um evento raro que é a paralisia quase completa da confiança e do crédito nas últimas semanas.
Mas momentos extraordinários demandam medidas igualmente extraordinárias e as últimas semanas foram pródigas neste sentido. O Federal Reserve agiu de forma agressiva e inovadora conforme as condições pioravam. A medida mais relevante ocorreu na semana passada. Surpreendendo o mercado, o Fed fixou sua taxa de intervenção entre 0 e 0,25% ao ano, o nível mais baixo da história. Mesmo assim os analistas começam a debater o risco de deflação nos próximos meses. O impensável pode acontecer segundo eles: os EUA estariam ameaçados pela temida armadilha da liquidez keynesiana, onde a política monetária convencional se torna impotente para reativar a economia.
Mas o Fed decidiu não ser convencional e, na mesma reunião, deu o passo final para a adoção do que no jargão da economia é chamado de "quantitative easing", ou seja, a manutenção de um excesso de liquidez nos mercados monetários. Na prática, o Fed se comprometeu a expandir o seu balanço (emitindo moeda) de forma ilimitada até que seja possível restaurar alguma normalidade na intermediação financeira. Para tanto, declarou estar disposto a comprar diretamente no mercado os mais variados papéis financeiros, como hipotecas, títulos de longo prazo do Tesouro americano, dívidas corporativas e papéis lastreados por recebíveis de consumidores.
Os resultados desta postura são potencialmente muito poderosos. Em primeiro lugar, a presença de um comprador de última instância com recursos ilimitados implica que as taxas de juros destes títulos cairão substancialmente, como já está acontecendo com as hipotecas e com os títulos de dez anos do governo. O segundo efeito é ajudar a destravar a intermediação financeira conforme a liquidez do sistema aumente e os ganhos de arbitragem apareçam de forma mais clara. As condições monetárias estão gradualmente melhorando, embora seja ainda muito cedo para dizer quando a confiança voltará.
Este movimento do Fed foi recebido com ressalvas pelo grupo mais conservador de analistas econômicos que ressaltaram os riscos de um volta súbita e violenta da inflação. Para diferenciar a experiência de agora com o ocorrido no Japão - quando não ocorreu uma volta da inflação - estes falcões alertam para as diferenças abissais entre o consumidor americano e o japonês.
Mas os argumentos mais fortes contra esta posição de crítica à ação do Fed são de natureza econômica e não histórica. O primeiro deles é o de que o aparecimento da inflação por conta da ação do Fed seria um sinal claro de que os riscos de depressão econômica não mais existiriam. Neste caso o Fed teria vencido a batalha ao colocar a economia americana novamente nos trilhos da normalidade. Com isto as condições de voltar a lidar com a questão da inflação por meio de mecanismos tradicionais estariam restabelecidas, e o Fed poderia imediatamente voltar à política monetária tradicional. Portanto, a volta da inflação nos Estados Unidos seria quase uma benesse divina, até porque os bancos centrais estão mais bem preparados para lidar com ela do que com a ameaça de deflação.
Outro argumento contra estes críticos de Ben Bernanke e sua equipe é a impossibilidade da volta da inflação em uma economia em que a taxa de desemprego se aproxima dos 8% e a capacidade ociosa do setor produtivo, inclusive o de commodities, atinge níveis elevados. Qual o poder de preços de empresas e sindicatos nesta situação? O comportamento dos preços do petróleo mesmo com o cartel Opep em plena ação é um exemplo impressionante da situação que vivemos hoje. A inflação só poderá aparecer quando este quadro for alterado, o que levará tempo suficiente para permitir ao Fed sair da sua agressiva política monetária atual antes que o quadro terrível previsto pelos falcões se materialize.
Não tenho dúvida de que o Fed está tomando as medidas corretas para enfrentar o quadro econômico atual, criando assim as condições necessárias para uma retomada do crescimento. Mas o quadro econômico hoje tem muito a ver com a redução brusca do consumo, e do investimento privado, criando a situação descrita por Keynes em suas análises sobre a depressão dos anos trinta. Nesta situação a condição de suficiência somente será criada a partir da restauração da confiança e do consumo privado em função de um aumento temporário dos gastos do governo e redução de impostos.
O governo Obama já sinalizou que vai seguir com vigor este caminho logo após sua posse em janeiro. Mas este passo me assusta um pouco pela ausência de uma tradição de governo pró-ativo e porque seus mecanismos de intervenção na economia estão atrofiados. O último grande programa de obras públicas nos Estados Unidos foi realizado na década dos 50 do século passado. Mas não existe outra solução conhecida e teremos que acompanhar - talvez com os dedos cruzados - os próximos passos do novo governo americano.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações. Escreve mensalmente às segundas.
DEU NO VALOR ECONÔMICO
Em novembro passado descrevi um cenário tentativo para a economia mundial em 2009. Nos trinta dias que transcorreram até nosso encontro de hoje os números sobre produção, emprego e expectativas surpreenderam negativamente. Nos EUA e na Europa os indicadores antecedentes mostram quedas de PIB (em termos anualizados) no último trimestre do ano de 6,5% e 3,5%, respectivamente, números bem abaixo das projeções que vigoravam há poucas semanas; e as expectativas para o primeiro semestre de 2009 são apenas um pouco melhores. Desta forma, o cenário é hoje um pouco pior, com as expectativas de uma retomada do crescimento mundial sendo empurradas para 2010.
A súbita e profunda deterioração da economia mundial nos últimos meses mostrou de forma inequívoca que o funcionamento normal da moderna economia de mercado depende crucialmente da disposição (e capacidade) do sistema financeiro em manter o fluxo de crédito para empresas e consumidores. Para o terror das autoridades, os eventos recentes mostraram a insuficiência das ferramentas tradicionais para lidar com um evento raro que é a paralisia quase completa da confiança e do crédito nas últimas semanas.
Mas momentos extraordinários demandam medidas igualmente extraordinárias e as últimas semanas foram pródigas neste sentido. O Federal Reserve agiu de forma agressiva e inovadora conforme as condições pioravam. A medida mais relevante ocorreu na semana passada. Surpreendendo o mercado, o Fed fixou sua taxa de intervenção entre 0 e 0,25% ao ano, o nível mais baixo da história. Mesmo assim os analistas começam a debater o risco de deflação nos próximos meses. O impensável pode acontecer segundo eles: os EUA estariam ameaçados pela temida armadilha da liquidez keynesiana, onde a política monetária convencional se torna impotente para reativar a economia.
Mas o Fed decidiu não ser convencional e, na mesma reunião, deu o passo final para a adoção do que no jargão da economia é chamado de "quantitative easing", ou seja, a manutenção de um excesso de liquidez nos mercados monetários. Na prática, o Fed se comprometeu a expandir o seu balanço (emitindo moeda) de forma ilimitada até que seja possível restaurar alguma normalidade na intermediação financeira. Para tanto, declarou estar disposto a comprar diretamente no mercado os mais variados papéis financeiros, como hipotecas, títulos de longo prazo do Tesouro americano, dívidas corporativas e papéis lastreados por recebíveis de consumidores.
Os resultados desta postura são potencialmente muito poderosos. Em primeiro lugar, a presença de um comprador de última instância com recursos ilimitados implica que as taxas de juros destes títulos cairão substancialmente, como já está acontecendo com as hipotecas e com os títulos de dez anos do governo. O segundo efeito é ajudar a destravar a intermediação financeira conforme a liquidez do sistema aumente e os ganhos de arbitragem apareçam de forma mais clara. As condições monetárias estão gradualmente melhorando, embora seja ainda muito cedo para dizer quando a confiança voltará.
Este movimento do Fed foi recebido com ressalvas pelo grupo mais conservador de analistas econômicos que ressaltaram os riscos de um volta súbita e violenta da inflação. Para diferenciar a experiência de agora com o ocorrido no Japão - quando não ocorreu uma volta da inflação - estes falcões alertam para as diferenças abissais entre o consumidor americano e o japonês.
Mas os argumentos mais fortes contra esta posição de crítica à ação do Fed são de natureza econômica e não histórica. O primeiro deles é o de que o aparecimento da inflação por conta da ação do Fed seria um sinal claro de que os riscos de depressão econômica não mais existiriam. Neste caso o Fed teria vencido a batalha ao colocar a economia americana novamente nos trilhos da normalidade. Com isto as condições de voltar a lidar com a questão da inflação por meio de mecanismos tradicionais estariam restabelecidas, e o Fed poderia imediatamente voltar à política monetária tradicional. Portanto, a volta da inflação nos Estados Unidos seria quase uma benesse divina, até porque os bancos centrais estão mais bem preparados para lidar com ela do que com a ameaça de deflação.
Outro argumento contra estes críticos de Ben Bernanke e sua equipe é a impossibilidade da volta da inflação em uma economia em que a taxa de desemprego se aproxima dos 8% e a capacidade ociosa do setor produtivo, inclusive o de commodities, atinge níveis elevados. Qual o poder de preços de empresas e sindicatos nesta situação? O comportamento dos preços do petróleo mesmo com o cartel Opep em plena ação é um exemplo impressionante da situação que vivemos hoje. A inflação só poderá aparecer quando este quadro for alterado, o que levará tempo suficiente para permitir ao Fed sair da sua agressiva política monetária atual antes que o quadro terrível previsto pelos falcões se materialize.
Não tenho dúvida de que o Fed está tomando as medidas corretas para enfrentar o quadro econômico atual, criando assim as condições necessárias para uma retomada do crescimento. Mas o quadro econômico hoje tem muito a ver com a redução brusca do consumo, e do investimento privado, criando a situação descrita por Keynes em suas análises sobre a depressão dos anos trinta. Nesta situação a condição de suficiência somente será criada a partir da restauração da confiança e do consumo privado em função de um aumento temporário dos gastos do governo e redução de impostos.
O governo Obama já sinalizou que vai seguir com vigor este caminho logo após sua posse em janeiro. Mas este passo me assusta um pouco pela ausência de uma tradição de governo pró-ativo e porque seus mecanismos de intervenção na economia estão atrofiados. O último grande programa de obras públicas nos Estados Unidos foi realizado na década dos 50 do século passado. Mas não existe outra solução conhecida e teremos que acompanhar - talvez com os dedos cruzados - os próximos passos do novo governo americano.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações. Escreve mensalmente às segundas.
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