Luiz Carlos Bresser-Pereira
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
Na era da globalização, nada é mais importante para o desenvolvimento econômico do que a autonomia nacional
A REUNIÃO da cúpula da América Latina e do Caribe, combinada com a reunião da Unasul, em Salvador, na última semana, marcou um momento na história da independência da América Latina.
Conforme declarou o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, "é inacreditável que tenham sido necessários 200 anos após suas independências para que os países da região se reunissem sem a presença de poderes externos".
Tem razão o chanceler brasileiro.
Ainda que as duas reuniões não produzissem grandes decisões, elas significaram a retomada da idéia de nação por parte dos países latino-americanos. Ora, na era da globalização, nada é mais importante para o desenvolvimento econômico do que a autonomia nacional -a capacidade de o país definir sua estratégia de desenvolvimento, em vez de se deixar tutelar por seus concorrentes mais poderosos.
Os países latino-americanos tornaram-se independentes no início do século 19, mas, até a Primeira Guerra Mundial, foram semicolônias do Reino Unido, e, em seguida, dos Estados Unidos. Alguns países, principalmente o Brasil e o México, alcançaram razoável autonomia nacional a partir dos anos 1930, em um momento em que as potências imperiais haviam se enfraquecido com a Grande Depressão; mas voltaram a se enfraquecer com a grande crise da dívida externa dos anos 1980, e a partir do final dessa década subordinaram-se novamente aos Estados Unidos, então fortalecidos com o colapso da União Soviética. Não por acaso, entre 1930 e 1980, vários países latino-americanos alcançaram elevadas taxas de crescimento econômico porque lograram formular estratégias nacionais de desenvolvimento. Nos 25 anos seguintes, porém, com uma estratégia emprestada ou imposta por seus concorrentes, essas taxas caíram.
Recuperaram-se em parte nos últimos três anos, mas graças a um aumento especulativo das commodities exportadas pelo país.
Nas relações econômicas internacionais, a cooperação entre concorrentes é sempre possível, mas a condição para que essa colaboração seja real é a de que os poderes dos participantes sejam razoavelmente equilibrados. Se não forem, a associação, que por definição supõe que os interesses comuns superam amplamente os conflitos, transforma-se em tutela e em exploração. E por isso mesmo deve ser rejeitada.
Por isso é importante que os países latino-americanos se reúnam sem poderes externos. Com esses a relação fundamental será ou de subordinação ou de competição. A cooperação também é possível, mas se destinará principalmente a definir as regras da competição. A cooperação poderia ser mais ampla se os países pensassem no longo prazo e percebessem que as relações econômicas internacionais são jogos de soma maior que zero -jogos ganha-ganha.
A experiência, entretanto, mostra que os países ricos estão, de um lado, interessados em que os mercados internos dos países em desenvolvimento estejam abertos para os investimentos de suas empresas sem reciprocidade (que é apenas exigida em relações comerciais), e, de outro, que a taxa de câmbio desses países se mantenha apreciada, de forma: 1) a manterem esses países endividados e dependentes e 2) poderem suas empresas enviar maiores juros e lucros em moeda forte para as matrizes com o mesmo resultado em moeda local. "A América para os americanos" é uma frase que faz pouco sentido para a América Latina; esta deve existir para os latino-americanos.
Luiz Carlos Bresser-Pereira, 74, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
Na era da globalização, nada é mais importante para o desenvolvimento econômico do que a autonomia nacional
A REUNIÃO da cúpula da América Latina e do Caribe, combinada com a reunião da Unasul, em Salvador, na última semana, marcou um momento na história da independência da América Latina.
Conforme declarou o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, "é inacreditável que tenham sido necessários 200 anos após suas independências para que os países da região se reunissem sem a presença de poderes externos".
Tem razão o chanceler brasileiro.
Ainda que as duas reuniões não produzissem grandes decisões, elas significaram a retomada da idéia de nação por parte dos países latino-americanos. Ora, na era da globalização, nada é mais importante para o desenvolvimento econômico do que a autonomia nacional -a capacidade de o país definir sua estratégia de desenvolvimento, em vez de se deixar tutelar por seus concorrentes mais poderosos.
Os países latino-americanos tornaram-se independentes no início do século 19, mas, até a Primeira Guerra Mundial, foram semicolônias do Reino Unido, e, em seguida, dos Estados Unidos. Alguns países, principalmente o Brasil e o México, alcançaram razoável autonomia nacional a partir dos anos 1930, em um momento em que as potências imperiais haviam se enfraquecido com a Grande Depressão; mas voltaram a se enfraquecer com a grande crise da dívida externa dos anos 1980, e a partir do final dessa década subordinaram-se novamente aos Estados Unidos, então fortalecidos com o colapso da União Soviética. Não por acaso, entre 1930 e 1980, vários países latino-americanos alcançaram elevadas taxas de crescimento econômico porque lograram formular estratégias nacionais de desenvolvimento. Nos 25 anos seguintes, porém, com uma estratégia emprestada ou imposta por seus concorrentes, essas taxas caíram.
Recuperaram-se em parte nos últimos três anos, mas graças a um aumento especulativo das commodities exportadas pelo país.
Nas relações econômicas internacionais, a cooperação entre concorrentes é sempre possível, mas a condição para que essa colaboração seja real é a de que os poderes dos participantes sejam razoavelmente equilibrados. Se não forem, a associação, que por definição supõe que os interesses comuns superam amplamente os conflitos, transforma-se em tutela e em exploração. E por isso mesmo deve ser rejeitada.
Por isso é importante que os países latino-americanos se reúnam sem poderes externos. Com esses a relação fundamental será ou de subordinação ou de competição. A cooperação também é possível, mas se destinará principalmente a definir as regras da competição. A cooperação poderia ser mais ampla se os países pensassem no longo prazo e percebessem que as relações econômicas internacionais são jogos de soma maior que zero -jogos ganha-ganha.
A experiência, entretanto, mostra que os países ricos estão, de um lado, interessados em que os mercados internos dos países em desenvolvimento estejam abertos para os investimentos de suas empresas sem reciprocidade (que é apenas exigida em relações comerciais), e, de outro, que a taxa de câmbio desses países se mantenha apreciada, de forma: 1) a manterem esses países endividados e dependentes e 2) poderem suas empresas enviar maiores juros e lucros em moeda forte para as matrizes com o mesmo resultado em moeda local. "A América para os americanos" é uma frase que faz pouco sentido para a América Latina; esta deve existir para os latino-americanos.
Luiz Carlos Bresser-Pereira, 74, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".
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