quinta-feira, 14 de agosto de 2025

O fôlego finito da soberania mexe no tabuleiro, por Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Empurrado para uma reação efetiva, governo alinhava apoio de Motta e Alcolumbre com pauta no Congresso e Tarcísio, ante dissenso entre Centrão e bolsonarismo, avança sobre 2026

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda não tinha começado a falar na cerimônia das medidas para conter o impacto do tarifaço sobre exportadores quando uma instituição financeira recebeu o monitoramento do dia sobre sua popularidade que, neste mercado, é batizado, em inglês, de “tracking”.

O resultado confirmava a tendência que começou a ser registrada há uma semana: depois de registrar a melhor taxa do ano com a reação ao tarifaço, seguindo a curva ascendente iniciada pela taxação BBB (bancos, bets e bilionários) e empatando com reprovação, a aprovação de Lula voltou a puxar a boca do jacaré para baixo.

Este monitoramento não autoriza conclusões sobre um eventual esgotamento do tema da soberania, mas pesquisas mais aprofundadas já vinham apontando que a aprovação de pautas como a taxação BBB, por exemplo, não se estendiam à maneira como governo lida com esses temas. A MP é um caminho para colocar o governo no rumo da reação - interna pelo menos.

Há outros instrumentos à mão para reagir a esta boca de jacaré que novamente se abre. O recuo no câmbio e nos preços, principalmente de alimentos, com perspectiva de deflação em agosto, coloca a queda de juros no radar. A perda de tração do mote da soberania, porém, deu urgência ao pacote que vinha sendo adiado pelas divergências internas sobre seu alcance fiscal.

O bolsonarismo comete erros em série. Depois de provocar o tarifaço, permitiu, com a humilhação imposta pelo “8/1 do paletó”, que o presidente da Câmara, para salvar sua reputação, resgatasse para a pauta a criminalização do conteúdo das redes sociais que erotiza crianças.

A jogada, que tirou o deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) do escanteio, não apenas mobiliza a opinião pública como permite que o governo pegue carona na pauta da regulação longamente adiada pelo Congresso. O sucesso na tramitação desse projeto ainda é duvidoso, mas já emparedou o bolsonarismo que não consegue sobrepor a anistia e o foro privilegiado sobre um tema de muito mais interesse da sociedade que é a erotização de crianças. Além disso, ainda tem que lidar com a regulação das redes, tema que, até aqui, vinha obstruindo com sucesso.

A MP que amortiza o tarifaço terá tramitação mais fácil do que a regulação das redes, mas a pauta aproxima governo e Centrão no que, de fato, mobiliza a opinião pública. A medida abre espaço para o governo recobrar apoio do Centrão no Nordeste, por exemplo, cujas exportações foram mais atingidas.

Como Lula não tem muitos aliados como o governador petista do Piauí, este Centrão vinha se deixando atrair pelo crescimento do bolsonarismo na região. O senador Ciro Nogueira (PI), presidente do PP, ficou sem espaço no Estado pelo favoritisimo da chapa ao Senado montada pelo governador, forte candidato à reeleição. A chapa terá MDB e PSD, cujo presidente, Gilberto Kassab, deixou nos palacianos do Planalto depois do almoço com Lula na semana passada, a certeza de que o partido vai liberar os Estados na eleição presidencial de 2026.

Na ronda para resgatar as lideranças do Centrão, Lula incluiu quem já lhe tem dado mostras de lealdade, como o presidente do Senado. Ao mesmo tempo em que impôs 63 vetos ao projeto que flexibiliza o licenciamento ambiental, o governo enviou uma medida provisória que incorpora uma emenda apresentada pelo senador Davi Alcolumbre (União-AP). A licença especial contemplada por esta MP viabiliza a exploração mais ágil do petróleo da chamada Margem Equatorial, faixa litorânea que abrange o Amapá.

A perspectiva de cancelamento dos vistos americanos de Motta e Alcolumbre ainda não se confirmou. O governo dos EUA anunciou nesta quarta a medida para os servidores que idealizaram o Mais Médicos numa retaliação pessoal do secretário do Departamento de Estado, Marco Rubio, que é de origem cubana e se manifestou, no X, contra a “cumplicidade com o programa de exploração da mão de obra cubana”.

Só a cogitação, porém, de que os presidentes da Câmara e do Senado possam vir a ser alvo demonstra o grau de animosidade que hoje impera entre o bolsonarismo e lideranças do Centrão.

Não é só com o Centrão que o bolsonarismo tem provocado curto-circuito. O relatório do Departamento de Estado dos EUA sobre a situação dos direitos humanos no Brasil incluiu as mortes provocadas por policiais militares de São Paulo como foco de suas críticas. Alveja não apenas o governador Tarcísio de Freitas como também Guilherme Derrite, um dos quadros paulistas mais alinhados ao bolsonarismo e pré-candidato do PP à sucessão estadual.

Com o avanço de Lula sobre o Centrão e o dissenso crescente numa direita sobre a qual não demonstra controle, Tarcísio assumiu uma postura mais ofensiva em relação a 2026 para uma plateia amigável. Num evento do BTG nesta quarta-feira, o governador cruzou a fronteira da dubiedade: “O Brasil não aguenta mais o PT, o Brasil não aguenta mais o Lula (...) o mundo está de porta aberta para o Brasil, é só trocar o piloto que o carro é bom pra caramba”.

No mesmo evento, o dono da casa, André Esteves, desenhou pra quem ainda não tinha entendido: “Apesar de parecer que a história do enfrentamento possa render dividendo político, eu não concordo com essa visão. É voo de galinha. A sociedade vai cobrar solucionadores, e não criadores de confusão.”

 

Nenhum comentário: