STF desarmou bomba fiscal na Previdência
O Globo
Ao manter fator previdenciário, Corte evitou
despesa adicional de R$ 130 bilhões aos cofres públicos
Para honrar as aposentadorias do setor
privado, o Tesouro desembolsa cerca de R$ 300 bilhões por ano. Esse é o tamanho
aproximado do rombo da Previdência. Com o aumento da longevidade, ele só tende
a aumentar se não houver novas reformas. Como se o desafio nada trivial de
mexer nas aposentadorias futuras não bastasse, volta e meia o passado também
traz dores de cabeça. É o que mostra uma ação em julgamento no Supremo Tribunal
Federal (STF)
sobre as reformas previdenciárias dos anos 1990. Uma eventual decisão favorável
aos aposentados custaria R$ 130 bilhões a mais no Orçamento, pelos cálculos da
Advocacia-Geral da União (AGU). Felizmente o Supremo já formou maioria para
desarmar a bomba fiscal. O julgamento termina na próxima segunda-feira.
Depois do Plano Real, em 1998, o Congresso
aprovou uma Emenda Constitucional para mudar o cálculo da aposentadoria dos
trabalhadores do setor privado. Estabeleceu novos requisitos e criou um regime
de transição para quem estava próximo de se aposentar. No ano seguinte, foi
aprovada a Lei do Fator Previdenciário, alterando o cálculo das aposentadorias.
Como não havia consenso político para aumentar a idade mínima, a saída foi
adotar um mecanismo para desincentivar aposentadorias precoces. Até então elas
eram a maioria, devido à regra do “tempo de serviço”. Quem tinha 35 anos de
contribuição podia se aposentar com qualquer idade. Em 1997, 82% das
aposentadorias urbanas ocorriam até os 54 anos. A partir da aprovação do fator
previdenciário, quem se aposentava cedo sofria redução nos vencimentos. Quanto
mais tempo ficava no mercado de trabalho, menor o redutor.
A ação examinada pelo STF contesta a
aplicação da Lei do Fator Previdenciário para os beneficiários sujeitos às
regras de transição criadas em 1998. Eles pleiteiam que a legislação não seja
aplicada a eles e pedem ressarcimento de valores a que julgam ter direito. Em
seu voto, o relator, ministro Gilmar Mendes,
teve o bom senso de não encampar essa tese e votou pela constitucionalidade do
redutor. “É constitucional a aplicação do fator previdenciário, instituído pela
Lei 9.876/1999, aos benefícios concedidos a segurados filiados ao Regime Geral
de Previdência
Social antes de 16.12.1998, abrangidos pela regra de transição
do art. 9º da EC 20/98”, escreveu Gilmar.
O entendimento de Gilmar está certo. “Os aposentados a quem se aplicou o conjunto de regras de transição não foram prejudicados, não receberam benefícios calculados indevidamente”, escreveu o economista Felipe Salto no jornal O Estado de S. Paulo. Além disso, as sucessivas reformas previdenciárias foram tentativas de dar sobrevida ao INSS. Sem as mudanças de regras das últimas três décadas, o país na certa já teria quebrado. Em vez de desencavar esqueletos do passado, o Brasil precisa encarar o desafio de aprovar novas reformas, já que as contas da Previdência se mostram a cada dia mais insustentáveis. A pressão pode ser medida pelo tamanho das despesas com o INSS como proporção do Produto Interno Bruto (PIB). O gasto equivalia a 2,5% do PIB em 1988, pelo cálculo do economista Fabio Giambiagi. Hoje está perto de 8%. E, a despeito da última reforma em 2019, ameaça voltar a crescer.