segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Intervalo para pensar

Wilson Figueiredo
Jornalista
DEU NO JORNAL DO BRASIL


A reeleição do presidente Lula não produziu, até agora, nenhum fato importante além da candidatura presidencial da ministra Dilma Rousseff, que correu mais depressa do que a necessidade e acabou exposta à chuva e ao sol. Era tudo de que o presidente não desejava, dada a imprudência de deixar a candidata nas garras da ociosidade da oposição. Sem se livrar da suspeita de apenas guardar o lugar para ele, em caso de necessidade não de todo descartável. Um ano em tais condições é desgastante para os dois. Do ponto de vista dela, tudo é novidade. Dele, nem tanto.

A nova oposição, sem antecedentes suficientes, começou pensando que o castigo (a privação do poder) também fosse para sempre. Nada é para sempre, muito menos em política. Para vencedor e vencido a hora da verdade está a caminho, mas falta um ano inteiro num jogo de faz-de-conta que muitos pensam que é a própria política. Não é.

Assim que o presidente Lula viu prosperar a idéia de que o terceiro mandato cabia como hipótese racional (dois não se mostraram suficientes), a oposição se lembrou de que era social-democrata e, como tal, devia se comportar. Mas a tradição, onde floresceu a idéia reformista da social-democracia, não é animadora. Trata-se de uma arte refinada de perder o poder por ambigüidade. A margem de erro é maior do que a de acertos. Reforma ou revolução? Nossa social-democracia esperou que acontecesse. Pensou, metaforicamente, que caísse do céu, e não que brotasse das urnas. Chegamos ao estágio superior em que, como se dizia a respeito do Brasil, tudo pode acontecer. Inclusive nada, como conclusão.

De tanto nada acontecer, aconteceu o pior: a invocação do AI-5 na sua data oficial, para mais uma vez exorcizá-lo. Mas, a social-democracia não é superstição. O petismo, que não diz o que é, também não entendeu que a opção sempre oscilará entre uma revolução que passou de difícil a impossível, e uma reforma contínua, sem prazo definido, mas ininterrupta, que até agora só existiu na teoria. O Brasil parece historicamente predestinado a ancorar na social-democracia, mas as hipóteses se adiantam e confundem a oportunidade. Reforma ou revolução? Não se trata de opção a fazer a cada encruzilhada, mas como ponto de partida. E coerência como compromisso.

Na segunda metade do século 20, a esquerda se inclinou para as soluções deste lado, sem abrir mão da ilusão com a idéia revolucionária, que parece encurtar o caminho mas deixa mais longe o resultado. O reformismo é o varejo da idéia de revolução cultuada com maiúscula. Ora, a política brasileira, fora dos livros de história, é um varejo inesgotável. Até retrocesso se faz passar como reforma. O mais das vezes o reformismo faz venda avulsa de mercadoria que não pagou imposto. Nada mais parecido com odor de contrabando do que deputado ou vereador vendendo falsificações nas esquinas: a diferença entre um deles e um camelô é mínima. No século 21, de tal ponto de vista, nada melhorou. A esquerda foi para o poder por engano de endereço. Deve ter pensado que era uma forma geneticamente adaptável ao liberalismo. E a conseqüência veio a cavalo. A social-democracia foi ultrapassada pelo petismo, cujo compromisso político era fazer reformas na conta da revolução, mas quem veio – mais uma vez – bancar o projeto foi o velho capitalismo.

O círculo vicioso em que a idéia de reforma e a ilusão revolucionária se revezam não evoluiu. O PT se sentia e se anunciava revolucionário e, como tal, mantido longe do governo pelo eleitor.

Depois da carta de Lula endereçada ao povão, mas lida nas entrelinhas pelo mercado, produziu-se o efeito oposto: o poder ficou ao alcance, e Lula não perdeu mais eleição. Graças ao antecedente social-democrático, a reeleição confirmou a natureza brasileira superficialmente reformista e apenas nostalgicamente revolucionária. Elege-se por uma razão mas governa-se por outras, velhas conhecidas. Falta mais do que um refrão do tipo de La cucaracha que embala os mexicanos. Nós temos o Carnaval, que consome alta energia coletiva, mas não prepara revoluções.

E assim, de reforma em reforma que não se consuma, o Brasil afasta-se de solução possível e não se aproxima de nenhuma revolução. O risco diminuiu, embora o lucro social tenha aumentado para quem estava de fora. O método de desconstruir, em lugar da velha demolição, como ocorreu com a Bastilha em 1789, explica que tanto num caso como no outro, não basta formular. É preciso fazer reforma para dispensar a revolução, porque, a partir de algum momento não definido, qualquer das duas se aproveita das circunstâncias e perturba a normalidade democrática. O resto não figura em qualquer manual de teoria.

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